O núcleo da Terra está a mudar. O que isso significa para nós?

CNN , Opinião de Don Lincoln
1 fev 2023, 08:00
Planeta

OPINIÃO | Don Lincoln é um cientista do Fermi National Accelerator Laboratory, laboratório de investigação do Departamento de Energia dos Estados Unidos. É autor de vários livros de ciência e mais recentemente de "Einstein's Unfinished Dream" (O sonho inacabado de Einstein: Progresso prático rumo a uma Teoria de Tudo, na tradução literal). Também produz vídeos de educação científica. As opiniões expressas neste artigo são as suas

Se se diz que uma pessoa tens os pés assentes na terra, isso significa que é sensata e equilibrada - alguém em quem se pode confiar para dar uma opinião cuidadosa e ponderada. O próprio significado do termo provém da solidez e estabilidade do terreno sobre o qual caminhamos. No entanto, notícias recentes nos meios de comunicação social pintaram um quadro diferente do que se passa debaixo do solo - um quadro em que o núcleo da Terra está a fazer algumas coisas muito surpreendentes e inesperadas.

Um estudo publicado na revista Nature Geoscience descreve uma mudança no movimento do núcleo da Terra - e com essa notícia, proliferaram as manchetes, algumas afirmando que o núcleo da Terra deixou de girar.

Mas esta interpretação é, na realidade, enganadora. O núcleo da Terra não está a parar literalmente; no entanto, está a mudar.

A Terra não é uma bola sólida; é constituída por várias camadas. Existe o núcleo mais interno, que é uma esfera sólida aproximadamente do mesmo tamanho que o planeta Marte. Em redor está o núcleo exterior, que é rocha líquida. A camada seguinte é o manto, que tem a consistência semelhante a um caramelo. Por fim há a crosta, que é a camada mais externa - o local onde vivemos.

Se a Terra fosse uma bola sólida, cada camada giraria em sincronia, uma vez por dia. No entanto, devido à estrutura em camadas, é possível que o núcleo da Terra gire a um ritmo ligeiramente diferente da superfície e de outras camadas. E, na década de 1990, os investigadores utilizavam dados geológicos recolhidos nas décadas anteriores para mostrar que o núcleo da Terra girava ligeiramente mais rápido do que o resto da Terra. A diferença é pequena - cerca de 1º por ano mais rápido do que a superfície da Terra.

Este estudo mais recente descobriu que a rotação do núcleo está a abrandar. Não está a parar, mas está agora a girar à mesma velocidade da Terra. Além disso, parece que o núcleo pode estar a abrandar, de modo que acabará a gira um pouco mais devagar do que a Terra. Isto é cientificamente interessante, mas bastante menos dramático do que algumas das manchetes sugeriram.

Os investigadores já viram esta mudança periódica na velocidade de rotação do núcleo da Terra antes e ainda debatem o ritmo a que ela ocorre, com alguns a sugerir um ciclo de 70 anos, enquanto outros sugerem um ciclo muito mais rápido.

Para os geólogos, isto é fascinante. O raio da Terra é de apenas 6437 quilómetros e o buraco mais profundo que alguém já cavou tem pouco mais de 12 km de profundidade. A crosta sob os continentes da Terra pode ter cerca de 64 km de profundidade, embora a crosta sob os oceanos possa ser muito mais fina. Descobrir a estrutura da Terra requer métodos indiretos, envolvendo o estudo da velocidade com que as ondas dos terramotos atravessam pela Terra ou o estudo do rico tesouro de dados de como o som das explosões nucleares passa pela Terra. Com algumas exceções, os testes nucleares pararam em meados da década de 1990.

Manchetes à parte, este estudo recente confirma resultados anteriores que mostram que a rotação do núcleo interno muda com o tempo e ajuda os geólogos a tentar descobrir o mecanismo pelo qual essas mudanças ocorrem. O que interessa aos geólogos é a interação entre as forças gravitacionais e magnéticas dentro da Terra que aceleram e abrandam a rotação do núcleo.

No entanto, há aqui uma lição muito mais importante a tirar, que é a de que os cientistas são capazes de fazer medições extremamente precisas do que se passa debaixo da superfície da Terra. Isto é muito importante - afinal, é o único planeta que temos. O que acontece sob a Terra pode ter enormes consequências para a humanidade.

Considere-se o supervulcão que está adormecido sob o Parque Nacional de Yellowstone [nos Estados Unidos]. A cada meio milhão de anos ou mais (às vezes mais), Yellowstone transforma-se num vulcão que lança centenas ou milhares de vezes mais cinzas na atmosfera do que a erupção de 1980 do Monte Santa Helena [St. Helens]. Embora alguns temem que talvez o supervulcão de Yellowstone esteja destinado a sofrer outra erupção, estudos recentes dissiparam a preocupação de que o perigo é iminente. No entanto, dada a magnitude dos danos que tal erupção poderia causar, é imperativo que os geólogos continuem a monitorizar o que se está a passar.

E há muito mais a acontecer sob a superfície da Terra. O campo magnético da Terra orienta os navios no mar e os viajantes perdidos. É fácil acreditar que esta bússola funcionará sempre, contudo os geólogos mostraram que o campo magnético da Terra não é constante. De facto, a cada poucas centenas de milhares de anos, o campo inverte-se, com o sul magnético a tornar-se norte, e vice-versa.

E, embora uma inversão não esteja provavelmente iminente, a localização do norte magnético muda mesmo em escalas de tempo humanas. No início do século XIX, estava localizado no norte do Canadá, no entanto, deslocou-se para o Oceano Ártico e está agora a aproximar-se da Sibéria.

Ao compreenderem mais sobre o funcionamento interno da Terra, os cientistas poderão ajudar a humanidade a preparar-se para mudanças significativas no campo magnético da Terra. Se isso acontecesse, teríamos de mudar todos os instrumentos que dependem das bússolas para navegar.

Temos apenas um planeta e o que acontece no seu interior pode afetar-nos a todos. É imperativo que os geólogos continuem a estudar o que se passa dentro do nosso globo - e esta recente medição das mudanças na rotação do núcleo da Terra dá-nos algum conforto de que estamos a manter-nos a par da velocidade.

E, vamos admiti-lo, isso é muito fixe.

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