Ucrânia, Rússia: guerra? "Não parece que as ambições de Putin sejam neoimperialistas." Então são quais?

25 jan 2022, 23:48

O que quererá Vladimir Putin de toda esta tensão que está a pôr o mundo a falar sobre guerra? Os americanos dizem assim: "Não é claro o que a Rússia pretende". Não é claro para ninguém, parece

O risco de invasão da Rússia à Ucrânia continua "iminente". É isso que os Estados Unidos entendem, numa conferência de imprensa dada na tarde desta terça-feira a partir da Casa Branca. Cerca de 100 mil soldados russos fazem diariamente exercícios na fronteira com a Ucrânia, ao mesmo tempo que os Estados Unidos colocaram 8.500 militares em alerta máximo. Estamos à beira de uma guerra?

Para Sónia Sénica, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova, ninguém deseja verdadeiramente esta guerra porque seria uma guerra que não beneficiaria ninguém. "Estamos num momento decisivo, mas ainda não está esgotado todo o mecanismo diplomático", entende Sónia Sénica, que vê a Rússia ameaçada pelo avanço da NATO nos últimos anos.

Essa é uma das exigências da Rússia - o recuar de posição da NATO perante a Ucrânia, país que partilha largos quilómetros com a Rússia e que se vê no meio de uma luta maior. Na prática, Vladimir Putin defende-se com um acordo assinado no fim da Guerra Fria e no qual foram dadas garantias à Rússia de que a NATO - criada em 1949 e da qual Portugal é fundador - não alargaria o seu território, muito menos para países que fiquem perto da fronteira russa.

Soldado ucraniano mantém-se alerta na linha de separação ucraniana (Andriy Dubchak/AP)

Mas a existência de alguns alargamentos e o aproximar à fronteira russa acabaram por ultrapassar a "linha vermelha" do presidente russo, que agora mobiliza uma jogada de poder: "Não me parece que as ambições sejam neoimperialistas. Parece-me que a chegada à fronteira da Rússia detonou esta ação musculada. A Rússia mobiliza-se para garantir que a integridade e soberania do seu território estão acauteladas", refere Sónia Sénica.

Estes alargamentos dizem respeito a países como Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia, que aderiram à NATO apenas em 2004 (no caso dos três primeiros) e em 1999 - que fazem fronteira com a Rússia -, mas também como Albânia, Bulgária, Eslováquia, Hungria, República Checa e Roménia, antigos integrantes do Pacto de Varsóvia, acordo criado em 1955 para criar um bloco sólido a leste para lá da "cortina de ferro" definida por Winston Churchill.

Homem da armada pró-russa prepara uma arma na linha da frente (Alexei Alexandrov/AP)

Para Sónia Sénica, ninguém tem a ganhar com um possível confronto armado, o que a leva a entender que, na verdade, ninguém deseja que isso aconteça. Talvez por isso seja imprevisível prever quem vai dar o primeiro passo. "Não é fácil tomar uma atitude, qualquer passo pode dar num conflito mais alargado. A Rússia mantém uma posição firme para se fazer respeitar no plano internacional", nota a investigadora, que lembra que já existe uma posição russa no leste da Ucrânia, nomeadamente na região de Donbass, onde proliferam separatistas pró-russos que Vladimir Putin tenta mobilizar para convencer Kiev a mudar de lado. Além disso, desde 2014 qua a região da Crimeia faz parte da Rússia, depois de ter sido anexada.

O que quererá Vladimir Putin de tudo isto? A resposta mais sincera, e que tem ecoado nos meios de comunicação internacionais, é que ninguém sabe ao certo. Mesmo o secretário de Estado Antony Blinken, que representa a diplomacia americana, parece não saber: "Não é claro o que a Rússia pretende".

Sobre o risco de guerra, a posição também parece ser comum a quase todos: depende do presidente russo. É que ninguém sabe o que vai na cabeça do antigo agente do KGB, que já manifestou por várias vezes o seu amor à extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

O (ausente) papel da União Europeia

Apesar de tudo se passar a cerca de mil quilómetros da fronteira mais próxima da União Europeia, a Europa não tem sido vista nem achada em toda a questão. De resto, a Rússia foi clara: as negociações são conduzidas com os Estados Unidos e com a NATO.

Para Sónia Sénica, este é um traço de fragilidade da União Europeia, que se apresenta no meio de tudo com uma posição "sensível", uma vez que é o ator fisicamente mais próximo do lado da aliança ocidental, além de estar altamente dependente do gás natural que chega da Rússia, ainda para mais no inverno, em que a necessidade de aquecer as casas é maior. "A Rússia escolheu os seus interlocutores e deixou a União Europeia à margem", refere.

Essa fragilidade afeta sobretudo a Alemanha, país que ainda há pouco tempo deu o último passo para o acordo Nord Stream 2, que vai fornecer ainda mais gás natural à União Europeia. Este é, de resto, um dos instrumentos que os Estados Unidos querem utilizar para pressionar a Rússia, sendo que o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, já veio falar da hipótese: "Vale a pena mencionar que ainda não há gás a fluir pelo Nord Stream, o que significa que o gasoduto é um meio de pressão para a Alemanha, os EUA e os nossos aliados, não a Rússia".

Olaf Scholz e Emmanuel Macron encontram-se para discutir situação na Ucrânia (Tobias Schwarz/AP)

Importante pode ser o papel de um aliado comum a duas das partes. Membro da NATO desde 1952, a Turquia tem-se aproximado a passos largos da Rússia de Vladimir Putin, como se viu, por exemplo, no conflito na Síria. No entanto, este é um Estado que pode atuar em todo este caso como um mediador, até porque também tem fortes pretensões europeias.

De resto, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros foi claro quando disse a Josep Borrell que a União Europeia não é um parceiro de confiança de voz comum, uma vez que os diferentes Estados-membros defendem soluções diferentes.

De acordo com ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, os 27 preparam uma "resposta muito pesada" caso a Rússia avance sobre a Ucrânia. Foi essa a posição de Augusto Santos Silva após uma reunião europeia em que o tema foi dominante.

Haverá risco de uma Terceira Guerra Mundial?

Nada aponta nesse sentido, mas, quando se fala em duas potências como Estados Unidos e Rússia, tudo deve ser considerado. Grandes países como China e Índia vão-se mantendo à margem do problema, mas de que lado ficarão caso se venham a envolver?

Sónia Sénica diz que não interessa a nenhum desses países tomar uma posição clara. Enquanto a China está muito mais focada no desenvolvimento económico e no objetivo de ultrapassar os Estados Unidos, a Índia tem muito a perder, até porque, ainda que tenha relações com a Rússia, também as mantém com Estados Unidos ou Reino Unido, por exemplo.

A investigadora diz que, assim, o conflito deve ser resolvido de forma localizada, com foco na crise ucraniana, que está na agenda de todos. Um envolvimento chinês só ocorreria, na ótica de Sónia Sénica, se fossem colocadas em causa questões como o Mar do Sul da China ou a posição sobre Taiwan, por exemplo. Ainda assim, a ter de escolher um lado, será o da Rússia.

As ameaças têm sido as mesmas e de forma repetida. "Graves sanções" é o que tem sido prometido pelos Estados Unidos: "Penso que [Vladimir Putin] vai pagar um alto preço" por enviar tropas para a fronteira ucraniana. Isso foi o que disse o presidente norte-americano antes de o posicionamento se vir a efetivar. Consequências? Para já não, apenas mais ameaças.

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