Rita Matias defende a família composta por "um homem e uma mulher" e quer avançar no "combate civilizacional". Joana Mortágua defende todas as famílias: "Estamos a falar de direitos humanos"

CNN Portugal , MJC
9 abr, 20:05

As deputadas do Chega e do Bloco de Esquerda encontram-se na CNN Portugal para debater o livro "Identidade e Família". Rita Matias mostrou-se satisfeita por ver que Pedro Passos Coelho "compreendeu a pertinência daquele que tem sido o discurso de André Ventura". Joana Mortágua surpreendeu-se por o antigo primeiro-ministro se "apresentar como patrono dos ultra-conservadores, dos reacionários"

Rita Matias não esconde a sua satisfação por ver que o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho concorda com muitas das posições defendidas pelo Chega. A propósito da apresentação do livro "Identidade e Família", que aconteceu na segunda-feira, a deputada do Chega afirma que "Pedro Passos Coelho compreende o combate civilizacional que estamos a travar e parece-me algo desencantado com o PSD atual, na medida em que não está a ser capaz de enfrentar todos estes desafios. Quando faz referência à mudança do logótipo, diz: Não basta mudarmos o símbolo, é preciso fazermos o resto do combate civilizacional. É preciso percebermos que este combate passa também pela esfera da educação, por exemplo. Não sei se Pedro Passos Coelho piscou o olho intencionalmente ao Chega, ou não, mas pelo menos compreendeu a pertinência daquele que tem sido o discurso de André Ventura", comentou Rita Matias esta tarde na CNN Portugal. "Pedro Passos Coelho é um mais dos que entenderam que o Chega é necessário e até apelou ao diálogo em prol do bem estar e da estabilidade que os portugueses necessitam agora."

Já a deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua admitiu que ficou surpreendida "que alguém que há poucos anos se considerava um liberal e esteve em algumas disputas sobre direitos fundamentais do lado dos laborais, agora se venha apresentar como patrono dos ultra-conservadores, dos reacionários".

Afirmando que não teve oportunidade de ler o livro, e por isso recusando-se a comentar alguns dos excertos que são conhecidos, Rita Matias manifestou, de qualquer forma, a sua concordância com este manifesto - que considerou representativo do "bom senso" - pela família tradicional, "composta por um homem e uma mulher", assim como com as posições expressas na obra sobre a homossexualidade, a identidade das pessoas transgénero, a liberalização do aborto ou a lei da eutanásia - que o Chega gostaria de ver revertida.  Segundo a deputada, o Chega "não quer ver retrocesso, quer ver progressos, porque esta agenda [da esquerda] tem muito mais de voltar o homem para o lado animalesco do que de progresso".

"Não conheço de facto as frases, mas sei que cada vez mais mulheres se queixam que, por exemplo, o avanço desta agenda de género tem trazido situações de insegurança e desigualdade para as mulheres. Há pouco tempo estivemos a discutir que nas casas de banho e balneários homens biológicos pudessem aceder aos espaços de intimidade das mulheres", disse. "A guerra civilizacional é quando sabemos que as mães grávidas sozinhas têm quatro vezes mais probabilidade de abortar do que as mães acompanhadas. Ou que as mães estrangeiras têm  duas vezes mais probabilidade de abortar do que uma mãe portuguesa. Portanto, aquela máxima de 'o meu corpo, as minhas regras' não é verdade, a verdade é que as condições sociais e económicas continuam a impactar."

"Pedro Passos Coelho falou da sovietização do ensino e isso fez a esquerda tremer. Fui recuperar as palavras de Alexandra Kollontai - que dizia que não era a família do passado e mesquinha que iria moldar o homem e a sociedade do amanhã. E descrevia o homem novo desta nova sociedade, que iria ser moldado nas creches e nas escolas e outras instituições, por educadores inteligentes, que os iam converter num comunista. Isto foi escrito há cem anos mas na verdade é o que acontece hoje. Não sei se a sovietização do ensino é assim tão descabida", afirmou Rita Matias. "Aquilo que as famílias sentem é que não têm capacidade de decisão naquilo que são os conteúdos que os seus filhos aprendem nas escolas. Quando dizemos que a educação compete à família e não ao Estado estamos a pugnar pela defesa de uma maioria silenciosa que infelizmente foi condicionada por uma minoria radicalizada que dominou o espaço público e o debate político e fez com que a sociedade conservadora fosse amordaçada."

"Se há tantos coletivos, tantas associações que promovem outros tipos de família, porque não movimentos como estes que promovem uma visão conservadora da sociedade", defendeu a deputada do Chega.

À sua frente na mesa do debate, a deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua manifestava discordância. "Julgo que quando a sociedade portuguesa olha para um dos autores do livro, João César das Neves, que diz que não acredita que as mulheres tenham sido oprimidas ao longo da história, em primeiro lugar porque são a maioria e depois porque nunca se queixaram, a maioria da população sabe que há uma desigualdade de género consolidada em Portugal, que é construída historicamente e que tem a ver com um conjunto de preconceitos da sociedade. Ou quando outro autor deste livro em tempos comparou o casamento entre pessoas do mesmo sexo a  relações entre pessoas e animais, eu não acredito que a sociedade portuguesa se reveja nisto. Quando um dos autores diz que a lei do divórcio é um ataque à família, e portanto defender a família seria obrigar as pessoas a manter-se numa relação na qual não são felizes, também não me parece que a sociedade se reveja nisso. Portanto, discordo absolutamente do que a Rita Matias disse, isto não é uma representação do bom senso, é uma representação das ideias que foram derrotadas não só no Parlamento como na maioria da sociedade portuguesa."

"O que está em causa é um conjunto de pessoas que diz que a família tradicional está a ser atacada, sem explicar o que é a família tradicional, qual é o padrão -  é o padrão do Estado Novo, em que as mulheres tinham que pedir autorização ao marido para sair do país, em que nem sequer tinham o seu próprio passaporte, esse é o padrão da família tradicional? Ou é ainda anterior, dos tempos em que o homem não tinha pena de prisão caso assassinasse  uma mulher que fosse, aos olhos da época, infiel? Qual é o padrão da família tradicional? É a mulher que fica em casa a fazer o jantar enquanto a mulher vai ter com a amante, como dizia hoje a Capicua no seu texto? É a violência normalizada na sociedade? Se isso é a família tradicional, é preciso dizer que é isso que estão a defender. É a família heteronormativa? Então o que é que fazemos às outras famílias?", questionou Joana Mortágua. 

"E outra questão: de que forma é que essa família tradicional está a ser atacada? Isto até hoje não foi explicado. Eu acho que todas as famílias, sejam eles quais forem, estão a ser atacadas por uma economia cada vez mais selvagem, por uns direitos laborais que respeitam cada vez menos a vida das pessoas
Eu não acho que isso seja um atentado às famílias tradicionais, acho que é um atentado às classes trabalhadoras."

A deputada do Bloco de Esquerda afirmou que o está em causa "não é marxismo cultural nem sovietização do ensino", mas "estamos a falar de direitos humanos". "A escola não pode ser um instrumento de engenharia social, para abafar a diversidade que existe na sociedade para produzir seres humanos iguais e padronizados. Já há na escola filhos de casais homossexuais, já há na escola crianças que têm pessoas transgénero na sua família, vamos fazer com que essas crianças sintam que a escola oprime, oculta as suas famílias? Nós não temos que exigir mais do que uma escola que cumpra os direitos humanos."

E explicou: "Ideologia de género é um termo que foi cunhado pela igreja católica para se referir às questões de igualdade de género - porque a igreja católica considera que as desigualdades entre homens e mulheres têm uma origem biológica e não são socialmente e historicamente construídas. Isto tem uma consequência: a submissão da mulher ao homem tem uma base biológica e ela não pode ser contestada, isto é uma naturalização das desigualdades. Tudo o que contraria isto foi chamado de ideologia e tem tanta validação científica como o criacionismo."

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