A guerra vai acabar em maio? O que se sabe sobre a máquina de Putin e sobre as negociações para a paz

16 mar 2022, 07:00
Cidade de Irpin (AP Images/Felipe Dana)

Um dos homens fortes do presidente Volodymyr Zelensky afirmou esta terça-feira que o fim das hostilidades estava para breve. Mas será que o fim da violência na Ucrânia está mesmo para breve, ou o conflito vai arrastar-se no tempo? Fomos ouvir os especialistas

Um dos principais conselheiros do presidente Zelensky, conhecido por ter previsto o conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia, Oleksiy Arestovich, afirmou, esta terça-feira, numa declaração à televisão ucraniana, que, na pior das situações, a Rússia acordaria um cessar-fogo total até ao mês de maio, uma vez que o lado russo “não terá recursos suficientes” para continuar a invasão militar. Mas será que a máquina de guerra de Vladimir Putin está a perder força e capacidade de continuar as operações no terreno? Ou serão as declarações do conselheiro ucraniano parte da estratégia de comunicação da diplomacia da Ucrânia?

Para o embaixador António Martins da Cruz, as declarações de Arestovich são “completamente deslocadas” para quem está a negociar um cessar-fogo e podem colocar em causa as tentativas diplomáticas ucranianas de “evitar o genocídio do seu povo”. “É mais do que uma provocação, é uma bravata”, frisou. 

A situação diplomática, considera Martins da Cruz, apresenta três tipos de soluções possíveis, sendo que a primeira passará sempre pela negociação de um cessar-fogo para criação de corredores humanitários. Esta é a situação que domina a agenda diplomática entre os dois países atualmente, com a Ucrânia a tentar estabelecer vários corredores humanitários em várias cidades que estão a ser mais afetadas, como Mariupol, Kharkiv, Chernihib e Kiev.

Outra das soluções possíveis é a de um acordo de cessar-fogo local, podendo incluir apenas a parte leste do país e não a região oeste, ou vice-versa, continuando as hostilidades nas regiões não incluídas no acordo.

A terceira solução é o cessar-fogo permanente, que passa pela negociação do fim das hostilidades militares. Essa fase ainda poderá demorar a chegar, uma vez que a Rússia aparenta estar a tentar conquistar os principais centros urbanos ucranianos, onde cerca de 80% da Ucrânia reside. Para o embaixador, este controlo permitiria à Rússia negociar de uma posição mais forte, em que poderia impor algumas das exigências mais vantajosas para Moscovo. “A Rússia vai procurar retalhar a Ucrânia e tomar conta de diversos territórios, manifestamente o leste e o sul da Ucrânia e Kiev, para poder negociar em posição de força o fim das hostilidades militares e a neutralização da Ucrânia, colocando no poder um governo que seja flexível ou complacente com as estratégias russas”, explicou.

O embaixador refere também que a situação económica de Moscovo não se vai deteriorar tão rapidamente quanto se esperava, devido ao fluxo ininterrupto do fornecimento de gás e de petróleo para a Europa, que rende ao Kremlin perto de 500 milhões de dólares por dia.

Para resolver este impasse, Martins da Cruz insiste na necessidade de encontrar um mediador capaz de aproximar os dois lados, pois a paz não poderá ser alcançada nos moldes em que as negociações estão a decorrer, com o recurso a  vídeochamadas. “Já vamos na quarta ronda de negociações e já estão a negociar por videoconferência. As negociações diplomáticas - e sobretudo negociações para atingir o fim de hostilidades militares - não se podem realizar por videoconferência. Isto são negociações que não vão levar a nada de substancial”.

Tropas russas podem ter falta de recursos dentro de 10 dias?

O antigo comandante-geral do exército norte-americano na Europa, o tenente-general Ben Hodges, também reforçou a ideia de que um fim da guerra pode estar próxima, ao afirmar no Twitter que o exército russo está perto de um ponto onde será forçado a parar a ofensiva dentro de dez dias devido a uma alegada falta de recursos. Para o major-general Agostinho Costa, esta ideia, à semelhança do que disse o conselheiro do presidente Zelensky, é “um bocado exagerada” e pode até ser “aquilo a que os ingleses chamam de wishful thinking” (pensamento positivo ou desejado, em português). “Para a Ucrânia, esta é uma guerra total. Neste momento, a Ucrânia está a desenvolver uma defesa do seu país com a população em armas e com o exército a combater. Para a Rússia, ainda é um conflito local”, destacou.

Agostinho Costa acrescenta também que a Rússia tem uma posição estratégica vantajosa, controlando três quartos das fronteiras da Ucrânia, e que alguns dos objetivos militares já foram conquistados. “Na ofensiva russa, podemos verificar que o eixo da ofensiva a sul já foi bem-sucedido e chegou a Kherson, que era um dos grandes objetivos, atingindo o rio Dniepre. A norte, assistimos a uma manobra de cerco e a leste temos um eixo que vem de Kharkiv direcionado para Dnipro, que parou e que se encontra no combate de atrito”.

Do ponto de vista militar, a Rússia continua a ter um contingente militar mais numeroso do que o ucraniano, com mais de 900 mil efetivos e um vasto arsenal militar à sua disposição. Muitas das armas russas mais poderosas ainda não foram utilizadas e a Rússia “continua a controlar o espaço aéreo” do teatro de operações. “Há sempre a possibilidade de as aeronaves russas serem abatidas, mas quando falamos em superioridade aérea falamos da capacidade dos meios aéreos interditarem o espaço aéreo à outra parte, desenvolvendo operações sem constrangimento de uma força aérea inimiga”, reparou.

Apesar de admitir que, na ótica militar, quem defende tem sempre vantagem, Agostinho Costa sublinha que a capacidade industrial russa permanece largamente intacta e ainda não sentiu o peso das sanções, cujo efeito “ainda leva algum tempo”. “A capacidade industrial de um país e de outro ainda é muito diferente” e, a cada dia que passa, a cada bomba que acerta o seu alvo, a capacidade industrial ucraniana fica mais diminuída."

Estes factos levam o major-general Agostinho Costa a crer que uma solução diplomática não está para breve. Ambos os lados acreditam que podem ter conquistas militares em breve, o que leva a uma melhor posição negocial pelo lado vencedor. Porém, acredita que esta situação pode culminar num impasse e a guerra pode estender-se durante anos. “Se os objetivos políticos não forem atingidos, não vejo as operações militares a parar. Podemos caminhar para um impasse. Podemos eventualmente ter aqui uma guerra para muitos anos”, frisou.

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