Dez respostas sobre a tosse convulsa - e porque Portugal, para já, mantém-se 'imune'

30 mar, 18:00
Tosse (Freepik)

Surto de tosse convulsa cresce na Europa, mas ainda não atingiu Portugal

É conhecida como a ‘tosse dos 100 dias’ e está a afetar vários países da Europa: só em Espanha são já mais de sete mil os casos de tosse convulsa desde o verão, tendo morrido um bebé; na Dinamarca, os casos dispararam no ano passado e nos Países Baixos são notificados 300 novos casos todas as semanas e já morreram quatro bebés; o número de diagnósticos no Reino Unido é o maior em 11 anos, com mais de 500 casos notificados apenas durante o mês de janeiro e na Chéquia, onde a vacina é obrigatória, foram registados mais de 800 casos numa só semana.

Embora possa afetar também adultos, “a doença é mais perigosa em bebés e crianças pequenas e pode causar complicações e até levar à morte”, alerta a Organização Mundial da Saúde

Em Portugal, como explica o médico especialista em Saúde Pública Gustavo Tato Borges, existem “alguns casos de doença, mas muito esporádicos”, o que faz com que, por cá, não se dê, para já, “a situação de surto”. Mas, ainda assim, importa manter a vigilância e conhecer os principais sintomas. 

O que é a tosse convulsa?

A tosse convulsa, também denominada pertússis, é uma “infeção respiratória provocada por uma bactéria chamada Bordetella pertussis ou então por bactérias da espécie Bordetella”, começa por explicar o médico Manuel Ferreira de Magalhães, pneumologista pediátrico no Centro Materno-Infantil do Norte e Hospital Lusíadas Porto, Esta bactéria, continua, “entra na via aérea de forma muito semelhante a outras infeções respiratórias e que ataca a via áerea de uma forma muito específica”, podendo comprometer o aparelho respiratório, sobretudo a traqueia e os brônquios.

Quais os sintomas?

“Tosse, tosse, tosse”, diz o pneumologista. Mas esta tosse é dividida em três fases, mais concretamente em três estágios da doença: o estadio catarral, o estadio paroxístico e estadio de convalescença. 

A fase catarral dura entre uma a duas semanas e assemelha-se a uma “constipação”, com tosse não produtiva e “febre baixa”. Passado este período, dá-se a fase paroxística, que pode durar entre duas a seis semanas. Aqui, “a tosse intensifica-se” e chama-se “fase paroxística, paroxística porque vem por paroxismos, de repente, de forma intensa por períodos”. Nesta fase, a pessoa “tosse, tosse, tosse e pára”, sendo que “a tosse é muito característica, vem por surtos, em que se tosse muito sem respirar pelo meio”, podendo as pessoas ficar “muito vermelhas ou até azuis e, quando já não têm ar, fazem uma inspiração com um guincho, esta é a tosse clássica” desta fase da doença, que muitas vezes é acompanhada de “vómitos depois de tossir”. Nos bebés mais pequenos, em que estes casos de tosse convulsa “são os mais graves, a fase pode ser diferente, pode ser apenas tosse e apneias”.

Por fim, e também durante mais duas a seis semanas, dá-se a fase de convalescença, em que “há uma diminuição progressiva da intensidade e frequência da tosse, desaparecendo o ruído inspiratório e os vómitos”, lê-se no site do Serviço Nacional de Saúde.

Ao todo, continua o médico Manuel Ferreira Magalhães, “esta tosse dura até 100 dias, por isso se chama a doença da tosse dos 100 dias”.

Como se transmite?

Como qualquer outra infeção respiratória, incluindo a covid-19. Esta bactéria “não vive muitas horas fora do hospedeiro, mas se estiver a conversar com uma pessoa com tosse” e infetada, “a transmissão por partículas” acontece “por contacto directo”. E, mais uma vez, tal como na covid-19, o contacto com superfícies contaminadas também contribui para a transmissão.

Qual o período de incubação?

“Quando entramos em contacto com alguém que nos transmite esta bactéria, há um período de incubação de 7 a 10 dias”, diz o pneumologista do Centro Materno-Infantil do Norte e Hospital Lusíadas Porto.

Como se diagnostica?

A combinação entre a avaliação dos sintomas e a realização de análises laboratoriais - para detetar a bactéria - é a forma mais eficaz de se ter um diagnóstico correto.

É possível prevenir?

Sim e há duas formas de o fazer: ser vacinado e adotar medidas de higiene respiratória. A vacinação é, de facto, o principal escudo-protetor, diz Manuel Ferreira de Magalhães, que destaca que a “excelente taxa de vacinação” pode justificar o facto de nos outros países estar a haver “surtos e em Portugal não”. 

No que diz respeito à vacinação, há dois momentos determinantes: a imunização durante a gravidez e depois do nascimento. Segundo o pediatra, as grávidas devem vacinar-se no último trimestre, uma vez que tal confere “anticorpos” ao bebé e deixa-o protegido no seu “maior período de fragilidade”, que são os primeiros meses de vida. “Há uns cinco anos, tínhamos muitos bebés de dois meses com tosse convulsa e infelizmente ainda vi bebés a morrer com tosse convulsa. Mas, felizmente, depois da introdução da vacina materna contra a tosse convulsa, deixámos de ter esses casos graves.”

Além da vacina materna, depois, a criança fica protegida se for seguido o esquema presente no Programa Nacional de Vacinação, que inclui cinco imunizações: aos dois, quatro, seis e 18 meses e aos cinco anos. 

Qual a taxa de vacinação em Portugal?

De acordo com os dados de 2022 do PNV, noticiados pela Lusa, a cobertura vacinal das grávidas contra a tosse convulsa é de cerca de 90% e, desde a implementação da vacinação na gravidez, em 2017, que a “incidência da doença desceu significativamente”. No mesmo ano, segundo os dados da Direção-Geral da Saúde, no primeiro ano de vida, em que se inclui as três primeiras doses da vacina da tosse convulsa, 98% a 99% das crianças foram vacinadas com todas as vacinas e doses previstas no PNV para essa faixa etária.

Existe tratamento?

Sim e “quanto mais precoce for melhor” a sua aplicação, diz o pneumologista pediátrico. O tratamento para a tosse convulsa é “feito com um antibiótico que é de toma única durante cinco dias e é altamente eficaz”.

Temos um caso cá em casa, o que devemos fazer?

Além de procurar aconselhamento médico para o devido tratamento e isolar a pessoa infetada, o agregado familiar e as pessoas mais próximas devem igualmente “realizar profilaxia com antibiótico”.

Este surto é motivo de preocupação?

Qualquer surto de doenças transmissíveis merece atenção, mas, para já, Portugal parece não ter motivos para se preocupar, segundo Manuel Ferreira de Magalhães.

Além da elevada taxa de cobertura vacinal, o médico coloca em cima da mesa a periodicidade dos surtos desta doença, que são já mais ou menos calculáveis em países onde a imunização é alta, como acontece com Portugal. “A tosse convulsa tem surtos muito bem identificados em termos epidemiológicos a cada três a cinco anos”, diz o especialista, que adianta que “este é um ano de surto e sabemos que assim que começa é mais fácil que esta infecção se propague e havendo pessoas não vacinadas transmite-se mais rapidamente, mas temos uma grande taxa de vacinação, o que é importante para impedir a transmissão destas bactérias na sociedade”.

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