Como a morte do gato Twix conquistou as atenções dos russos

CNN Portugal , MJC
2 fev, 18:52
O gato Twix (DR/redes sociais)

Um gato foi atirado acidentalmente para fora de um comboio na região de Kirov. As imagens tornaram-se virais nas redes sociais, o tema chegou à televisão nacional, milhares de pessoas participaram nas buscas. E, quando o gato foi encontrado morto, uma investigação criminal foi aberta

Twix, um gato ruivo e branco, de quatro anos, estava a fazer uma viagem de comboio de Yekaterinburgo para São Petersburgo, no dia 11 de janeiro, quando escapou ao seu cuidador e começou a cirandar pela carruagem. Um funcionário dos caminhos-de-ferro, achando que se tratava de um gato vadio, atirou-o pela janela. O momento em que o gato foi atirado para a neve foi filmado e as imagens circularam nas redes sociais. Edgar Gaifullin, o dono de Twix, também usou as redes sociais para pedir ajuda para encontrar o seu animal de estimação e ofereceu uma recompensa de 30 mil rublos (306 euros) a quem o encontrasse.

Várias pessoas publicaram apelos em grupos sobre animais, colocaram cartazes nas ruas e percorreram as ruas e os campos na região de Kirov, onde as temperaturas nesta altura do ano podem chegar aos 30 graus negativos, à procura de Twix. A história chegou aos meios de comunicação locais e, por fim, atraiu a atenção da televisão estatal. De repente, Twix tornou-se uma das figuras mais famosas do país. Acredita-se que milhares de voluntários tenham participado nos esforços de busca e resgate do gato desaparecido.

Os gatos são um dos temas mais populares na Internet em todo o mundo, mas o conteúdo felino é particularmente popular na Rússia. Quase metade dos lares russos possui um gato, uma das taxas mais altas do mundo. Façanhas dos gatos são noticiadas nos meios de comunicação e uma nova série de televisão russa chamada “Catástrofe” não é sobre a guerra, como alguns poderiam supor, mas sobre um gato ruivo de espírito livre que fala.

A descoberta do cadáver de Twix após uma semana de buscas, provavelmente morto por congelamento, levou a um alvoroço público, com uma petição online pedindo a punição do funcionário que atirou o gato para fora do comboio a reunir rapidamente 380 mil assinaturas. O principal investigador da Rússia, Alexander Bastrykin, respondeu ordenando uma investigação sobre a morte do animal e a eventualidade de ter sido cometido o crume de crueldade contra animais. Os deputados do partido no poder formaram uma comissão no Congresso para rever as regras de transporte de animais. Um ativista conservador propôs mesmo erguer uma estátua de Twix em Kirov. A morte do gato tornou-se tema de artigos de jornais e debates na televisão.  

Os caminhos-de-ferro suspenderam o funcionário, abriram uma investigação interna e mudaram as diretrizes para transporte de animais. Em comunicado, a empresa pediu desculpas ao senhor Gaifullin, dono do Twix, mas culpou a pessoa que acompanhava o animal por deixá-lo fora de vista. Apesar disso, o dono do gato contratou um advogado para interpor um pedido de indemnização à companhia ferroviária, criou uma conta oficial no Telegram para o Twix e é regularmente entrevistado pelos meios de comunicação. 

A história de como uma tragédia local com um animal de estimação passou a dominar o debate nacional é um estudo de caso sobre como a informação se espalha na Rússia. De acordo com o jornalista do The New York Times Anatoly Kurmanaev, o "clamor nacional" pela morte de Twix põem em relevo "tanto os limites como a procura de uma válvula de escape emocional na Rússia durante a guerra". 

Uma sondagem nacional concluiu que cerca de dois em cada três russos estavam familiarizados com o Twix, uma proporção muito elevada num país onde as pessoas ignoram cada vez mais notícias negativas, como a guerra na Ucrânia, segundo Denis Volkov, diretor do maior instituto independente de sondagens, o Centro Levada, citado pelo NYT. O caso foi, obviamente, aproveitado pelo Governo. Volkov considera que o "caso Twix" desviou grande parte do debate nacional do descontentamento com a escassez de ovos, falhas de aquecimento num inverno frio e outras questões sobre a qualidade de vida.

"Uma combinação de propaganda, repressão à dissidência e fadiga pública com a guerra inconclusiva transformou as curiosidades da Internet num foco de atenção nacional durante dias, até semanas. No mês passado, um vídeo de um influenciador russo a atirar o seu bebé de dois meses num banco de neve recebeu milhares de comentários, a maioria deles negativos, e levou a uma investigação criminal", escreve o jornalista. "Em parte catarse, em parte teatro político, eventos como a morte de Twix estão a proporcionar aos russos raras oportunidades de desabafar e criar laços com pessoas que pensam como eles, sem causar problemas com a polícia ou os censores".

"Condenar a morte de um gato na Rússia é, obviamente, muito mais seguro do que expressar uma opinião política ou protestar contra a guerra", conclui o jornalista do NYT. Ou, como  Boris B. Nadezhdin, um ativista anti-guerra que planeia concorrer contra Putin, num talk show esta semana, com uma grande foto de Twix ao fundo: "O país sente falta de poder expressar-se livremente e de ser humano. Expressar apoio a um gatinho que nunca se viu na vida é mostrar humanidade".

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