Sindicato diz ter alertado "oralmente" Hugo Mendes durante uma reunião e apontou "conflitos de interesses". Ex-governante nega ter tido conhecimento
O presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) garante ter alertado o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, para os negócios do marido da ex-CEO na TAP, mas o ex-governante desmente ao ECO que tenha tido conhecimento. Em causa está a tentativa de Floyd Murray Widener – marido da ex-CEO da TAP – de vender à transportadora os serviços da empresa israelita para a qual trabalhava, a Zamna Technologies, como diretor comercial em regime de part time.
Ao ECO, os pilotos contam que “o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, foi alertado que o marido da CEO estava a tentar vender produtos para a TAP e que havia conflito de interesses”. Uma “preocupação” que o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), Tiago Faria Lopes, diz ter sido “transmitida oralmente” em reunião com a tutela, num dos encontros regulares.
Os pilotos dizem que tiveram conhecimento do caso “junto de trabalhadores da TAP com cargos de destaque”, mas que nunca conseguiram ter acesso a “provas concretas” porque era “informação reservada”. Tiago Faria Lopes diz ainda que quando alertou a tutela para este caso “o ex-secretário de Estado disse que não era verdade e desvalorizou”.
Questionado pelo ECO, o ex-secretário de Estado das Infraestruturas – que fez parte da equipa de Pedro Nuno Santos – desmente “perentoriamente que essa questão alguma vez” lhe tenha sido “colocada” pelo “SPAC ou por qualquer outra entidade ou pessoa”. Hugo Mendes garante ao ECO que apenas teve “conhecimento dessa suspeita quando ela foi trazida a público na Comissão Parlamentar de Inquérito, na audição à própria Christine Ourmières-Widener”.
Também questionado sobre a existência destas conversas com os sindicatos, fonte oficial do ex-ministro das Infraestruturas e Habitação e atual secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, desmente ao ECO “que essa informação alguma vez lhe tenha sido transmitida”.
O caso era, no entanto, do conhecimento de outras estruturas sindicais, que também manifestaram preocupação. Um dos dos maiores sindicatos da TAP conta que “nunca” viu documentos concretos deste caso mas “que nas Infraestruturas foram alertados” sobre os vários episódios, “desde os negócios do marido, à mudança da sede ou à frota dos automóveis”. Mas “foram permissivos”, remata ainda o dirigente do sindicato que representa todos os setores da TAP, lembrando que o alerta foi transmitido “oralmente”.
Já os tripulantes dizem ao ECO que não tinham conhecimento do caso específico dos negócios do marido da ex-CEO, mas revelam que confrontaram as Infraestruturas com outro episódio. “Falámos com a tutela do episódio da contratação da amiga pessoal e companheira do personal trainer do marido“, diz Ricardo Penarroias, presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), que sublinha que o ministério “tinha conhecimento dos episódios que iam acontecendo na TAP”.
Segundo Ricardo Penarroias, a conversa com a tutela sobre o assunto aconteceu numa altura em que os tripulantes “manifestaram e justificaram a insatisfação” perante os cortes salariais e os despedimentos, que resultavam de uma “rigidez financeira” que se opunha a uma “anarquia e promiscuidade” espelhada nestes casos.
O presidente do SNPVAC conta ainda ao ECO que, durante o mandato de Christine Ourmières-Widener na TAP, “a tutela subscreveu tudo o que foi decidido pela administração” e que havia um clima de “elogio estranho e de total cumplicidade da tutela com a administração”.
Suspeita de “tráfico de influência”
Em causa está a tentativa de Floyd Murray Widener – marido da ex-CEO da TAP – de venda à transportadora dos serviços da empresa israelita para a qual trabalhava, a Zamna Technologies, como diretor comercial em regime de part time.
O negócio passava pela compra de uma “solução tecnológica que permitia a validação de dados dos passageiros”, sendo que “um mês depois” de a ex-CEO ter tomado posse, o marido já tinha apresentado na TAP os serviços da Zamna. E em dezembro de 2021 “havia já um projeto piloto em curso” deste programa tecnológico “à revelia do conselho de administração” da TAP. Ou seja, “sem que os restantes administradores” da transportadora “se tenham apercebido”, lê-se na contestação submetida pela defesa da TAP, a que o ECO teve acesso, no processo em que a gestora francesa reclama uma indemnização de quase seis milhões de euros pela forma como foi despedida da transportadora.
Um caso que leva a TAP a suspeitar de crimes como “tráfico de influência, de oferta indevida de vantagem ou mesmo de corrupção”, lê-se no documento. No entanto, o ECO sabe que a companhia não avançou com qualquer queixa junto do Ministério Público.
Além disso, a TAP levanta suspeitas sobre as datas coincidentes da contratação de Floyd Murray Widener pela Zamna com o período em que Christine Ourmières-Widener ocupou o cargo de CEO na companhia. A gestora francesa começou a exercer funções na TAP em junho de 2021 “ao passo que o seu marido começa a exercer funções na Zamna em setembro de 2021”. E Christine Ourmières-Widener “cessou o vínculo com a TAP em março de 2023”, sendo que o marido sai da empresa “em fevereiro de 2023”, lê-se no documento. Frisa que “custa a crer que se trata de uma mera coincidência”, acreditando que Floyd Wieder foi contratado pela empresa por Christine Ourmières-Widener ser, à data, CEO da TAP.
A contratação dos serviços da Zamna foi travada por Alexandra Reis – tal como foi dito na comissão parlamentar de inquérito -, sendo este um dos dois episódios que levaram à “animosidade pessoal” da ex-CEO com a ex-administradora com o pelouro da área de compras, diz a TAP. Além do conflito de interesses identificado por Alexandra Reis, a compra dos serviços à Zamna “não estava orçamentada, nem prevista e nem sequer correspondia a uma necessidade da TAP”, refere o documento