opinião
Comentadora de política da CNN Portugal

"A rosa do PS murchou e nunca mais voltou"

11 jan, 16:44
Pedro Nuno Santos no encerramento do Congresso do PS (Lusa/Miguel A. Lopes)

MEMÓRIA DA POLÍTICA || Anabela Neves recupera memórias da política para trazer novas luzes à atualidade

Houve muitos punhos erguidos nos três dias do 24º congresso do PS!

Muito em especial o do novo líder que percorreu, vigorosamente, o enorme palco da FIL com o punho esquerdo levantado no ar com o orgulho de quem parece estar a recuperar algo precioso.

Pedro Nuno Santos foi mais longe na sessão de encerramento.

Quando toda a sala entoava o hino nacional ergueu o punho para acompanhar o refrão ”Às armas, às armas! Pela Pátria lutar, Contra os canhões marchar, marchar!” . 

Do palanque da CNN Portugal vi Carlos César, a seu lado, fazer  o mesmo um segundo depois quando se apercebeu do gesto. No palco eram poucos os dirigentes e militantes a fazê-lo, talvez porque não faz parte da coreografia política do PS. 

Na esquerda portuguesa, só uma parte dos militantes do PCP ergue o punho (o direito dos movimentos comunistas) na parte final do refrão.

A honra visível com que Pedro Nuno Santos “puxou” pelo  velho símbolo dos partidos socialistas de uma Europa onde estão em decadência aponta para uma nova via mais à esquerda? Ou foi apenas mais um elemento simbólico de um espetáculo bem planeado e montado na FIL?

Antes de mais a iconografia do congresso foi marcada pela vistosa bandeira socialista do Sr. Joaquim Banha, um antigo vizinho da minha infância com quem me fui cruzando nos congressos. Eu como jornalista, ele como militante de Coruche que continua a carregá-la para estes grandes momentos da vida do PS apesar dos seu 82 anos. 

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No centro desta bandeira histórica o punho a amarelo em fundo vermelho; nos três grandes painéis do palco o punho; no hino o punho (na sua versão atual) que simbolizava, inicialmente, a luta dos trabalhadores e a resistência contra o fascismo.

Nestes 50 anos ganhou outros significados – força, solidariedade, unidade, desafio – teve alterações gráficas importantes e maior ou menor protagonismo consoante os líderes. E apagou-se com o “partido da rosa” de António Guterres

Nesta Memória da Política recuemos a 1973 e ao fundador Manuel Tito de Morais, exilado em Itália onde dirigia, publicava e distribuía o Portugal Socialista, órgão oficial da Ação Socialista Portuguesa (ASP), embrião do PS. 

É ele que apresenta a primeira imagem oferecida pelo pintor e militante do Partido Socialista italiano, Enzo Brunori: um punho fechado, atravessado por uma espada partida que representava o fascismo derrotado. 

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O símbolo  era forte com o punho da espada em forma de cruz o que sugeria pulsões anticlericais que não faziam parte do percurso de Mário Soares. Nem de um PS que vai deixando cair as causas marxistas da sociedade sem classes e da economia estatizante aproximando-se da social-democracia europeia. 

No fundo, a espada desaparece a seguir ao 25 de Abril porque “esse grafismo tornava o símbolo demasiadamente radical”. (Luís Novaes Tito, in blogue “A Barbearia do Sr. Luís”)

Um outro fundador com uma memória enciclopédica sobre tudo isto, José Neves, recordava em 2002 que o punho foi escolhido para separar as águas em relação à foice e ao martelo do PCP e do comunismo internacional. (Nuno Guedes, in “Os símbolos do Partido Socialista: o punho e a rosa, significados e evolução”)

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Nos anos de 1990 o punho estiliza-se. Perde o braço, músculos e veias e fica mais arredondado. É o início da era Guterres depois de uma das mais agressivas disputas da vida do PS contra Jorge Sampaio.

A década é de reposicionamento estratégico dos partidos socialistas de Espanha (PSOE), Grécia (PASOK), Itália (PDS-DS) e Portugal. 

Francisco Assis, o mais jovem presidente de uma autarquia na altura (Amarante), é um dos que defende uma mudança programática  mas também visual. Um dos braços-direitos guterristas, António José Seguro, idem. 

A “nova simbologia do PS”  é apresentada em junho de 1992, por Edite Estrela, responsável pela comunicação. 

O punho mantém-se como símbolo oficial nos estatutos mas cede o lugar à rosa no logótipo. E o fundo “vermelho agressivo é substituído pelo rosa tranquilo”. Adelino Cunha, in “António Guterres: Os segredos do poder”)

Deixa de se ouvir o hino a “Internacional” de Manuel Alegre. Vangelis, e a banda sonora do filme sobre a descoberta da América, será a roupagem sonora que invade congressos e campanhas. 

Na moção que leva ao congresso da vitória em 92, António Guterres promete diálogo, coração e paixão. Enquanto repórter da SIC lembro-me do líder que tentava “seduzir” jornalistas em longas conversas de pé de orelha, onde exibia cultura e charme (e fazia spinning) para evidenciar  o contraste com a secura e distanciamento do antecessor, Cavaco Silva.

O novo desígnio à época era conquistar o centro político e “falar para todos os cidadãos” e não apenas para o eleitorado com “uma consciência ideológica da esquerda”. (Adelino Cunha, in “António Guterres: Os segredos do poder”).

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Inspirado nos ares do Reino Unido de Tony Blair e dos Estados Unidos de Bill Clinton, o “partido da rosa” transforma-se numa máquina extremamente profissional e eficaz que percorre o país na caravana da Nova Maioria, nas legislativas de 1995, onde domina o verde e vermelho da bandeira nacional.  

Parte dos históricos socialistas nunca gostou desta guinada à direita para um socialismo de mercado, mais liberal na economia. Muito menos da rosa guterrista, a que alguns chamavam a “couve repolho da Edite Estrela”.

Não surpreende que o  punho e a Internacional regressem com um líder mais à esquerda, Ferro Rodrigues, depois do fracasso do segundo governo de Guterres. 

E que em 2004 a rosa retome o esplendor com José Sócrates. 

Entre punho e rosa, rosa e punho...tem sido um autêntico vaivém simbólico e gráfico que espelha as contradições de um partido mais à esquerda, centro ou direita consoante o pragmatismo dos seus líderes tal como constatei na primeira crónica da Memória da Política.

Mais surpreendente será que um dos maiores operacionais do guterrismo recupere, novamente, o punho no pós-socratismo em setembro de 2011. Em conversa com o jornalista do Público, Luciano Alvarez, António José Seguro explica que “não tem outro significado do que o PS está neste congresso com os seus valores”. porque as pessoas “precisam de referências” em tempo de incertezas. 

Mário Soares nunca se deixou convencer por aquilo que o Público identificava então como: “A rosa murchou e o velho punho erguido está de volta em força”. Só fica satisfeito quando António Costa se candidata contra Seguro nas eleições primárias, em 2014. 

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Aí sim desabafa no tom que marcou os seus últimos anos de vida: “acho que nos vai fazer permitir que o nosso querido PS, do punho erguido à esquerda e dos socialistas que não têm medo de ser tratados por 'camaradas', se mobilize para construir um futuro diferente”. (Mário Soares, in artigo no Público).

Como era de esperar o líder socialista mais à esquerda depois de Ferro Rodrigues manteve o velho símbolo com a imagem que tem desde Seguro. No congresso da consagração de António Costa lá estava ele, lado a lado com a bandeira nacional. E nunca mais saiu de cena!

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Nove anos depois, na mesma sala na FIL, ganhou ainda mais protagonismo com Pedro Nuno Santos, o “jovem turco” a quem só faltava ser secretário-geral do PS como  confessou na Antena 1, à jornalista Maria Flor Pedroso, em 2018, antes do congresso da Batalha.

Neste primeiro fim de semana de janeiro de 2024 não só andou de  punho cerrado erguido, como se vestiu com o descuido informal de um líder “desengravatado”. Só faltou a Internacional de Alegre para o retoque final numa  imagem mais próxima de outras paragens ideológicas.

No pavilhão ouviu-se sim o som poderoso do instrumental “New Age” de Keith Merrel apropriado à “nova era” de um homem do século XXI, que corria pelo espaço, sozinho, com a energia dos 46 anos e a performance de um rockeiro tipo Mick Jagger.

Para esconjurar qualquer suspeita de radicalismos esquerdistas do passado, os apoiantes e ideólogos garantem que quem esteve em palco é um social-democrata e um reformista... e nada mais. 

Se o pragmatismo dos líderes anteriores se pegar à pele de Pedro Nuno Santos poderá ser isso que veremos no futuro?! Certo é que a rosa murchou e nunca mais voltou.

Como sempre deixo algumas citações destes anos:

“Sempre prensei que mais tarde ou mais cedo (António Guterres) seria candidato à liderança do PS. Isto estava escrito nos astros. Discordo totalmente é que seja agora”. Jorge Sampaio no Expresso, 1992

“Foi um momento de grande significado em que se cantou o hino a Internacional de Manuel Alegre (...) se ergueram punhos esquerdos no fim do acto e se gritou PS, PS, toda a simbologia que Manuel Alfredo Tito de Morais sempre incentivou na fundação e na organização do PS”. (Luís Novaes Tito, in blogue Manuel Tito Morais, julho 2010.

A última vez que o ouvi (a Internacional) foi no encerramento das comemorações do Centenário de Tito de Morais, na sessão que se realizou no Largo do Rato e que, para espanto de muitos, foi entoado pela maior parte dos presentes que o sabiam de cor. ((Luís Novaes Tito, in blogue “A Barbearia do Sr. Luís”, setembro 2011). 

“Por isso disse que a “grande vitória” (nas europeias) anunciada por Seguro foi uma vitória de Pirro. Que não pode deixar de desagradar aos socialistas a sério que tenham uma ambição para lá de ganhar eleições — a ambição de dar a Portugal uma alternativa de esquerda, coerente e credível. (..) Impõe-se, mais do que nunca, uma política corajosa que faça a ruptura com a direita e com as políticas da direita”. (Mário Soares no artigo sobre o apoio a António Costa, in “Resposta ao povo”, maio 2014)

“Dezoito dos valores que fazem parte da nossa declaração de princípios e do nosso património estão sala do congresso. Este é um momento muito importante para afirmar os princípios do PS. As pessoas vivem momentos de incerteza, de desespero e precisam de referências. E nada melhor do que nós valorizarmos uma das coisas mais importantes que são os nossos valores e agirmos de acordo com os nossos princípios”. (António José Seguro, in Público, 11 setembro 2014)

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