Os humanos bombeiam tanta água subterrânea que o eixo da Terra se deslocou - e as consequências são imprevisíveis

CNN , Mindy Weisberger
1 jul 2023, 09:00
A extração de águas subterrâneas é um fator significativo na inclinação do eixo de rotação da Terra, de acordo com um novo estudo. Irfan Khan/Los Angeles Times/Getty Images

Entre 1993 e 2010, o período analisado no estudo, foram extraídos mais de 2.150 gigatoneladas de água subterrânea do interior da Terra. Para se ter uma ideia, se essa quantidade fosse despejada no oceano, aumentaria o nível global do mar em cerca de 6 milímetros

A sede insaciável do ser humano por água subterrânea sugou tanto líquido das reservas subterrâneas que está a afetar a inclinação da Terra, de acordo com um novo estudo.

A água subterrânea fornecem água potável às pessoas e ao gado e ajudam na irrigação das culturas quando a chuva é escassa. No entanto, a nova investigação mostra que a extração persistente de águas subterrâneas durante mais de uma década deslocou o eixo de rotação do nosso planeta, inclinando-o para leste a um ritmo de cerca de 4,3 centímetros por ano.

Essa mudança é observável até mesmo na superfície da Terra, uma vez que contribui para a subida global do nível do mar, referem os investigadores no estudo publicado na revista Geophysical Research Letters.

"O pólo de rotação da Terra realmente muda muito", afirmou o autor principal do estudo, Ki-Weon Seo, professor de Ciências da Terra da Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, em comunicado. "O nosso estudo mostra que, entre as causas relacionadas com o clima, a redistribuição das águas subterrâneas tem, de facto, o maior impacto na deriva do pólo de rotação."

A rotação do eixo da Terra

Pode não ser possível sentir a rotação da Terra, mas ela gira num eixo norte-sul a uma velocidade de cerca de 1.609 quilómetros por hora.

O fluxo e refluxo das mudanças sazonais estão ligados ao ângulo do eixo de rotação do planeta e, ao longo do tempo geológico, um eixo errante pode afetar o clima a uma escala global, disse Surendra Adhikari, investigador do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, em comunicado. Adhikari não esteve envolvido no estudo.

O interior da Terra é constituído por camadas de rocha e magma que rodeiam um núcleo denso e quente. Mas na camada rochosa mais externa também há grandes quantidades de água. Abaixo da superfície do planeta, estima-se que os reservatórios rochosos conhecidos como aquíferos contenham mais de 1.000 vezes mais água do que todos os rios e lagos de superfície do mundo.

Um eixo errante pode afetar o clima da Terra a uma escala global, dizem os cientistas. NASA/File

Entre 1993 e 2010, o período analisado no estudo, os humanos extraíram mais de 2.150 gigatoneladas de água subterrânea do interior da Terra, principalmente no oeste da América do Norte e no noroeste da Índia, de acordo com estimativas publicadas em 2010. Para se ter uma ideia, se essa mesma quantidade fosse despejada no oceano, aumentaria o nível global do mar em cerca de 6 milímetros.

Em 2016, outra equipa de investigadores descobriu que a deriva do eixo de rotação da Terra entre 2003 e 2015 poderia estar ligada a alterações na massa dos glaciares e lençóis gelo, bem como nas reservas de água líquida terrestre do planeta.

De facto, qualquer mudança de massa na Terra, incluindo a pressão atmosférica, pode afetar o seu eixo de rotação, sublinhou Seo à CNN.

Mas as alterações do eixo causadas por mudanças na pressão atmosférica são periódicas, o que significa que o pólo de rotação vagueia e depois regressa à sua posição anterior, explicou. Seo e os seus colegas tinham dúvidas sobre as alterações a longo prazo no eixo - especificamente, sobre a contribuição das águas subterrâneas para esse fenómeno. Este fenómeno não tinha sido calculado em investigações anteriores.

Sistemas afetados de várias formas

As mudanças no eixo da Terra são medidas indiretamente através de observações por radiotelescópio de objetos imóveis no espaço - quasares - utilizando-os como pontos de referência fixos. Para o novo estudo, os cientistas utilizaram os dados de 2010 sobre a extração de águas subterrâneas e incorporaram-nos em modelos informáticos, juntamente com dados observacionais sobre a perda de gelo à superfície e a subida do nível do mar, bem como estimativas de mudança nos pólos rotacionais.

Os investigadores avaliaram então as variações do nível do mar "usando a mudança da massa da água subterrânea", para determinar quanto da mudança de eixo foi causada apenas pela bombeamento de água subterrânea, indicou Seo.

A redistribuição das águas subterrâneas inclinou o eixo de rotação da Terra para leste em 78,7 centímetros em pouco menos de duas décadas, de acordo com os modelos. Já se sabia que o fator mais notável das variações a longo prazo do eixo de rotação era o fluxo do manto - o movimento da rocha fundida na camada entre a crosta terrestre e o núcleo exterior. O novo modelo revela que a extração de água subterrânea é o segundo fator mais significativo, disse Seo.

"Esta é uma boa contribuição e uma documentação importante", defendeu Adhikari. "Eles quantificaram o papel do bombeamento de águas subterrâneas no movimento polar, o que é bastante significativo."

Os modelos futuros podem utilizar observações sobre a rotação da Terra para esclarecer o passado, acrescentou Seo. "Os dados estão disponíveis desde o final do século XIX", observou. Com essa informação, os cientistas podem recuar no tempo e rastrear alterações nos sistemas planetários à medida que o clima aqueceu nos últimos 100 anos.

O bombeamento de água subterrânea pode ser uma tábua de salvação, sobretudo em regiões do mundo fortemente afetadas pela seca causada pelas alterações climáticas. Mas as reservas subterrâneas de água líquida são finitas; e uma vez drenadas, a sua reposição é lenta.

E a extração de águas subterrâneas não se limita a esgotar um recurso valioso; as novas descobertas demonstram que esta atividade tem consequências globais imprevisíveis.

"Afetámos os sistemas da Terra de várias formas", sublinhou Seo. "As pessoas precisam de ter consciência disso".

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