"Enormes vantagens e uma grande vulnerabilidade". O que é que a Suécia e a Finlândia acrescentam à NATO?

8 mar, 23:39
Bandeira da Suécia (AP Photo/Frank Franklin II)

Uma Rússia com renovados sonhos imperialistas foi o suficiente para acabar com décadas de neutralidade dos dois países nórdicos, que buscam segurança entre os aliados da NATO, e isso promete alterar o equilíbrio de forças

A entrada oficial da Suécia e da Finlândia na Aliança Atlântica vem alterar profundamente a dinâmica na fronteira com a Rússia, acrescentando mais de 1.300 quilómetros de fronteira terrestre e tornanndo o Mar Báltico “um lago da NATO”. Os dois países vêm acrescentar novas potencialidades à aliança, mas há uma vulnerabilidade que pode vir a ser explorada no futuro. 

“Tirando o exclave de Kaliningrado, o Mar Báltico acabou de se tornar um lago da NATO. A adesão destes dois países à NATO traz vantagens enormes para a aliança, mas há também uma grande vulnerabilidade”, afirma o major-general Isidro de Morais Pereira.

Os dois países são duas economias robustas que, devido a décadas de neutralidade, têm exércitos competentes e bem equipados. O caso sueco é particularmente conhecido por ter uma das indústrias de guerra mais prestigiadas do mundo, que tem visto muitas das suas principais armas utilizadas com grande sucesso pelas forças ucranianas.

O sistema de artilharia Archer de 155 mm é conhecido como um dos melhores e mais evoluídos da sua classe. Desde janeiro de 2023 que a Ucrânia tem utilizado estas armas com grande sucesso, uma vez que são capazes de fazer vários disparos em menos de 30 segundos e atingir alvos a 50 quilómetros de distância. A Suécia tem cerca de 48 unidades ao seu dispor. Outro dos veículos que está a dar nas vistas é o CV90, um veículo de combate de infantaria blindado, que tem um canhão automático de 40 mm. Estes veículos são uns dos mais capazes, apesar do seu elevado preço.

Há muito que a Suécia preparava a adesão à NATO (Anders Wiklund/EPA)

Existem também os mísseis anticarro de combate Carl Gustaf, mas os sucessos da indústria militar sueca não se ficam por terra. O avião JAS 39 Gripen é conhecido como sendo um dos caças mais capazes a operar na Europa. Estes aviões foram criados para trabalhar em condições bastante hostis e podem aterrar em autoestradas, caso seja necessário. E a Suécia tem 71 destas aeronaves para defender os seus céus.

“São armas incríveis. O Gripen é um avião extraordinário e, em muitos casos, é mesmo superior ao F-16, por ser tão robusto. A Suécia produz armas absolutamente incríveis. Têm dos melhores complexos industriais militares da Europa”, insiste o Isidro de Morais Pereira.

O exército sueco não é grande, entre soldados no ativo e voluntários tem 36.350 militares e 11.450 homens de reserva. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), em 2023, as forças armadas suecas eram compostas por 110 carros de combate, 1.017 veículos blindados, 266 sistemas de artilharia, 99 aeronaves e quatro submarinos.

As capacidades navais suecas são particularmente bem-vistas pela aliança, que vê o Mar Báltico praticamente controlado por países que pertencem à NATO, com exceção do exclave de Kaliningrado, que pertence à Rússia e fica rodeado pela Polónia e Lituânia. E neste sentido, a Suécia beneficia de ter ao seu dispor mais de 267 mil ilhas, que "vão servir como uma espécie de defesa avançada da NATO para defender o Mar Báltico”, explica o major-general.

Esta capacidade serve também de “balão de oxigénio” para os países do Báltico - muitos deles antigas repúblicas soviéticas, como a Lituânia, a Estónia e a Letónia -, cuja ligação aos restantes membros da aliança acontece através de uma curta faixa de território conhecida como o corredor de Suwalki, que liga a Polónia à Lituânia. Em caso de conflito direto com a Rússia, este é considerado um dos principais alvos russos e, com a Suécia e a Finlândia na NATO, aumentam as possibilidades de fazer chegar tropas e material a estes países por via marítima.

Mapa atual da NATO (CNN)

Já a Finlândia, que em 2024 gastou 2,3% do seu PIB em Defesa, é um dos países com maior poder de fogo da aliança. De acordo com um relatório do Wilson Center publicado em novembro do ano passado, a entrada do país par a NATO vai levar a um reforço significativo de “reservas de tropas, acesso tecnológico e forças de artilharia”. O país possui uma das maiores reservas de canhões e morteiros pesados da Europa.

“As forças de artilharia da Finlândia são as maiores e mais bem equipadas da Europa Ocidental. Com cerca de 1.500 armas de artilharia, incluindo 700 canhões, 700 morteiros pesados e 100 sistemas de lançadores de foguetes, a artilharia finlandesa tem mais poder de fogo de artilharia do que as forças armadas combinadas da Polónia, Alemanha, Noruega e Suécia conseguem atualmente reunir”, pode ler-se no documento.

Helsínquia conta também com cerca de 200 carros de combate e mais de 11 mil veículos de todos os tipos, incluindo viaturas de transporte e blindados de infantaria. A sua marinha, apesar de não ser das mais numerosas, é construída à volta da capacidade de lançar minas, para proteger os seus portos e a costa do país, mas também para interferir nas rotas de um inimigo..

O país tem também uma força aérea significativa, com 65 F-18, mais de 20 helicópteros de ataque e três aviões de transporte pesado Boeing C-17 Globemaster III. Além disso, a Finlândia conta com várias centenas de drones de vigilância, capazes de vigiar as fronteiras do país. Apesar de ainda não terem chegada, a Finlândia já encomendou 64 dos avançados F-35, que devem entrar em serviço já em 2026.

Décadas de neutralidade, obrigaram as autoridades de Helsínquia a manter um sistema de recrutamento ativo, que mantém na reserva 900 mil militares, quase um terço da sua população ativa. Em caso de guerra, o país que tem pouco mais de 5,5 milhões de habitantes, é capaz de aumentar o seu exército e armar 280 mil militares.

“Pode passar de 28 mil para 200 mil com um estalar dos dedos. Depois, num segundo esforço, têm capacidade de mobilizar 800 mil homens. Quase um terço da população ativa”, explica o major-general.

O país é capaz de fazer isso porque mantém, pelo menos, seis meses de reservas de todos os principais combustíveis, bem como alimentos e produtos farmacêuticos. Na Finlândia, todas as empresas farmacêuticas estão obrigadas a ter reservas de medicamentos importados capazes de durar entre 3 a 10 meses.

Mas talvez a principal força que a Finlândia traz à NATO é a sua preparação. Mais de 80 anos de neutralidade, marcados pelas experiências da guerra de inverno contra a União Soviética em 1939, levaram o país a criar uma estratégia de “defesa total”. O país procura constantemente compreender as suas fraquezas e criar medidas para precaver potenciais falhas. Quase todas as bases militares finlandesas estão localizadas debaixo de terra e as suas principais cidades têm quilómetros de túneis e de bunkers capazes de resistir aos mais intensos bombardeamentos.

Com a adesão da Finlândia à NATO, os aliados ganham mais de 1.300 quilómetros de fronteira com aquele que é o principal adversário estratégico da aliança, a Rússia. Mas o território finlandês não é assim tão vulnerável, ao contrário do que se possa pensar. Composto por milhares de lagos e de densas florestas, o território do país tem várias barreiras naturais difíceis de transpor por parte de uma forma militar invasora composta por veículos terrestres.

“É um país imenso. Existem florestas e lagos a perder de vista, que são obstáculos tremendos para a progressão de unidades militares. É difícil conquistar um país assim. Só é possível com muita infantaria”, afirma Isidro de Morais Pereira.

Ainda assim, existem vulnerabilidades com a entrada destes países na NATO. A Finlândia tem “um cavalo de Tróia” no seu interior. O major-general Isidro de Morais Pereira alerta para o facto de mais de 93 mil dos habitantes finlandeses falam russo, sendo que 33 mil têm mesmo dupla-nacionalidade. Estes cidadãos podem ser instrumentalizados para levar a cabo ações de guerra híbrida em território da NATO.

“Uma parte muito significativa da população russa fala russo e isso é uma vulnerabilidade muito grande para NATO. Apesar da integração da população ser bastante elevada, esta pode ser utilizada para conduzir ações de guerra híbrida na NATO”, alerta o major-general.

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