Quando Sandro G voltou a Rabo de Peixe, deu 10 mil CD's "de graça": "Tinha 100 caixotes e 12 carrinhos de mão. A polícia achava que era droga, até chamaram os cães"

25 jun 2023, 08:00

Romeu Bairos e Sandro G conheceram-se ainda Romeu cantava nas ruas de São Miguel. Agora, o finalista do Festival da Canção veste a pele do antigo rapper em "Rabo de Peixe". A CNN Portugal falou com os dois sobre esta ligação - e sobre a vila açoriana que agora é um sucesso da Netflix. E sim, aquele cartaz de "Sandro Jeans" existe mesmo

Passam poucos minutos das 22:00, numa terça-feira. Aguardamos ansiosamente, de olhos postos no computador, a chegada dos dois entrevistados. Eis que surgem do outro lado do ecrã, com uma indumentária surpreendentemente adequada para a conversa que se seguia.  

À esquerda do monitor, Romeu Bairos, 30 anos, fala-nos de Lisboa. O rosto já nos era familiar, pela sua participação no programa The Voice, em 2015 – ainda que, na altura, fosse reconhecido pelas longas rastas – e como finalista do Festival da Canção, seis anos depois, ao lado de Karetus. Apresenta-se, aliás, envergando uma t-shirt em honra deste grupo de música eletrónica. “Por acaso, foi uma sorte ter vestido isto”, graceja, quando apontamos para as letras vermelhas do logo.

À direita, diretamente de Rhode Island, nos EUA, o pai do hip-hop açoriano, Sandro G, longe dos holofotes há quase 20 anos, agora com 50. Como que num gesto patriótico, aparece com um casaco a homenagear Portugal e um boné azul com o emblema da ilha que o viu nascer. Mas são as correntes no seu pescoço que nos roubam a atenção. É praticamente inevitável reparar nas letras garrafais que baloiçam no peito. “Rabo de Peixe”, lê-se. Remete-nos para os motivos que trazem esta dupla à conversa.  

Num dos recentes lançamentos da Netflix, inspirado na vila piscatória com o mesmo nome - que, em menos de uma semana, entrou no topo das séries mais vistas em 33 países do mundo – Romeu, também ele natural dos Açores, interpreta Sandro. Já Sandro, interpreta, literalmente, ele mesmo. Isto é, como conselheiro na produção de Augusto Fraga. Mas já lá vamos.

É que aquilo que os une, não se cinge apenas a um fenómeno de audiências, mas a uma amizade que já soma mais de uma década. Se Romeu é hoje referido como uma das jovens promessas da música portuguesa, a Sandro, em parte, o deve. Ou não estaríamos a falar do rapper que escreveu temas imortalizados, como “Eu não vou chorar”, “Galinha” e “Festa”, no início do século.

Recuemos até ao dia em que se conheceram. “Queres que eu conte ou queres contar tu?”, questiona Romeu, respeitosamente. O amigo não hesita: “Sei que ele era novinho, tinha uns 17 ou 18 anos”. “Eu estava em São Miguel com a minha equipa, para filmar uns vídeos e fazer uns concertos. Encontrei-o na rua, ao pé da Matriz, a cantar Kurt Cobain e Pearl Jam”, continua. "«Uau!», pensei eu, e perguntei a alguém se era um rádio. Não era um rádio, era um rapazinho com uma viola e um talento incrível. Romeu ouve-o atentamente, sem esconder o orgulho.

Sandro conta como, na altura, se aproximou dos olhares curiosos que circundavam aquele jovem músico. Avistando-o, ter-se-á sentado, de seguida, a seu lado. Lembra que, à medida que o ouviam, os espectadores largavam alguns trocos numa mala de guitarra que estava no chão. Quando Romeu parou de cantar, não se conteve perante tal surpresa. “Perguntou-me, ‘o Sandro G, aqui?’, e eu pedi-lhe que continuasse”, relata o ex-rapper. Depois de uma canção veio outra, mais outra, e assim sucessivamente. Uma hora e meia que terá passado a correr.

Disse-me que o seu sonho era arranjar dinheiro e ir para Lisboa. Perguntei-lhe quanto precisava, meti o dinheiro na mala da viola e desejei-lhe boa sorte. Três anos depois, estava a vê-lo no The Voice", diz. Tê-lo-á contactado nessa altura e, desde então, garante que falam "pelo menos uma vez por semana".

Natural das Furnas, em Ponta Delgada, Romeu explica-nos que, para um jovem na sua posição, “não havia muitas oportunidades”: “A única maneira de conseguir ganhar dinheiro era cantando na rua. Nunca tinha visto ninguém a fazê-lo naquela cidade, e pensei que talvez fosse uma boa ideia”.

Desistir não era uma questão. A música – sobretudo tradicional - já o acompanhava há demasiado tempo, por influência da família. Desde os três anos, mais precisamente. Começou na academia de música da terra, passando pelo conservatório, aprendeu a tocar piano e, entretanto, o clarinete, tendo inclusivamente integrado algumas filarmónicas locais com este instrumento. Já a guitarra, curiosamente, aprendeu mais tarde, a partir da internet. “O bichinho foi crescendo, até que comecei a fazer bandas de garagem e decidi que queria mesmo ser músico profissional”, conta.

Durante todo o percurso, Sandro G fez parte das suas referências. Romeu afirma que “qualquer pessoa” da sua idade, em São Miguel, é fã do antigo rapper, uma vez que “foi o primeiro artista açoriano a ter exposição no país inteiro”. Recorde-se, aliás, que este foi um dos convidados no programa de Herman José, em 2002, período em que deu a conhecer, oficialmente, o seu trabalho.

“Se falarem sobre os Açores com uma certa geração, não vão referir o Pauleta, nem a Nelly Furtado, vão referir Sandro G”, assegura o jovem. “Mas eu amo o Pauleta, o nosso Pauleta”, interrompe Sandro, em tom de brincadeira.

Quando Bairos chegou finalmente a Lisboa, viu-se obrigado a tocar novamente na rua para subsistir. “Não foi fácil”, declara, mas após a experiência no The Voice Portugal, o futuro já começava a parecer-lhe mais promissor. Ingressou num curso de jazz e, em 2019, estaria a lançar o seu primeiro EP, “Cavalo Dado”.

Voltou a ver o seu ídolo cerca de oito anos após o primeiro encontro. Estava em digressão e preparava-se para passar por Boston. “Combinei ficar uns dias com ele para fazer umas cenas no estúdio, e perguntei-lhe se me podia ir buscar ao aeroporto”, diz. “Cheguei e ele estava lá. Até tenho o vídeo do momento em que saí do avião”.

Em Fall River, Massachusetts, conheceu uma parte da realidade de Sandro, e garante: “Foi uma experiência fantástica”.

Temos mais de 200 mil pessoas nos Açores, mas cerca de 1,5 milhões de açorianos na América do Norte. Eles lá são bastante ligados à tradição, e isso é muito bonito", explica.

E já sofreu algum preconceito devido às suas origens? “De facto, nós, açorianos, somos diferentes. E nem sempre a diferença é bem aceite pelas pessoas”. O sotaque é um dos maiores alvos de julgamento. “Temos de levar muitas vezes com piadas um bocadinho chatas. Na altura não me incomodava tanto, agora incomoda-me mais”, desabafa. “Há pouca representatividade. Não ouvimos pessoas com sotaque da Madeira, Alentejo ou Norte nos meios de comunicação, somos sempre os ‘exóticos’”.

Aquela vida não era para Sandro G

“Eu não vou chorar. Esta vida não era para mim”: quem nunca ouviu este refrão, dificilmente irá compreender a relação entre Sandro e o último sucesso português da Netflix, “Rabo de Peixe”. E não nos referimos apenas à banda sonora, ou à elogiada interpretação de Romeu Bairos, mas mais do que isso: a uma mensagem que terá quase tantos anos quanto alguns protagonistas da própria série.

No âmago da internet, encontramos o videoclipe de um dos maiores êxitos de Sandro G, onde este nos surge manifestamente mais novo, numa roupagem que lhe é muito própria. Foi gravado há cerca de duas décadas, nesta vila que, além da pesca, de pouco mais vivia. Onde, em 2001, meia tonelada de cocaína deu à costa, afetando gravemente não só aquela geração, mas as que ainda estariam por vir.

Revela-nos de que forma aquele incidente o marcou, desde amigos levados pela morte, a familiares na prisão até aos dias que correm. É mágoa que sente, quando encara o passado. “Há mais histórias que eu não posso contar. Um dia, fora daqui, eu conto”, promete.

Sabemos que se chama Sandro Dinis Raposo Gomes. Nasceu no dia 27 de março de 1974, em São Miguel, onde permaneceu até aos nove anos. Foi introduzido ao mundo da droga e do crime quando se mudou para os EUA e canalizou a sua experiência num CD independente, dedicado aos portugueses emigrados na América. Fê-lo com a ajuda de um amigo, Bobby, que terá, entretanto, morrido nos seus braços.

Seis anos volvidos, regressou a São Miguel para acompanhar a sua avó. Foi lá que temas como “Eu não vou chorar” e “Galinha” chegaram aos ouvidos de Paulo Silva, que se autopropôs a gerir a sua carreira em 2002. No mesmo ano, atuou no programa de Herman José e atraiu a editora N.Z., uma das mais conceituadas do país. Desse contrato, nasceu “Tu és uma Galinha”, o seu segundo CD.

Num pequeno documentário realizado por Tiago Câmara, e disponibilizado no YouTube, Sandro explica que assinou o documento em Lisboa, sem a presença de um advogado, com poucos conhecimentos de português. “Fui pegar num gajo que trabalhava na universidade e era dono de um restaurante de peixe, para tomar conta dos meus assuntos de música”, lamenta, referindo-se a Paulo Silva. “Disse-me que ia ganhar muito dinheiro, que ia ser espetacular, ia atuar com o Fernando Rocha”.

Lembra-se de um concerto na Praia de Pópulo, em Ponta Delgada, no qual terão aparecido sete mil pessoas. A entrada custaria cinco euros, 35 mil euros no total. Desse valor, apenas 500 euros terão chegado às suas mãos.

“A sair com a jet set Lili Caneças, passeando com o Fernando Rocha, ao lado de Gabriel o Pensador, curtindo noites com o Virgul dos Da Weasel, e passando fome”, diz, revoltado. “Nunca passei fome, nunca me faltou nada na vida, até chegar a Lisboa e assinar um contrato de música”. Afirma ainda que, dos trabalhos lançados naquele período, nada ganhou.

À CNN Portugal, Sandro conta que tinha a mulher grávida nos Açores. Acabou por desistir da carreira e acredita que, se não o tivesse feito, hoje vivia na miséria. “Olhem para os artistas do meu tempo. Onde é que eles estão agora? Não sei onde eles estão”, junta. Já Sam The Kid, é para si “the greatest of all time”, o melhor de todos os tempos. Também enaltece a obra das gerações seguintes, como Regula e Plutónio.

Aos 28 anos, enganado por aqueles que lhe haviam prometido uma carreira de sucesso, voou novamente até aos EUA, e por lá se restabeleceu.  

Descobriu, entretanto, que não recebia pela venda dos seus discos e eis que, num ato de vingança, levou 10 mil CD’s dentro de um avião da SATA para Rabo de Peixe. Foram todos oferecidos à população da vila. “Dei tudo de graça”, afirma. Ia pelas ruas e entregava os CD's "às caixas" por onde quer que passasse. 

Importa ressaltar que tudo isto aconteceu quando a ilha se via a braços com as toneladas de cocaína que deram à costa . "As pessoas da SATA ficaram logo nervosas", lembra. "Tinha 100 caixotes e 12 carrinhos de mão. A polícia achava que era droga, até chamaram os cães”.

Terá pago cerca de 20 mil euros por tudo. Não só pela quantidade exorbitante de CD's, mas para os inserir num avião, pela viagem, e ainda impedir que ficassem retidos. 

Da realidade à ficção

Quando surgiu a ideia de criar uma série baseada na tragédia de 2001, o realizador Augusto Fraga, também ele natural dos Açores, sabia quem tinha de ter do seu lado. Sandro era – tal como o próprio se intitula – um “açoriano puro”. Contactou Vasco Eusébio, que já conhecia o rapper de outras produções, e este fez a ponte. “Ligou-me e disse-me que um Augusto Fraga queria falar comigo por causa de uma ideia”, relata Sandro. Acabaram por se entender e dali nasceu uma amizade. “Somos os dois lá das ilhas, conhecemos a cultura”, justifica-se. Propuseram-lhe que prestasse consultoria durante a produção do guião, e aceitou. “Muita gente não sabia o que se passava naqueles dias por lá”, diz.   

Os atores principais estavam praticamente escolhidos e havia, inclusivamente, habitantes locais interessados em participar, mas faltava uma peça essencial para completar a narrativa: o próprio Sandro G, só que há uns bons anos atrás. E ninguém melhor para o interpretar, senão Romeu Bairos.

“Andávamos sempre para a frente e para trás, até que o Augusto perguntou ‘Sandro, o que é que tu achas de o Romeu fazer a tua parte?’, e eu disse ‘Beautiful!’”, conta.

É certo que Romeu não tinha formação de ator, mas era açoriano “de gema”, conhecia os temas de Sandro G e, acima de tudo, a sua história. Foi ainda o primeiro a produzir uma versão da música “Eu não vou chorar” com viola da terra (instrumento tradicional dos Açores), cujo videoclipe foi também filmado em Rabo de Peixe. “Achei que, se calhar, iam usar uma música minha para a série”, diz o jovem, recordando o jantar da produção para o qual foi convidado. Interpretou o conhecido tema frente a Augusto Fraga, que não lhe ficou indiferente. Dias depois, estaria a ser contactado. Acredita que “estava no sítio certo à hora certa”.

Ouvem-se as gargalhadas de Sandro do outro lado do ecrã, antes que Romeu pudesse continuar: “Ele ligou-me a chorar, porque tinha de cortar a barba e rapar o cabelo”. Para se render à personagem, disse “adeus” àquilo que mais o caracterizava. Vemo-lo agora, em “Rabo de Peixe”, praticamente irreconhecível. Mas o processo também implicou um estudo intensivo dos maneirismos do amigo. “Tive de ver todos os vídeos que ele tem na internet, porque eu não ia fazer o Sandro da idade que ele tem agora, ia fazer o Sandro de há 20 anos”, explica. “Falava com ele todos os dias e tive sempre cuidado em fazer as coisas da melhor maneira”.  

Questionámos ainda a veracidade de algumas cenas que envolvem o rapper na série. Entre elas, a divulgação do nome “Sandro Jeans” na publicidade ao seu concerto. Fez-se silêncio. Romeu desaparece por breves instantes e regressa com um cartaz que comprova as nossas suspeitas. Nele, a imagem do Sandro original, e “Jeans” no lugar de “G”. Luta para conter o riso. “Aconteceu”, reforça. “Não havia redes sociais na altura, e ninguém sabia que o nome era Sandro G, porque ninguém o sabia pronunciar em inglês”.  

"Uma nova fase" para Rabo de Peixe

A produção de Augusto Fraga e Patrícia Sequeira é a segunda série portuguesa, realizada em Portugal, a integrar a plataforma Netflix, depois de “Glória”.

Desde o seu lançamento, a 26 de maio, conquistou fãs de várias partes do mundo, tendo entrado para o topo de séries mais vistas em 33 países em menos de uma semana. Foi até confirmada, este mês, uma segunda temporada.

Mas o que pensam os moradores da vila onde tudo aconteceu? Uns acreditam que a série poderá aumentar o preconceito já existente. Outros dizem que poderá ajudar a desenvolver o turismo na região.

“A gente não está a falar mal da vila, não é isso. Adoramos a vila e as pessoas, porque tem coisas lindas”, defende Sandro. Sugere as imagens de David Medeiros, no videoclipe de Romeu Bairos, como exemplo disso. “Aquilo mostra Rabo de Peixe. Não vês droga, não vês gangsters nem traficantes, vês pessoas a rir e a falar”, descreve. "É preciso perceber que ali nem toda a gente é drogada e há muita gente honesta".

Ainda assim, Sandro considera importante contar finalmente a história como ela aconteceu. “Muitas pessoas tinham medo de falar para não irem presas, mas também havia quem ficasse calado porque queria esquecer. Sentiam vergonha, não eram aquilo”, esclarece.

Já Romeu encara a série como “um trabalho de ficção genial, feito por pessoas geniais”, destacando a possibilidade de alertar os mais jovens para os perigos das drogas.

Com 16,98 km2 de área e mais de 8500 habitantes – de acordo com o censo de 2021 – Rabo de Peixe é uma vila do município da Ribeira Grande, na ilha portuguesa de São Miguel. É, aliás, a maior freguesia dos Açores.

É lá que se encontra o maior porto de pesca e a maior comunidade de pescadores do arquipélago, com cerca de uma centena de embarcações dedicadas a levar peixe fresco aos residentes. Há boa gastronomia, há festas, há sorrisos, mas haverá futuro nesta que é também a zona mais pobre do país?

No ano passado, o jornal Expresso avançava que 30% da população vivia com apoios do Estado. Faltam rendimentos e falta escolaridade. Os efeitos devastadores do acontecimento de há 22 anos ainda são visíveis. Então, o que é que falhou?

Os meios de comunicação passam muitas vezes a mensagem errada”, atira Sandro. “Em Ponta Delgada, no centro da cidade, se calhar vais ver muito mais pessoas sob influência de drogas do que em Rabo de Peixe”. Romeu concorda com esta afirmação. “É uma desgraça”, reitera. “E quem tem poder ainda não fez nada que fosse eficaz”.  

Consideram que o que falta agora é investimento. “Um hotel, uma avenida, lojas, shopping e mais turismo”, enumera o ex-rapper. “Agora é que temos de nos preparar para as pessoas que vêm de fora, por causa da série”. Sandro confidencia-nos a sua vontade de propor ao presidente da Junta, Jaime Vieira, a criação de um hotel. “Era um grande sucesso, dava emprego e ajudaria a economia”, defende.

Romeu fala-nos ainda do cineteatro da vila piscatória, que está em vias de ser vendido, e mostra-se preocupado com o acesso da população à cultura. “A cultura é educação”, declara. “É preciso sensibilizar os jovens para isto e, já agora, para o desporto. A equipa de Rabo de Peixe vai para a Primeira Liga um dia”, ri-se.

Ambos esperam que o sucesso da série “mude mentalidades”, e leve alguma “estabilidade” àquela região. “Aquele episódio destruiu a vida de muitas pessoas, mas elas têm uma força incrível e conseguiram superar isso”, observa Sandro. “Agora estamos em cima, é uma nova fase para Rabo de Peixe”.

E agora, Sandro?

“Podes tirar o homem da ilha, mas não podes tirar a ilha do homem”, ouvimos Sandro dizer, enquanto nos guia pela sua casa em videochamada. Passa por uma bandeira de Portugal e outra dos Açores. “Estamos na América, mas não vês uma bandeira americana aqui”, brinca.

Construiu um lar para si, para o seu pai, já com 75 anos, para a sua mulher e os seus quatro filhos, três rapazes e uma rapariga. Um deles, com 19 anos, já tem até nome artístico – Sandro G2 – e ambiciona seguir as pisadas do pai.

Sandro mostra-nos, orgulhoso, os animais da quinta: cães para criação, três cabras – Miguel, Maria e Charlie Brown – vários pombos e algumas galinhas. Ao lado, vemos motas e tantos carros que lhes perdemos a conta. “Este aqui é o preço de uma casa em Rabo de Peixe, aquele ali também. Este aqui não é meu, é de um dos meus empregados”, vai apontando. “Este aqui é do Romeu, para quando vier cá”. Ambos soltam uma gargalhada.

Conta-nos que tem duas empresas - de construção e de limpeza - mas também vai escrevendo músicas para si, embora nunca cheguem a ver a luz do dia.

Antes de nos despedirmos, perguntamos-lhe se, após tantos anos, é feliz. “Se sou feliz?”, questiona, abraçando a mulher. “É isto que me faz feliz. Sou pai, marido, honesto, homem de família. Criei os meus filhos todos e acabaram a escola com sucesso”.

Explica que vários anos na cadeia e nas ruas o mudaram “completamente”. Ainda que as propostas para um eventual regresso à ribalta não parem de surgir, está decidido: “Não preciso mais disso, agora é sempre para a frente”.

Quando morrer, não deseja as lágrimas de ninguém, mas sim "uma celebration of my life", declara, de braços no ar. E a versão de Romeu Bairos do tema “Eu não vou chorar” será ouvida, assim como ela é, “calminha”. 

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