O que se passou com a água da barragem que abastece Lisboa? Autarcas e empresários exigem explicações

2 fev 2022, 21:49

Falta de chuva pode não ser a única explicação para Castelo de Bode estar com níveis tão baixos

Por causa da seca, o Governo decidiu limitar a produção de eletricidade em quatro barragens do país. Uma dessas barragens é a barragem de Castelo de Bode, origem da água que chega à torneira de três milhões de pessoas na região da Grande Lisboa. 

No entanto, há mais de um mês que os municípios da região pedem, sem sucesso, esclarecimentos sobre aquilo que se passa na barragem: os níveis da água desceram demasiado rápido.

Anabela Freitas, presidente da Câmara de Tomar e da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, diz à TVI/CNN Portugal que apenas têm pedido informação e nem isso lhes tem sido dado: "Nós sabemos que as alterações climáticas existem, mas queremos perceber se o nível que a barragem apresenta também está relacionado com outras coisas para além das alterações climáticas".

A autarca adianta que têm tido várias queixas de empresários que laboram perto da albufeira e que dizem que nos últimos meses - incluindo janeiro -, quando já existiam fortes sinais de seca e falta de chuva, a EDP continuou a libertar muita água para produção de energia elétrica. 

Chuva não explica tudo

A grande albufeira criada pela barragem de Castelo de Bode abrange vários concelhos do Médio Tejo e é em Vila de Rei que encontramos André Alves, um dos empresários a explorar a praia fluvial de Fernandaires que chegou a estar nomeada para o concurso das "7 Maravilhas de Portugal". 

Com a descida drástica dos caudais na barragem, o cenário de muita água no verão foi substituído por uma paisagem de plataformas de plástico e madeira em terra. Dificilmente se reconhece uma praia fluvial. 

Para quem está regularmente em Fernandaires, é difícil perceber o que se passa na barragem de Castelo de Bode, a 50 quilómetros de distância, mas a descida da quota da água "não é normal", como diz Bruno Rodrigues, que percorre as águas tranquilas que sobram em cima de uma prancha de stand up paddle.

André Alves compreende que é preciso produzir energia eléctrica, mas diz que a água nunca desceu tanto de forma tão rápida, defendendo "uma gestão mais cuidada" pela EDP, recordando que "muita gente vive da barragem de Castelo de Bode".

"Descida notória da água"

Mais a Sul, já no concelho de Abrantes, a praia de Aldeia do Mato - com bandeira azul e muito procurada no verão - tem as plataformas de acesso com uma inclinação quase a pique, sinal da descida drástica da água.

"Talvez não tenha existido uma gestão prudente das descargas da barragem a partir de setembro. Nós assistimos à descida notória do nível de água. Por vezes, num dia descia um metro", explica o presidente da Associação dos Empresários de Turismo do Castelo de Bode, Jorge Rodrigues.

Outro empresário ligado ao turismo, Ernesto Damião, de Constância - já abaixo da barragem - recorda que estranhava em época de seca haver "duas alturas do dia, de manhã e à tarde, em que o rio subia". "Quem manda baseou-se provavelmente no facto de estarmos numa época em que devia chover... O problema é que não chove", constata.      

EDP e APA não comentam

A TVI/CNN Portugal questionou a EDP sobre as queixas dos autarcas e dos empresários, mas a empresa de energia apenas diz que, como é público, a barragem de Castelo de Bode é uma das barragens que passou, desde 1 de fevereiro, a ter a produção interdita, não querendo fazer "mais comentários".

Do lado da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a resposta foi nula.

Os dados consultados no Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos da APA confirmam que de setembro a dezembro a barragem foi libertando mais água, com grandes variações diárias. No entanto, em novembro, dezembro e janeiro esses mesmos números ficaram muito abaixo dos valores homólogos - quando havia chuva.

Quem vê diariamente a albufeira teme que mesmo assim se tenha libertado demasiada água.

A barragem de Castelo de Bode acabou janeiro com 59% da água que pode armazenar, um dos valores mais baixos das últimas duas décadas, mas bem pior está, a montante, a barragem do Cabril, com 35%, uma albufeira por onde passa toda a água que deságua em Castelo de Bode.  

A presidente da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, Anabela Freitas, compreende a necessidade de produzir eletricidade, mas refere que vão continuar a exigir ser informados daquilo que se passa no seu território: "O recurso água deve preocupar-nos a todos e devem ser tomadas medidas a montante para preservar as massas de água, ainda mais quando estamos a falar de água que é utilizada para consumo humano por milhões de pessoas", alerta.

A Associação dos Empresários de Turismo do Castelo de Bode admite que as descargas começaram a diminuir há cerca de uma semana, ainda antes da decisão do Governo de limitar a produção de eletricidade. O problema, dizem, é aquilo que aconteceu antes.   

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