Em Gibraltar: três portugueses, o Rochedo e a Champions

20 abr 2016, 10:11
Lincoln Red Imps (Facebook oficial)

Lincoln Red Imps está a um ponto de ser campeão. Maisfutebol junta Livramento, Bernardo Lopes e Ruben Freitas para uma conversa de futebol, cultura e política

Sete quilómetros quadrados, 30 mil almas, um estádio de futebol: bem vindos a Gibraltar.

Sul da Península Ibérica, fronteira delimitada com a Andaluzia, território reclamado por Espanha e Inglaterra, embora soberano. O Rochedo, de sobrenatural imponência, é a casa de três futebolistas portugueses, todos do Lincoln Red Imps.

O clube está a um ponto de chegar ao 14º título nacional e, por consequência, às provas da UEFA. No próximo sábado à noite, a festa está marcada para o apito final do jogo contra o Angels FC.

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Livramento, Bernardo e Ruben não querem falhar, não podem falhar. Vamos às apresentações, pormenorizadas. Eis os artistas-mor da reportagem:

. António Livramento, médio, 34 anos, currículo recheado de muitos e bons clubes. Benfica B, Olhanense, Boavista, Leixões, Rio Ave, Paços Ferreira, Beroe, Slavia e Lokomotiv, estes três últimos na Bulgária.

. Bernardo Lopes, defesa, 22 anos, nado e criado no União de Tires, Estoril e Benfica, com passagens recentes pelo Louletano e Marítimo B.

. Ruben Freitas, defesa, 23 anos, nove anos no Sporting, mais quatro no Sp. Braga, Salgueiros e Nikos & Sokratis, em Chipre.

Falência e mentiras: assim se chega a Gibraltar

O que leva três atletas de bom nível a apostar no futebol de Gibraltar? Como é que cada um deles chegou ao Rochedo e o que pretendem desta experiência?

O Maisfutebol reúne os três representantes desta diáspora incomum e a conversa flui. Livramento, o mais velho, faz as honras da casa. Casa que, já agora, é partilhada pelos três na cidade de La Línea de la Concepción, território espanhol vizinho de Gibraltar.

«O Lokomotiv Sofia, onde jogava, fechou as portas. Fiquei num impasse, perdi algum tempo a decidir e várias promessas de empresários não foram cumpridas», explica Livramento.

«Em Portugal só tive propostas da II Liga e esses clubes pagam muito pouco. Optei pelo Lincoln, dentro daquilo que eram as minhas perspetivas financeiras e familiares. Cheguei a um país onde o futebol está a evoluir».

Bernardo Lopes (esquerda) em ação pelo Lincoln

Bernardo Lopes - «após uma época a aprender e a melhorar no Marítimo» - juntou-se a Livramento no início da época, verão de 2015, atraído pela «possibilidade de disputar títulos e provas europeias».

O último a chegar foi Ruben Freitas, saturado por «diversos problemas». «Estava em Chipre a fazer uma excelente primeira parte de época, surgiram até duas propostas de duas equipas boas do país, mas o meu agente na altura disse para eu ficar tranquilo, para não aceitar. Disse-me que tinha já uma equipa da Polónia para eu ir».

Ruben confiou no empresário e não correu bem. O Lincoln acabou por salvá-lo do desemprego.

«Fiz o que ele [empresário] mandou, rescindi no Chipre e fiz as malas para a Polónia. As coisas complicaram, ele deixou de me atender o telefone, não deu qualquer justificação. Estive um bocado perdido, até que surgiu esta oportunidade depois de conhecer um agente que tinha aqui um contato, em Gibraltar».

E assim se juntaram três portugueses, à conquista do Rochedo.

Lincoln Red Imps: mais dinheiro do que na II Liga portuguesa

Lincoln Red Imps. Dominador do futebol de Gibraltar. Que clube encontraram, em rigor, Livramento, Bernardo e Ruben?

O primeiro fala do «maior fornecedor de atletas à seleção», gerido por «um diretor desportivo profissional e que faz tudo» e «um comité de dez dirigentes».

«Treinamos em Espanha, pois em Gibraltar só existem dois campos. O Lincoln tem a ambição se vencer o campeonato nacional e chegar na próxima época mais longe na pré-eliminatória da Liga dos Campeões», explica Livramento, reportando-se à histórica experiência de 2015.

Histórica, sim. O Lincoln eliminou o Santa Coloma (Andorra) e só caiu contra o Midtjylland (Dinamarca). «E essa equipa foi longe na Liga Europa, até perder contra o Manchester United. Isso motiva-nos muito e queremos chegar pelo menos à 3ª pré-eliminatória».

Ao lado, Bernardo Lopes concorda e aplaude «o crescimento» de um emblema «cada vez mais profissional».

«Começaram a ter acesso a realidades diferentes, como por exemplo a possibilidade de disputar as pré-eliminatórias da UEFA Champions League. O Lincoln tem uma maior visibilidade, mais apoio dos adeptos e horizontes alargados», acrescenta o antigo atleta de Benfica e Marítimo.

Apesar da liga de Gibraltar ter «pouca qualidade», Ruben Freitas sublinha a condição financeira «superior» do Lincoln, se comparado com os clubes da II Liga portuguesa.

«Temos a melhor equipa do campeonato. Não temos muitos adeptos, a visibilidade também não é muita, mas o clube quer ganhar todos os anos o campeonato local e ainda este ano passar mais uma pré eliminatória da liga dos campeões».

Lincoln-Santa Coloma (Liga dos Campeões):

 

Polícias e amadores: um balneário «divertido»

O «mau estar político» causado por Gibraltar entre Espanha e Inglaterra é conhecido pelo trio português. Mas relativizado, até pela permanência residual no polémico território.

Lá, no Rochedo, as culturas misturam-se e ao lado de um espaço hispânico pode coexistir um pub britânico. Os problemas existem mais acima, nos gabinetes políticos e administrativos.

A adaptação a Gibraltar foi «rápida e simples», facilitada pela amizade rapidamente criada entre os três portugueses. E os dias passam, devagar e rotineiros. Ao fim de semana, sim, os jogos fazem tudo valer a pena.

Livramento já leva 12 golos, entre campeonato e a Rock Cup. «Tenho 34 anos, mas as lesões desapareceram e sinto-me bem. Lutar por lugares europeus deixa-me motivado», diz o médio ofensivo, figura de cartaz dos Lincoln red Imps.

Bernardo, «satisfeito com o nível» apresentado em Gibraltar, olha para o futuro cheio de ambição. «Ambiciono chegar às melhores ligas do mundo, conseguir alcançar o topo do futebol. E representar a seleção principal do nosso país».

Para Ruben, o pior é «a limitação de estrangeiros» e «uma lesão, já curada». «Só podem estar quatro estrangeiros em campo e isso limita um bocado o nosso tempo de jogo. Mas quero aproveitar, jogar bem e dar o salto para um clube melhor».

O plantel é constituído essencialmente por amadores. A exceção vem de fora, pois mesmos os melhores de Gibraltar têm outra profissão durante o dia. Basta pensar em Lee Casciaro, polícia em full time e goleador nos tempos livres.

O amadorismo dos outros não perturba os nossos representantes. «Faço vida de profissional. Vou ao ginásio de manhã e treino ao final da tarde com o plantel. Eles são amadores só no contrato, porque a maioria podia ter feito uma carreira ao alto nível», justifica Livramento.

«É um pouco estranho», admite Bernardo Lopes. «Dão o melhor que conseguem quando chega a hora de treinar ou de jogar, e quanto a isso não tenho nada a criticar pois são opções».

Ruben Freitas diz que o grupo é «divertido», embora não goste de tudo.

«Em termos desportivos é mais complicado para nós, pois basicamente eles [os jogadores de Gibraltar] são os protegidos do clube, o que por vezes não é bom para nós».

Ruben Freitas apresentado no Lincoln

Futuro? Pré-eliminatória da Champions ajuda a decidir

O título dos Lincoln Red Imps é uma questão meramente matemática, mais jornada, menos jornada. A entrada nas pré-eliminatórias da Championes atraem a comitiva de portugueses, mas a continuidade em Gibraltar não é um dado adquirido.

«O meu contrato acaba em maio e eles querem que eu fique», diz Livramento. «Claro que jogar essas partidas internacionais é sempre especial. O sonho não tem idade. Aos 34 anos ainda sonho muito no futebol».

«O futebol é uma incógnita», junta-se Bernardo Lopes. «Há essa possibilidade [de continuar] e já fu abordado para isso. Se ficar será uma imensa felicidade, mas podem abrir-se novas portas e tudo muda de um dia para o outro».

Ruben Freitas tem ligação até junho de 2016. «Isso dá-me a possibilidade de jogar a 1ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões. O Lincoln está interessado em renovar, mas esperarei por essa fase para decidir alguma coisa sobre o meu futuro».

António Livramento, Bernardo Lopes e Ruben Freitas: três portugueses, três mais do que prováveis campeões de Gibraltar, três invasores amigáveis ao inexpugnável Rochedo. Atenção ao Lincoln Red Imps.

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