opinião
Coronel Veterano do Exército Brasileiro
A ARTE DA GUERRA

A responsabilidade dos juízes e da imprensa na crise com reféns do autocarro no Rio de Janeiro

15 mar, 19:39

Tão importante quanto informar, é a forma como se informa. Quanto mais isenta de narrativas e de ideologias, melhor é a qualidade da reportagem e quem lucra com isso é o consumidor final.

No dia 12 de março de 2024, Bruno Lima da Costa, recém-contratado como negro pela Petrobrás através da política de cotas raciais via concurso público, recebeu três disparos de arma de fogo no tórax e agora encontra-se em estado crítico no hospital. A vítima estava no Terminal Rodoviário do Rio de Janeiro, na tentativa de chegar a Minas Gerais, para onde viajava. Um cidadão brasileiro comum, em busca da realização dos seus sonhos, solteiro e sem filhos.

Após atingir Bruno, o autor dos disparos entrou num autocarro da Viação Sampaio e fez 16 reféns durante algumas horas, o episódio foi transmitido em direto internacionalmente. Entre os reféns, encontravam-se crianças, mulheres e idosos. O sequestrador de reféns havia sido preso duas vezes e condenado a nove anos e quatro meses, em 2019, por assalto a mão armada em um autocarro no Rio de Janeiro, entretanto, foi colocado num regime semiaberto, em 2022, por decisão de um juiz. Muitas pessoas me perguntam como isso é possível?

Aqui em Portugal, onde são raríssimos eventos com armas de fogo, em princípio, o período mínimo que alguém cumpre de pena é metade do tempo. Provavelmente, pela natureza do crime e grau de violência, em Portugal, este condenado teria de cumprir cinco ou seis anos da pena com bom comportamento para ter direito à liberdade condicional. Caso contratasse um advogado com espetacular performance, talvez tivesse alguma chance de conseguir liberdade condicional após dois ou três anos com bom comportamento.

No Brasil, é bem diferente porque existe uma espécie de progressão automática da pena, na qual os criminosos inicialmente presos no regime fechado, destinado aos mais perigosos, podem acabar por ficar em liberdade com toda a facilidade. Na prática, criminosos extremamente violentos e perigosos passam muito pouco tempo na prisão.

Nessa semana, Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE, argumentista do filme Tropa de Elite, lançou um vídeo nas suas redes sociais a denunciar algumas aberrações sobre como a Justiça brasileira contribui para a ocorrência desses mesmos eventos.

No Brasil, os reclusos passam a ter direito a um regime semiaberto após cumprir apenas 1/6 da pena, bem diferente do que se verifica em Portugal e da maioria dos países mais civilizados. Entretanto, o juiz que decide o caso tem a palavra final na concessão da liberdade condicional e, poderia ter optado por deixar o bandido no regime fechado. Vale a pena ressalvar que a posição do Ministério Público, neste caso concreto, foi manter o criminoso encarcerado.

Como ilustração, para apresentar alguns números sobre eventos que são familiares aos portugueses, a Guerra de Ultramar (1961-1975) que as Forças Armadas Portuguesas combateram, em Angola, Moçambique e Guiné Bissau, causaram quase 9 mil mortos e 16 mil deficientes entre os combatentes portugueses, estimando-se que 100 mil civis africanos tenham sido mortos.

No Brasil, cerca de 50 mil pessoas por ano são vítimas de homicídios há mais de 15 anos, sem falar nas 74 mil violações por ano; grande parte destes eventos têm como protagonistas criminosos perigosos que ficaram pouquíssimo tempo presos e foram liberados por decisão dos magistrados. Assim sendo, muitas dessas pessoas são vítimas da incompetência e da insensibilidade de juízes brasileiros.

No Brasil, quando o assunto é futebol, técnicos, ex-jogadores, árbitros e preparadores físicos são chamados para preparar as equipas e comentar o assunto na imprensa. Quando se trata de epidemias, os médicos, farmacêuticos e cientistas falam. Engenheiros falam sobre pontes e barragens e assim por diante. Entretanto, de forma estranha, quando o assunto é segurança pública, alguns veículos de imprensa irresponsáveis transformam qualquer um em comentador e formador de opinião.

Prosseguindo no raciocínio de Pimentel, no ano 2000 o Rio de Janeiro foi palco do trágico sequestro no autocarro 174, última vez que o BOPE perdeu um refém numa ocorrência, de lá para cá, quase 200 pessoas foram salvas em ocorrências. Também é importante dizer que o então governador do Rio de Janeiro interferiu diretamente na gestão daquela crise e ficou a dar ordens diretas pelo telemóvel ao comandante do BOPE que estava no local, contribuindo para o desfecho.  A refém Geísa morreu baleada pelo bandido e os polícias do BOPE tiveram os seus nomes e imagens expostos na imprensa. Por que não fazer a mesma coisa com os juízes que soltam bandidos perigosos? Se a sociedade cobra o direito de transparência sobre os polícias que participam nas ações quando correm mal, também deveria ser publicitado quais os magistrado está por trás da libertação de pessoas perigosas e outras decisões equivocadas. Todos deveriam saber que juízes tomaram essas decisões.

Sabe-se que os juízes brasileiros têm direito a carro oficial, provavelmente blindado e com motorista, muitos deles com guarda-costas. Normalmente, eles e famílias não usam transportes públicos nem frequentam áreas marginalizadas. Sinceramente, acho muito pouco provável que entrem num autocarro interestadual, como este, para viajar. É neste tipo de lugar que as pessoas simples estão mais expostas à violência no Brasil. Bastaria que este juiz tivesse tido um entendimento diferente para que esta tragédia tivesse sido evitada.

Fazendo um paralelo, no dia 22 de fevereiro de 1998, o edifício Palace II, no Rio de Janeiro, desabou parcialmente, matou oito pessoas e obrigou à implosão do resto do prédio, seis dias depois. 44 famílias ficaram desalojadas. Imediatamente, o empresário Sergio Naya, dono da Construtora Sersan, teve o seu nome exposto na imprensa. Frequentemente, os comandantes militares são alvos de notícias por tudo que decidem ou deixam de fazer nas operações. Por que não expor também um juiz que é mantido com recursos públicos?

Esta operação, de altíssimo risco e complexidade ressaltou novamente a elevada performance e profissionalismo do BOPE, que possui a melhor taxa de resgate de reféns do mundo. A Unidade de Intervenção tática do BOPE-RJ conta com psicólogos, negociadores, atiradores de precisão, especialistas em explosivos, cães, equipa de intervenção tática e equipamento de ponta. Mesmo assim, isto não é garantia 100% de sucesso. O que teria acontecido aos polícias do BOPE se não tivesse corrido bem a negociação?

Por fim, vamos torcer para que o Bruno possa voltar à vida normal e realizar seu sonho de trabalhar na Petrobrás.

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