opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

Conceição e Schmidt: o perdão e a Páscoa

11 mar, 13:34

Estádio do Dragão, 3/3/2024. O Benfica sofre uma pesada derrota contra o FC Porto. No final do jogo, o treinador benfiquista reconhecia: "Não é para pedir desculpas, não fizemos de propósito. Não era o nosso dia." 

Três dias depois, alguns jogadores do FC Porto tiram uma fotografia num almoço mostrando os cinco dedos, numa referência provocatória à goleada frente ao Benfica (5-0). O treinador do FC Porto reagiu imediatamente em nome do grupo: "Aproveito para pedir desculpa. Não o devíamos ter feito. Já tive a oportunidade de falar com os meus jogadores. Somos um grupo sério e trabalhador que respeita muito o adversário", referiu Sérgio Conceição.

É verdade que os resultados de futebol se prestam a reações emocionais. Respeitando devidamente os treinadores e adeptos dos dois clubes, estas declarações fizeram-me pensar. 

Perdoar é sempre um grande desafio e é necessário em todas as relações humanas, no casamento, na família, no trabalho, no desporto. Pensei em algumas ideias que nos podem ajudar a pedir desculpa e a perdoar:

  1. Não terminar o dia sem pedir desculpa em casa. Admitir o que está mal na nossa vida. Na forma ou no conteúdo. "Devia-te ter ajudado a arrumar a cozinha. Desculpa"; "Não te devia ter dito isto aos gritos. Desculpa". O Papa Francisco dizia em Filadélfia: "As famílias enfrentam muitas dificuldades e as famílias discutem. Às vezes, até os pratos voam (...) e não vamos falar sequer das sogras", disse o Papa num tom brincalhão. E concluía: "Lembrai-vos sempre: nunca terminar o dia sem fazer as pazes"; 

  2. Tomar a iniciativa. O que é que Sérgio Conceição tem a ver com a fotografia provocatória de alguns dos seus jogadores? Provavelmente nada. Mas ele tomou a iniciativa de pedir desculpa em nome do grupo, sem que isso lhe fosse exigido. No nosso trabalho, na nossa família, aprenderemos a ser o rosto do perdão, mesmo em coisas pequenas de que não somos diretamente responsáveis: uma indelicadeza numa reunião, um atraso, uma reação destemperada;

  3. O perdão compromete. Pedir desculpa é estar disposto a evitar que o que já aconteceu volte a acontecer. Recomeçar, mas não do zero, porque há uma memória. Quando pedimos desculpa, podemos dizer à outra pessoa o que vamos fazer de diferente para que isso não volte a acontecer. Por exemplo: "pede-me ajuda para arrumar a cozinha", "não me deixes falar daquela maneira", "corrige-me sempre que me vires exaltado";

  4. Não preciso de sentir nada para perdoar. Ou melhor, é muito provável que só sintamos algo depois de fazer as pazes. Perdoar significa sofrer, e só a partir desse sofrimento se pode começar a perdoar. Precisamos de evitar os falsos perdões: "eu  perdoo, mas não esqueço", "não tenho alternativa senão perdoar, mas no fundo não te perdoo";

  5. Perdão gera perdão. Quantas vezes pedimos desculpa a alguém e essa outra pessoa reconhece que também tem de pedir perdão por outros motivos. Pense no poder de pedir desculpa aos seus filhos: eles não vão aprender a perdoar com as séries do Canal Panda. Vão aprender de si e de como se perdoam os pais. O perdão gera sempre um ciclo virtuoso. 

Estamos a poucos dias da Semana Santa, de recordar a morte de Cristo na Cruz e a sua Páscoa. Na Cruz, Jesus diz: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34). Nestas poucas palavras estão contidas todas as cinco sugestões anteriores: a entrega, a iniciativa, o compromisso, a possível ausência de sentimentos, a pedagogia do perdão. 

Cristo leva no seu corpo e na sua alma todo o peso do mal, toda a sua força destruidora. Abre os seus braços e a ninguém nega o seu perdão. E isso não nos deixa indiferentes. Porque me perdoa a mim e porque me ensina a perdoar. A Páscoa é, por isso, um bom momento para aprendermos de Jesus a:

  • saber perdoar e rezar por quem nos ofendeu e por aqueles a quem ofendemos;
  • irmos à confissão receber esse abraço carinhoso de Jesus;
  • Levar à prática estas palavras do Papa Francisco: "Que cada um pense numa pessoa com quem não estamos bem, com quem estamos zangados, de quem não gostamos. Pensemos e rezemos por essa pessoa e sejamos misericordiosos com ela"

Custa-nos pedir desculpa como Schmidt. Apreciamos a iniciativa do perdão de Conceição. Perdoar não é dizer que está tudo bem. É interromper uma reação. É por isso que se perdoam pessoas, não ideias. Celebram-se vitórias, não se humilham os adversários. Olhamos para Conceição e Schmidt: parece que os papéis se inverteram. Quem ganha pede desculpa, quem perde esquece-se de o fazer. Vemos que quem perdoa ganha sempre. E isso aprendemos de Jesus com o seu perdão na Cruz. Porque a Páscoa é a grande vitória de Cristo sobre o mal.

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