Putin reúne-se com Xi (e outros líderes mundiais) para mostrar que ainda manda - mas o que aconteceu está longe de agradar à China

CNN , Análise de Jessie Yeung
3 jul 2023, 22:00

As potências ocidentais e os observadores dos países democráticos têm considerado a rebelião como um momento de fraqueza para Putin. No entanto, a situação pode ser encarada de forma muito diferente para outros líderes autoritários, que já enfrentaram as suas próprias lutas pelo poder

Esta semana todas as atenções estarão viradas para Vladimir Putin, com o presidente russo a fazer a sua primeira aparição na cena mundial desde que a insurreição da Wagner ameaçou a sua liderança.

Na terça-feira, Putin deverá participar numa cimeira virtual da Organização para a Cooperação de Xangai (SCO), grupo de segurança regional pró-russo, liderado por Pequim e Moscovo.

Mas embora os líderes destas nações tenham, até agora, proporcionado uma audiência simpática a Putin, a sua presença - ainda que virtual - poderá oferecer uma espécie de janela sobre a extensão do seu apoio após a quase crise de há pouco mais de uma semana.

Na breve e caótica insurreição, a Wagner - grupo mercenário privado liderado pelo senhor da guerra Yevgeny Prigozhin - tomou o controlo de importantes instalações militares em duas cidades russas. Enquanto milhares de combatentes marchavam em direção a Moscovo, onde o Kremlin enviou para as ruas tropas fortemente armadas, parecia que a guerra civil estava prestes a eclodir.

Um acordo secreto pôs abruptamente fim à rebelião, com os combatentes wagnerianos a recuarem e Prigozhin a ser enviado para a Bielorrússia. Mas, uma semana depois, ainda há muito por esclarecer sobre os pormenores do acordo, o destino da Wagner e o que isto significa para o regime de Putin.

Estas questões estarão provavelmente nas mentes de outros líderes presentes na cimeira virtual de terça-feira, incluindo o chinês Xi Jinping e o indiano Narendra Modi - cujo país é o anfitrião do encontro deste ano -, bem como de representantes de Estados asiáticos como o Paquistão, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tajiquistão e o Uzbequistão - muitos dos quais, tal como Putin, são líderes pela força.

Os especialistas acreditam que Putin utilizará o fórum para projetar uma imagem de poder e assegurar aos parceiros de Moscovo - e, por extensão, ao mundo - que continua firmemente no controlo.

"É virtual, por isso não vão estar presentes em pessoa, caso contrário estariam lado a lado, homens fortes a mostrar força", disse Derek Grossman, analista sénior de defesa da RAND Corporation, think tank norte-americano.

Segundo Grossman, muitos dos líderes reunidos na cimeira olham para a Rússia e para a China quase como modelos de como querem gerir as suas sociedades enquanto regimes autoritários.

"Se Putin for visivelmente abalado por esta insurreição, isso dir-lhes-á alguma coisa - que mesmo o mais forte dos homens fortes não é necessariamente imune a potenciais insurreições nos seus países", observou Grossman.

Participantes na 22.ª cimeira de líderes da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) em Samarkand, Uzbequistão, a 16 de setembro de 2022. Murat Kula/Anadolu Agency/Getty Images

A visão China-Rússia

Fundada em 2001 pela China, Rússia e por vários antigos Estados soviéticos da Ásia Central para combater o terrorismo e promover a segurança das fronteiras, a SCO cresceu em dimensão e alcance nos últimos anos, no meio dos esforços de Xi e Putin para contrariar a influência ocidental.

Espera-se que o Irão se torne membro de pleno direito este ano, depois de ter assinado um memorando de obrigações na cimeira do ano passado; a Bielorrússia, um parceiro russo próximo que ajudou a lançar a invasão inicial da Ucrânia, é também convidada como Estado observador e poderá em breve tornar-se membro de pleno direito, segundo os especialistas.

Xi e Putin, há muito os dois autocratas mais poderosos do mundo, estabeleceram laços estreitos nos últimos anos, declarando uma amizade "sem limites" em fevereiro de 2022, pouco antes de Putin lançar a sua invasão da Ucrânia.

Desde então, a China recusou-se a condenar a guerra e, em vez disso, forneceu o tão necessário apoio diplomático e económico à Rússia, culpando a NATO de provocar o conflito e amplificando a desinformação do Kremlin.

Mas a guerra vacilante de Putin colocou pressão sobre a parceria China-Rússia.

"Xi não quer estragar completamente as relações da China na Europa por causa disto, não quer que a China se torne um alvo maior da NATO do que já era antes da guerra", considerou Grossman, embora tenha notado que os maiores benefícios da relação Rússia-China superam quaisquer dúvidas que Xi possa ter sobre a guerra vacilante e o seu impacto na imagem global da China.

Na terça-feira, Xi fará o discurso de abertura da cimeira através de videochamada, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. Para Putin, um apoio claro de Xi teria um valor significativo.

Yasuhiro Matsuda, professor do Instituto de Estudos Avançados sobre a Ásia da Universidade de Tóquio, sugeriu que Pequim está numa posição difícil porque "a Rússia está a perder e não é algo que a China possa controlar".

Depois da invasão de Putin, o melhor cenário para a China era "Putin ganhar a guerra num par de dias ou semanas, a administração de Zelensky entrar em colapso e a Europa não poder fazer nada e os EUA não poderem fazer nada". "Este era o melhor cenário para a China - e já passou", sublinhou Matsuda.

Na terça-feira, apesar da turbulência, "Xi Jinping também tem de mostrar a sua autoridade e poder ao público interno, por isso vai comportar-se como antes - é o que vamos ver", acrescentou Matsuda.

Regimes autoritários olham para Moscovo

As potências ocidentais e os observadores dos países democráticos têm considerado a insurreição como um momento de fraqueza para Putin. No entanto, a situação pode ser encarada de forma muito diferente pelos outros líderes autoritários presentes na cimeira, que já enfrentaram as suas próprias lutas pelo poder, observam os especialistas.

O Cazaquistão, membro da SCO, foi palco de protestos mortais em 2022, alimentados por um descontentamento generalizado com o governo. A violência que se seguiu causou a morte de mais de 160 pessoas e milhares de detidos, tendo as autoridades solicitado tropas à Rússia para ajudar a conter a agitação. 

Em contrapartida, Putin conseguiu pôr termo à insurreição da Wagner antes que esta chegasse à capital, sem derramamento de sangue. Mandou o seu opositor, Prigozhin, para o exílio e pode até ganhar controlo sobre os combatentes da Wagner que aceitem assinar contratos com os militares russos.

"Aos olhos dos chineses e de outros membros (da SCO), trata-se de um feito espantoso, porque não há muitos estadistas que o consigam fazer", argumentou Alexander Korolev, professor catedrático de política e relações internacionais na Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.

Isso não quer dizer que os outros membros não tenham dúvidas sobre o que aconteceu, notou Korolev.

"Mas penso que eles compreendem que (a insurreição) não é o fim do regime de Putin. Nos regimes autoritários, os líderes são desafiados de tempos a tempos e ele demonstrou ao mundo e às suas elites que consegue lidar com enormes desafios."

A questão da Índia

Num mar de líderes autoritários, o indiano Modi continua a ser uma espécie de homem estranho.

Modi, eleito democraticamente, que participa na cimeira deste ano da SCO depois de se ter encontrado com o presidente dos EUA, Joe Biden, durante uma visita de Estado a Washington, tornou-se uma figura-chave nos esforços ocidentais para contrariar a crescente influência da China no Indo-Pacífico.

"A Índia destaca-se dos restantes países da SCO, mas não creio que se sinta minimamente desconfortável, porque a sua política externa consiste em ser amiga de todos e inimiga de nenhum. Não os vejo a falar alto ou algo do género", explicou Grossman.

A cimeira deste ano, embora virtual, é organizada pela Índia. Os ministros da defesa e dos negócios estrangeiros do grupo participaram em reuniões presenciais no Estado indiano de Goa no início deste ano.

A Índia tem fortes laços com a Rússia, que continua a ser o maior fornecedor de armas da Índia. Nova Deli não tomou uma posição definitiva na guerra da Ucrânia, e a sua compra contínua de petróleo russo tem ajudado a sustentar a economia de Moscovo - para desânimo de alguns parceiros ocidentais.

Modi fez manchetes na cimeira presencial da SCO do ano passado em Samarkand, no Uzbequistão, quando disse a Putin que agora não é altura para a guerra, parecendo rejeitar diretamente a invasão. Mas o apoio económico contínuo da Índia à Rússia minou essa mensagem de paz - e a declaração do ano passado pode ser o máximo que Modi está disposto a ir.

*Simone McCarthy e Nectar Gan contribuíram para este artigo

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