TAP arrasa currículo de ex-CEO contratada por Pedro Nuno Santos e desvaloriza lucros

ECO - Parceiro CNN Portugal , André Veríssimo, Ana Petronilho e Alberto Teixeira
16 jan, 15:17

Defesa da transportadora alega que experiências de Christine Ourmiéres-Widener como CEO "foram tudo menos um sucesso" e sustenta que lucros devem-se a recuperação "precoce e acelerada" do setor

A defesa da TAP contra o pedido de indemnização de Christine Ourimières-Widener contesta a qualidade do currículo da ex-CEO, escolhida pelo antigo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e elogiada pelo ministro das Finanças, Fernando Medina. Desvaloriza também os resultados obtidos quando estava à frente da companhia, atribuindo-os à recuperação da economia e do setor.

A gestora francesa foi a escolha do agora secretário-geral do PS para a liderança executiva da TAP, em junho de 2021, depois de um processo de seleção conduzido pela Korn Ferry, uma consultora americana de recursos humanos especializada em cargos de liderança. Uma decisão que mereceu elogios de Pedro Nuno Santos e de outros membros do Governo.

No processo em que pede à companhia aérea uma indemnização de 5,9 milhões de euros pelos danos provocados pela forma como foi demitida, é descrita a formação e experiência profissional de Christine Ourmières-Widener para concluir que “o percurso profissional da Autora ao longo dos últimos 35 anos foi de enorme sucesso e foi estabelecido quase integralmente no setor da aviação”.

Sustenta, além disso, que “goza de enorme mérito e reputação internacional no setor da aviação”, sendo o seu currículo “imaculado” um “fator determinante para a sua contratação”. É mesmo citada a ata da sua nomeação: “O Conselho de Administração considera que a Sra. Ourmières-Widener possui uma experiência considerável em companhias aéreas e conselhos de administração, que ajudará a orientar a nossa estratégia e contribuirá para o regresso do Grupo ao crescimento.”. Recorde-se que a TAP é tutelada setorialmente pelo Ministério das Infraestruturas e pelas Finanças no que toca à função acionista do Estado.

A contestação da TAP ao processo da ex-CEO afirma que as alegações sobre a reputação profissional de Christine Ourmières-Widener “não correspondem à verdade”. Considera que há uma “tentativa de iludir o Tribunal”, fazendo “parecer que goza de um largo e preenchido currículo”.

“A verdade é que na maior parte do tempo do seu percurso profissional – 27 anos – a Autora trabalhou sempre para a companhia aérea Air France e/ou para o seu grupo empresarial”, diz a defesa da transportadora portuguesa, argumentando com o facto de a Amadeus IT Group, onde desempenhou funções de 1992 a 1998, ter sido fundada pela Air France e esta exercer uma posição de “controlo e influência” sobre a empresa.

A contestação acrescenta que “durante mais de 22 anos na Air France, a Autora nunca desempenhou funções executivas” como administradora, mas apenas de direção. Com “honrosas exceções”, como quando foi CEO da irlandesa CityJet, entre 2010 e 2015, companhia também pertencente à transportadora francesa. Segundo a defesa, sob o comando de Christine Ourmières-Widener a CityJet “registou prejuízos elevadíssimos” em 2012 e perdeu consistentemente passageiros. Em 2014, a Air France vendeu a companhia irlandesa à Intro Aviation GmhH por um preço “perto de nada”, segundo a imprensa.

Depois de passar pela American Express Global Business Travel, onde foi Chief Global Sales Officer entre 2015 e 2016, a ex-CEO da TAP foi presidente executiva da Flybe entre janeiro de 2017 e julho de 2019, período em que a companhia aérea regional com 40 anos “desvalorizou 98% em bolsa”, teve elevados prejuízos, acabando por ser “vendida em 2019, à Connect Airways, por um cêntimo por ação”.

“É legítimo dizer que as duas experiências da Autora como CEO de uma companhia aérea foram tudo menos um sucesso…”, conclui a contestação, acrescentando que o currículo contém vários episódios “tumultuosos”.

Pedro Nuno Santos e Fernando Medida elogiaram contração e resultados

O tom crítico da contestação da TAP contrasta com o apoio que a ex-presidente executiva teve do Governo até à sua demissão. Pedro Nuno Santos defendeu sempre a contração de Christine Ourmières-Widener. Numa cerimónia dos 77 anos da companhia, em março de 2022, agradeceu o esforço dos trabalhadores e da equipa de gestão, liderada por “uma grande mulher”. No final do ano ano passado, em entrevista ao ECO, questionado se a teria demitido respondeu: “eu não o teria feito”.

Aliás, o processo em que é pedida a indemnização repesca frase ditas na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. “Estava satisfeito com os resultados que estavam a ter, com a gestão dela e com certeza lhe disse que estava satisfeito, que a performance dela era boa e com certeza isso haveria de se refletir depois no reconhecimento dos direitos de 2021 “, afirmou o ex-ministro das Infraestruturas.

“Estamos a falar de bons gestores, e falo do caso da CEO da TAP”, disse, por sua vez, Fernando Medina. São também transcritas mensagens de WhatsApp entre o ministro das Finanças e a ex-CEO, onde Fernando Medina lhe pede para “continuar o bom trabalho” e exclama: “Parabéns! Muito bem.”

Quer Pedro Nuno Santos, quer Fernando Medina salientaram por várias vezes os bons resultados da companhia aérea, antecipando as metas do plano de reestruturação. Já a defesa da TAP argumenta que não são assim tão especiais.

“Depois da batalha aparecem os valentes”

A defesa da TAP também contesta o papel decisivo na recuperação da companhia aérea e no regresso aos lucros que Christine Ourmières-Widener advoga no pedido de indemnização.

Os advogados começam por apontar que “o Plano de Reestruturação é, na verdade, o fruto do trabalho do Conselho de Administração e Comissão Executiva em funções durante o triénio 2018-2020 (até 24 de junho de 2021)”, liderados por Miguel Frasquilho e, na parte final, por Ramiro Sequeira, respetivamente.

Isto porque as medidas de financiamento e redução de custos fixos estavam já todas alinhadas, apesar de a assinatura final do plano com Bruxelas ter acontecido já com a ex-CEO. Segundo os advogados, a recuperação aconteceu não por “particular mérito próprio da autora neste âmbito, que chegou depois do fim batalha para aproveitar os seus espólios…”. Socorre-se até de um ditado popular: “depois da batalha aparecem os valentes”.

O mérito de Christine Ourmières-Widener no regresso aos lucros é também questionado. “Ao contrário do que a Autora afirma, de forma conclusiva e sem fundamentação, não é de todo verdade que a recuperação e os resultados positivos da TAP desde meados de 2022 sejam, no setor da aviação, exclusivos da TAP, nem fruto do seu ‘conhecimento específico’ ou da ‘experiência no setor da aviação’.”

A defesa sustenta mesmo que “todas as companhias aéreas melhoraram pós-Covid-19, algumas com muito melhores resultados do que a TAP”.

Depois de um prejuízo recorde de 1,6 mil milhões de euros, fruto em grande medida do reconhecimento de perdas na empresa de manutenção e engenharia no Brasil, a transportadora fechou 2022 com um lucro de 65,6 milhões, os primeiros em cinco anos. O número que antecipou em três anos os objetivos traçados no plano de restruturação.

Para a defesa, “a melhoria dos resultados positivos da TAP, em comparação com o plano de reestruturação, deveu-se não às suas expertises de gestão, mas sim, globalmente, a uma à recuperação antecipada e surpreendente (…) da economia mundial e uma consequente recuperação da atividade das companhias aéreas precoce e acelerada”. Conclui, por isso, que “as reais causas do recente sucesso do grupo TAP, não passaram, no essencial, pelo desempenho” da CEO.

É ainda aduzido o argumento de que a saída de Christine Ourmiére-Widener “em nada impactou o desempenho do grupo nos últimos nove meses”. A companhia aérea reportou um lucro recorde de 203,5 milhões entre janeiro e setembro do ano passado.

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