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À espera da próxima crise política

25 jun 2023, 17:45

O facto de ter passado não significa que não torne a ocorrer. A crise política da TAP, do SIS e do gabinete de João Galamba passou ‒ não há partido de oposição ou ameaça presidencial que o contrarie ‒, mas não terá sido a última desta legislatura; provavelmente, nem sequer a última do ano.
 
Há, na órbita do poder, um aroma a desavença, um odor a descoordenação, uma atmosfera de inconsequência. Tal é visível na esmagadora maioria das iniciativas do governo ‒ desde e ao longo da crise política ‒ e não deixará de o ser no futuro próximo. 

O pacote da Habitação, suposto Lázaro da maioria absoluta, vinha ressuscitar um governo em cruz e morreu ele próprio antes de chegar à vida. O arrendamento coercivo, que vinha reequilibrar a balança entre mercado e direitos, será afinal residual. O fim dos vistos gold, exaustivamente reivindicado e apregoado, terá exceções para fundos de investimento. O apoio às rendas, que criou uma expectativa a rondar os mil milhões de euros de despesa anual, ficará pelos 240 e pouco mais. 

A ministra Marina Gonçalves, cujas políticas já haviam merecido público raspanete do sr. Presidente da República, foi de grande aposta do governo a mera não-existência política no espaço de seis meses. O despacho das Finanças que lhe cortou as verbas para menos de metade não foi só a confirmação do peso de Fernando Medina ‒ imaculado após a Comissão de Inquérito ‒, mas também a garantia de que o lustro deste governo é mais talha do que pepita; dourado por fora, oco por dentro. 

Repetidamente, a sua iniciativa política resume-se ao início e à política. 

O pavio é curto, o arranque falso, a concretização quase nula.

A ideia de que 2023 poderia ser um ano significativo para resolver uma das crises mais transversais da sociedade portuguesa ‒ a habitacional ‒ esfumou-se. Tal como a venda da TAP, o novo aeroporto, a alta velocidade, a execução do PRR, entre outras promessas mais ou menos estruturais para o futuro nacional, ficou para amanhã. O mais provável, olhando à volta, é andarmos um ano a apostar nas hipóteses de o dr. António Costa rumar a Bruxelas, o ano a seguir a jurar que será candidato a Belém e o logo a seguir a perguntarmo-nos se será ou não recandidato a primeiro-ministro.

O desaparecimento do Mais Habitação e da sua respetiva porta-voz tem certamente menos interesse e relevância, mas obriga à presunção de que, com este governo, nada se perde e tão-pouco algo se transforma. Como se o programa da maioria, de momento, não fosse mais do que uma soma de alvarás que tardam em passar do estaleiro. 

Brincar com os locais de venda de tabaco para abafar uma CPI é uma coisa; frustrar as dezenas de milhares de cidadãos que sonham ter uma casa é outra. Toda a prudência orçamental é obviamente bem-vinda num país pobre, pequeno e endividado. Mas é um erro resumir a credibilidade do Estado aos olhos de Bruxelas e das agências de rating. A autoridade do governo perante o seu país não é menos importante. E a desilusão na Habitação, como na Saúde, na Educação ou nos salários, é mau augúrio para a restante legislatura. 

António Costa escolheu ter um governo fraco que, ironicamente, faz dele um primeiro-ministro forte. Com meio PS e dois terços do país a suplicar-lhe uma remodelação, insiste num finca-pé cujo único objetivo é mostrar quem manda. É ele quem manda. E é ele quem mandará. Mas de que serve chefiar o vazio, além de exibir a habilidade de não ser confundido com ele? 

Enquanto assim for, não viveremos outra coisa que não a constante espera do próximo incidente governativo ‒ com pacotes de medidas apresentados, propagandeados e revogados pelo mesmo governo em menos de meio ano, ministros desautorizados na secretaria de outros ministérios como se nada fosse e uma cultura de contradição que torna a boa-fé proibitiva. 

Talvez por isso António Costa prossiga normalizando tudo o que é ‒ ou deveria ser ‒ anormal na sua governação. Por saber perfeitamente que, nos próximos anos, não teremos mais do que isto com que conviver. Um país onde já não se espera nada. Menos uma crise política. 

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