Comprou um vestido vintage e acabou a desvendar um mistério depois de descobrir um bilhete escondido num bolso secreto

CNN , Faith Karimi
28 jan, 18:00
O vestido vintage é da década de 1880. Mas apesar da idade, os delicados bordados, seda bronze e botões metálicos pareciam intactos (Cortesia Sara Rivers Cofield)

O vestido vitoriano no centro comercial de antiguidades do Maine era diferente de tudo o que Sara Rivers Cofield tinha visto antes.

O corpete ajustado, o busto com folhos e os punhos de renda correspondiam a uma época passada. Como colecionadora de trajes antigos, Rivers Cofield reconheceu-o como um vestido da década de 1880 - mas, apesar da sua idade, os delicados bordados, a seda bronze e os botões metálicos pareciam intactos.

Negociou o preço de 125 dólares (115 euros) para 100 dólares (92 euros) enquanto pensava onde guardaria o vestido com duas peças. O valor era superior ao que que costumava pagar como uma arqueóloga que se diverte a colecionar fatos e malas antigas. Mas como era época festiva, decidiu esbanjar.

O que Rivers Cofield nunca imaginou foi que o vestido que comprou em dezembro de 2013 viria a desvendar um grande mistério uma década depois. Dentro de um bolso secreto, escondido por baixo do busto, estavam duas folhas de papel amarrotadas com uma lista de palavras e lugares aparentemente aleatórios:

Bismark, omitir, folhagem, dinheiro, banco (Bismark, omit, leafage, buck, bank)

Calgary, Cuba, desproteger, confundir, pato, Fagan (Calgary, Cuba, unguard, confute, duck, Fagan)

As anotações na margem dos papéis pareciam representar o tempo. Uma etiqueta cosida no vestido tinha um nome escrito à mão: Bennett.

Rivers Cofield contou à CNN que ficou perplexa. As palavras eram enigmáticas. O que significavam e porque é que Bennett precisava de um "esconderijo super secreto", nas palavras de Rivers Cofield, para as guardar? Só os botões davam a imagem de uma Ofélia desamparada da peça "Hamlet", de Shakespeare, e valiam mais do que ela tinha pago pelo vestido, acrescentou.

O bolso secreto do vestido tinha papéis com o que pareciam ser palavras enigmáticas. Um deles começava com "Bismark, omitir, folhagem, dinheiro, banco" (Foto: Cortesia Sara Rivers Cofield)

Em fevereiro de 2014, publicou um artigo no seu blogue sobre o vestido, a que chamou Bennett's Bronze Bustle. "Mas que...?", escreveu ela. "Estou a colocá-lo aqui para o caso de haver por aí algum prodígio da descodificação à procura de um projeto." E incluiu fotografias do vestido e dos papéis. 

Curiosos da Internet ocuparam-se do caso - mas sem sucesso

Rivers Cofield, uma curadora de arqueologia que vive em Chesapeake Beach, Maryland, comprou o vestido enquanto visitava a mãe em Searsport, no Maine. Mas, depois de escrever o artigo no blogue, não pensou mais no assunto. 

No entanto, sem o seu conhecimento, alguns curiosos da internet decidiram começar a trabalhar para resolver o mistério. Chamaram-lhe o "criptograma do vestido de seda" e lançaram teorias da conspiração sobre as palavras, com alguns a insinuar que Bennett era uma espia que usava palavras codificadas para comunicar. 

Em 2017, um blogger decidiu incluir o bilhete na sua lista das 50 mensagens encriptadas não resolvidas e lançou mais teorias. Seria um bilhete de amor enigmático? Medidas de um vestido? Códigos da Guerra Civil?   

Mas Rivers Cofield descartou rapidamente qualquer interpretação ligada à Guerra Civil, até porque tinha estudados os catálogos dos anos 1880 da cadeia de lojas de departamentos Bloomingdale's e não teve dúvidas de que o vestido era dessa época. Nessa altura, a guerra já tinha terminado há cerca de 20 anos. 

Outros especularam que se tratava de uma forma de comunicação relacionada com o telégrafo, uma nova forma de enviar notas rápidas lançada nos Estados Unidos nos anos 1800, que cobrava aos remetentes um valor com base no número de palavras de uma mensagem.   

"Nessa altura, já tinha abandonado o blogue", explicou. "De vez em quando, via um comentário ou outro decifrador de códigos que me enviava um e-mail e dizia: 'Ainda estou interessado nisto', mas nunca ninguém o resolveu." 

Investigador canadiano decifrou código dez anos depois

Wayne Chan, um investigador da Universidade de Manitoba, no Canadá, deparou-se com o código online no verão de 2018. Em entrevista à CNN, Chan explicou que consultou 170 livros de códigos e nenhum deles correspondia à mensagem. 

"Trabalhei nele durante alguns meses, mas não cheguei a lado nenhum. Coloquei-o de lado e não voltei a olhar para ele".  

Chan, que resolve códigos como passatempo, começou então a pesquisar a era do telégrafo, incluindo os códigos meteorológicos utilizados na América do Norte nessa altura. No início do ano passado, conseguiu uma vitória. 

Descobriu que as mensagens codificadas eram, de facto, um boletim meteorológico. E não eram encriptadas para serem secretas, mas porque o código permitia aos meteorologistas encurtar os relatórios meteorológicos detalhados para poucas palavras. 

Na era do telégrafo, este tipo de abreviatura era mais barato do que enviar um grande número de palavras e de leituras de temperatura. Cada palavra representava as variáveis meteorológicas, como a temperatura, a velocidade do vento e a pressão barométrica num determinado local e hora do dia. 

Costurada dentro do vestido estava uma etiqueta onde se lia “Bennett" (Foto: Cortesia Sara Rivers Cofield)

Por exemplo, a linha "Bismark Omit leafage buck bank" contém pormenores surpreendentemente específicos. "Bismark" significa que foi registado na estação de Bismarck, no que é agora o Dakota do Norte. "Omit" significa que a temperatura do ar era de 56 graus (13 graus Celsius) e a pressão barométrica de 0,08 polegadas (2 milímetros) de mercúrio. "Leafage" referia-se a um ponto de orvalho de 32 graus Fahrenheit (0 graus Celsius) observado às 22:00. "Buck" indicava que não havia precipitação, enquanto "bank" significava uma velocidade do vento de 12 mph (19 km/h) e um pôr do sol claro. 

Segundo Chan, todas as estações meteorológicas eram obrigadas a enviar os relatórios por telégrafo para um escritório central em Washington, DC. 

Chan descobriu que as mensagens codificadas usavam o código meteorológico telegráfico do século XIX, utilizado pelo Corpo de Sinais do Exército, que era o serviço meteorológico nacional dos EUA no final do século XIX. Por exemplo, uma frase como "A tripulação está toda bêbeda" seria encurtada com uma palavra de código como "crimping", salientou. 

"Este código em particular não tinha qualquer objetivo de secretismo. Os códigos telegráficos eram utilizados por duas razões principais: secretismo e economia. O código meteorológico destinava-se a esta última. Como se cobrava por palavra num telegrama, eles queriam encurtar ou comprimir um boletim meteorológico no menor número de palavras possível para poupar nos custos", explicou Chan à CNN.

Chan disse que não sabe ao certo como é que as palavras eram escolhidas. Havia um livro de códigos meteorológicos que os meteorologistas consultavam para compreender o significado das palavras desconhecidas e, com o tempo, aprenderam as palavras de código sem necessidade de consultar o livro de código. 

"As palavras eram organizadas de modo a que determinados pares de consoantes e vogais representassem valores numéricos específicos. Era realmente um código muito complexo, embora a intenção não fosse o secretismo". 

O dia exato do bilhete 

Com a descoberta, Chan acabou por escrever um artigo académico para explicar o assunto e acabou por enviar um e-mail a Rivers Cofield, que não imaginava que os curiosos da Internet ainda estavam a trabalhar para decifrar os códigos. 

A colecionadora disse ter ficado atónita com a revelação, mas não surpreendida. 

"A minha profissão é ser arqueóloga, por isso faço muita investigação sobre o passado. Há muito que me conformei com o facto de nem todos os artefactos ou documentos revelarem todos os seus segredos”, afirmou. 

Como parte da pesquisa de Chan, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica forneceu mapas meteorológicos antigos que o ajudaram a determinar a data precisa das observações meteorológicas da nota codificada: 27 de maio de 1888. 

Rivers Cofield disse que uma das maiores lições da descoberta foi perceber que as pessoas não tinham uma forma imediata de saber que condições meteorológicas se aproximavam na década de 1880. 

"Nunca me ocorreu que o telegrama teria sido o elemento de desbloqueio para as pessoas. Porque (atualmente) estamos todos habituados às nossas aplicações meteorológicas", afirmou. 

Ainda não se sabe quem era Bennett e por que razão tinha códigos meteorológicos guardados num bolso secreto. Mas, por enquanto, Chan e Rivers Cofield estão felizes por terem desvendado a maior parte do mistério do vestido. 

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