Da suspeita de crimes ao salário ilegal, os sete argumentos da TAP contra a ex-CEO

ECO - Parceiro CNN Portugal , André Veríssimo, Ana Petronilho e Alberto Teixeira
17 jan, 18:06
A presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP (Lusa/António Cotrim)

A companhia aérea entregou a contestação ao pedido de indemnização milionário de Christine Ourmières-Widener. Conheça as alegações contra a antiga presidente executiva

A contestação da TAP ao processo movido pela ex-CEO rebate os argumentos de Christine Ourmières-Widener, que pede em tribunal uma indemnização de 5,9 milhões de euros, e traz novos elementos, como a suspeita de três alegados crimes e um salário à margem da lei.

A gestora, que assumiu a liderança da companhia aérea em junho de 2021, argumenta que a sua demissão aconteceu por “motivos meramente políticos” e resulta de uma tentativa para “abafar a total falta de coordenação entre tutelas”. Diz também que a sua carreira ficou “destruída”, tendo sofrido danos profissionais e morais.

A contestação da TAP, que o ECO noticiou em primeira mão, foi entregue esta semana e não poupa argumentos no contra-ataque a Christine Ourimières-Widener. Segundo os advogados da Uría Menéndez Proença de Carvalho, a demissão com justa causa da ex-CEO justifica-se pela violação grosseira dos estatutos da TAP, da legislação aplicável ao setor público e dos deveres de cuidado e diligência a que estava obrigada enquanto administradora. De onde decorre que não tem direito a qualquer compensação indemnizatória.

Veja os principais argumentos da defesa da companhia aérea:

1. Vínculo laboral e salário à margem da lei

A defesa da TAP alega que o vínculo com a ex-CEO era “precário e poderia cessar a qualquer momento”, porque “nunca” foi assinado qualquer contrato de gestão com os Ministério das Infraestruturas e Habitação e das Finanças, em violação do Estatuto do Gestor Público. Diz mesmo que “nunca foi trabalhadora de nenhuma” das empresas da TAP, a TAP S.A. e a TAP SGPS, “não tendo procedido à celebração de um contrato de trabalho”.

O único vínculo de Christine Ourmières-Widener com a companhia era um Contrato de Administração (Directorship Agreement) assinado a 24 de junho de 2021, que “nunca foi ratificado em Assembleia Geral ou por uma Comissão de Vencimentos”.

O salário da ex-CEO também estaria à margem da lei. Tendo a companhia sido classificada como empresa em “situação económica difícil” não poderia ter aumentado o vencimento dos órgãos sociais. Ora Christine Ourmières-Widener “passou a auferir uma remuneração fixa anual de 504 mil euros”, quando o antecessor, Ramiro Sequeira, tinha um salário de 490 mil euros.

2. Suspeita de três crimes

A TAP suspeita que Christine Ourmières-Widener poderá ter cometido crimes de “tráfico de influência, de oferta indevida de vantagem ou mesmo de corrupção”.

Em causa está a tentativa do marido da ex-CEO, Floyd Murray Widener, de vender à TAP uma “solução tecnológica que permitia a validação de dados dos passageiros”, pertencente à empresa israelita Zamna, onde assumiu funções três meses depois da tomada de posse de Christine Ourmières-Widener (junho de 2021).

Segundo a contestação, em dezembro de 2021 “havia já um projeto piloto em curso” daquele programa tecnológico “à revelia do conselho de administração” da TAP. O que consiste num “manifesto conflito de interesses”, que provocou “graves riscos reputacionais” à companhia. A contratação da Zamna foi travada pela ex-administradora Alexandra Reis. Segundo apurou o ECO, a TAP não avançou com uma queixa ao Ministério Público.

Sobre a conduta da ex-CEO, a defesa aponta ainda a tentativa de despedimento de um dos motoristas da administração, depois deste se ter queixado de ser solicitado em situações pessoais de Christine Ourmières-Widener e dos seus familiares, onde “se incluíam, por exemplo, idas ao cinema e jantares em restaurantes”.

3. Violação do regime de exclusividade

Segundo a defesa da companhia aérea, desde dezembro de 2019 que Christine Ourmières-Widener é “fundadora, acionista e administradora da O&W Partners, com sede em Londres”, uma “empresa de consultoria de viagens e aviação (travel & airline consulting)”.

A gestora francesa nunca “informou ou sequer solicitou qualquer autorização” à TAP e aos acionistas para manter o cargo de administradora da O&W Partners enquanto liderou a transportadora portuguesa. A ex-CEO exerceu ainda cargos remunerados como administradora da ZeroAvia e do MetOffice.

"Em rigor, a autora deveria ter sido imediatamente destituída, logo em 2021, por violação do dever de exclusividade. O que desde logo afastaria qualquer pretensão indemnizatória", vem escrito na contestação.

Segundo os advogados, a acumulação de cargos é incompatível à luz do Estatuto do Gestor Público, pelo que a gestora francesa “violou clamorosamente o regime de exclusividade”, sendo um motivo para a demissão por justa causa.

“Em rigor, a autora deveria ter sido imediatamente destituída, logo em 2021, por violação do dever de exclusividade. O que desde logo afastaria qualquer pretensão indemnizatória”, remata a contestação.

4. Um currículo “tumultuoso” e não “imaculado”

O processo da ex-CEO contra a TAP refere um currículo “imaculado”, que foi “determinante para a sua contratação. Já a defesa da TAP questiona os danos reputacionais alegados por Christine Ourmières-Widener, contrapondo “que as duas experiências da Autora como CEO de uma companhia aérea foram tudo menos um sucesso…”, referindo-se à sua passagem pela CityJet e a Flybe, empresas que acabaram vendidas “por perto de nada” ou falidas. A contestação fala mesmo num currículo “tumultuoso”.

Uma avaliação que contrasta com os elogios de Pedro Nuno Santos, que enquanto ministro das Infraestruturas foi o responsável pela escolha da gestora francesa para a liderança da TAP, em 2021.

5. Lucros devem-se à recuperação do setor e não à CEO

A defesa da TAP também contesta o papel decisivo na recuperação da companhia aérea e no regresso aos lucros, que Christine Ourmières-Widener advoga no seu pedido de indemnização.

Os advogados argumentam que “o Plano de Reestruturação é, na verdade, o fruto do trabalho do Conselho de Administração e Comissão Executiva em funções durante o triénio 2018-2020 (até 24 de junho de 2021)”, liderados por Miguel Frasquilho e, na parte final, por Ramiro Sequeira, respetivamente.

"A melhoria dos resultados positivos da TAP, em comparação com o plano de reestruturação, deveu-se não às suas expertises de gestão, mas sim, globalmente, a uma recuperação antecipada e surpreendente (…) da economia mundial e uma consequente recuperação da atividade das companhias aéreas precoce e acelerada", escreve a contestação da TAP.

Por outro lado, “a melhoria dos resultados positivos da TAP, em comparação com o plano de reestruturação, deveu-se não às suas expertises de gestão, mas sim, globalmente, a uma recuperação antecipada e surpreendente (…) da economia mundial e uma consequente recuperação da atividade das companhias aéreas precoce e acelerada”. Conclui, por isso, que “as reais causas do recente sucesso do grupo TAP, não passaram, no essencial, pelo desempenho” da CEO.

6. A indemnização ilegal a Alexandra Reis

A defesa recorre também ao processo de saída da antiga administradora executiva, Alexandra Reis, que a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) considerou ilegal e nulo. Foi, de resto, a auditoria da IGF que serviu de base à demissão com justa causa da ex-CEO.

A contestação alega que Christine Ourmières-Widener decidiu destituir Alexandra Reis “por uma animosidade pessoal, agudizada pelo facto de esta última a ter afrontado em duas situações particulares”: a tentativa de demissão do motorista e o negócio com o marido da CEO. A necessidade de criar o cargo de Chief Strategy Officer, para o qual Alexandra Reis não teria o perfil adequado, é apontado como um “falso pretexto”.

Tal como IGF, a defesa da TAP aponta que o acordo de cessação viola o Estatuto do Gestor Público, além de que a saída de Alexandra Reis não foi aprovada em assembleia geral, como determina a lei.

7. Sem direito a indemnização

A defesa da TAP considera, pelos argumentos expostos, “que não assiste qualquer razão à Autora a respeito dos diversos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que esta alega ter sofrido em razão da sua destituição enquanto administradora” da TAP.

Aponta mesmo que, uma vez que o seu salário não poderia ultrapassar os 490 mil euros, “ficou em melhor situação do que aquela que a lei lhe permitia, enquanto administradora das rés [TAP SA e TAP SGPS], sujeita ao exercício das suas funções de administradora em regime de exclusividade”.

"O pedido indemnizatório formulado pela Autora no que respeita aos alegados danos não patrimoniais causados revela-se absolutamente desadequado e desproporcional", pode ler-se na contestação.

Conclui também que “ficou demonstrada a justa causa da destituição” da ex-CEO, e, por outro lado, que a conduta por si adotada no contexto da destituição da Eng.ª Alexandra Reis como administradora”, “causaram um impacto negativo na esfera reputacional” da TAP.

De toda a forma, o pedido indemnizatório formulado “no que respeita aos alegados danos não patrimoniais causados revela-se absolutamente desadequado e desproporcional“.

O processo segue nos tribunais.

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