Todos querem um lugar no “congresso da unidade”: mesmo que no PS “haja sempre” quem tenha de “engolir sapos”

5 jan, 07:00
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista, visita as oficinas da CP em Guifões, Matosinhos (Lusa/ José Coelho)

Arranca esta sexta-feira o 24º Congresso do PS. Apesar da disputa acesa para encontrar o sucessor de António Costa, os socialistas garantem que a cedência de lugares de Pedro Nuno Santos ao ex-rival apaziguou os ânimos. A engolir sapos, dizem, só na hora de constituir listas. A ideia é agora mostrar ao País que o partido está unido, sem "dirigentes kamikaze"

Quando se pergunta aos socialistas o que esperam do 24º Congresso do PS, que arranca esta sexta-feira, há palavras que se repetem sem forçar: será um congresso de “unidade”, de “união”, de “honrar a tradição”, “mobilizador”.

Depois da disputa interna para a escolha do novo secretário-geral, os militantes ouvidos pela CNN Portugal garantem que as feridas internas estão saradas. “O PS tem uma tradição grande de, mesmo havendo disputa, saber unir-se no fundamental”, argumenta o deputado Ivan Gonçalves.

“Este é mais um momento que vem provar a história do PS: que os líderes e candidaturas sabem discutir nos locais certos. E que, depois de encerrado o momento do congresso, o partido sempre se soube unir em torno do líder”, reforça João Portugal, líder de federação de Coimbra e amigo próximo de Pedro Nuno Santos.

Mas também aqueles que apoiaram o ex-rival interno, José Luís Carneiro, alinham nesta narrativa. É o caso de Jorge Lacão, que diz ter “as melhores expectativas em relação ao Congresso e ao futuro do PS”. “O PS demonstrou ter plena noção das responsabilidades que lhe cabem” ao “unir-se e mostrar-se coeso ao nível dos dirigentes e do programa”.

Espera-se por isso um congresso calmo, sem grandes discussões paralelas, de celebração. “Vai ser um congresso normal, sem grandes notícias. Porque acontece numa circunstância especial, em que o Governo não tinha extinguindo a sua capacidade de governar”, traça Ascenso Simões.

A solução que apaziguou divisões internas

Um dos argumentos de peso para este clima de unidade interna é o acordo alcançado entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, para que este último possa indicar 35% dos nomes nas listas para os órgãos do partido.

Os militantes admitem que esse cenário ajudou a tranquilizar alguns dos receios quanto ao sucessor de António Costa, conotado com uma ala mais radical do partido. “Ambos perceberam que os interesses do partido estão acima dos atritos de cada candidatura”, resume Ascenso Simões.

Também Maria Antónia Almeida Santos, que apoiou Carneiro, considera que a disputa interna “não se traduziu numa rutura ou divisão do partido”. “Ao ser o líder, neste momento, é o líder de todos nós. E mostrou, para mim, sinal de inteligência ao tentar unir o partido, com as quotas”, argumenta.

“Já assisti a algumas disputas internas. E nesta, ao final da primeira semana, já não conseguia identificar essas tais cicatrizes internas. Não me parece que elas sejam a tónica do congresso. A forma como se chegou a acordo sobre a composição dos órgãos nacionais dará essa capacidade de aglutinar”, reforça Luís Testa, presidente da federação de Portalegre.

Ainda assim, há quem considere que a lista única não seria fundamental, porque essa unidade “aconteceria sempre”.

Engolir sapos? Só mesmo quando chegar a hora das listas

Unidade não significa que no PS tenham existido diferentes formas de pensar e de projetar o futuro do partido.

“Uma das grandes virtudes do PS é a sua capacidade de liberdade interna, de afirmação de opiniões internas. Não vejo nenhum trauma, nenhum drama, é um processo normal”, argumenta Adalberto Campos Fernandes, que apoiou Carneiro.

Também Ascenso Simões lembra que o PS “é um partido constituído por muitas famílias". "A unidade na ação não quer dizer unicidade no pensamento. O PS não é conhecido por ter dirigentes kamikaze. Sabe que a 10 de março temos uma eleição, que é mais importante que as questões internas”, refere.

Mas isso quer dizer que haverá socialistas a engolir sapos no próximo congresso, perante a celebração de um líder em que não se reviam ou reveem? “É um líder com toda a legitimidade. Não tem que criar nenhum incómodo a ninguém. Se alguém estará incomodado, eu não conheço”, reage Maria Antónia Almeida Santos.

“No PS não se engole sapos. Quem não está bem, não vai. O PS sara sempre as feridas rapidamente”, completa Álvaro Beleza. Ausências na reunião magna poderá haver, diz na brincadeira, até porque “há agora muita gente com gripe”.

Contudo, entre os socialistas ouvidos pela CNN Portugal, há quem admita que, mais tarde ou mais cedo, haverá gente a engolir sapos. Dizem que é normal, que faz parte do jogo político. Fará sentir-se sobretudo com as escolhas para as listas dos órgãos do partido ou mesmo de deputados.

“Quando há escolhas, há sempre sapos que vão ser engolidos. Já temos anos destas circunstâncias. Não é nada de novo. Haverá sempre vozes dissonantes. Se são as principais figuras do partido, não acredito”, traça Ascenso Simões.

“Não há nenhum partido com liberdade interna que não tenha pessoas mais ou menos satisfeitas”, concorda Jorge Lacão.

Mas, segundo Luís Testa, “faz parte da vida”: “há sempre muitas expectativas sobre a constituição de listas. Há quem veja as suas expectativas concretizadas, outras não”.

Falar para o País. “O PS é como os barcos à vela. Quando se inclina muito para a esquerda, há uns que vão para a direita fazer contrapeso”

Pedro Nuno Santos fará dois discursos neste 24º Congresso do PS. O primeiro espera-se mais virado para a vida interna do partido e os seus desafios eleitorais. O segundo deseja-se voltado para o País, com a clarificação daquilo que une e separa o novo líder do PS do antecessor António Costa.

“É tempo de enterrar todas as ressonâncias da disputa interna. A partir de agora, o PS tem de concentrar-se na construção de um programa de governo e na apresentação de propostas”, define Ivan Gonçalves.

Contudo, os socialistas não antecipam que esse momento de clarificação tenha lugar neste congresso, até porque o programa de governo ainda será desenhado, em aliança com os contributos da candidatura de José Luís Carneiro. Haverá margem para revelar novas vontades, dizem, mas sem grande aprofundamento.

“O congresso será uma base para a discussão do programa de governo que será elaborado durante as próximas semanas”, traça João Portugal.

Pedro Nuno Santo é conhecido pela sua tendência de virar à esquerda. Mas, no partido, argumenta-se sempre pelo equilíbrio. Mesmo quem o apoia, como Álvaro Beleza: “ O PS é como os barcos à vela. Quando se inclina muito para a esquerda, há uns que vão para a direita fazer contrapeso. E vice-versa”.

Os socialistas definem um conjunto de temas onde Pedro Nuno Santos terá de vincar posição desde o primeiro minuto, tirando partido da sua experiência pessoal e de governante: como favorecer o crescimento da economia e uma política industrial, como subir o salário mínimo, como colocar a ferrovia ao serviço do País, como resolver o problema da habitação.

Áreas onde pode ser mais difícil inclusive o novo secretário-geral do PS convencer o eleitorado, porque teve oportunidade de executar, tendo alguns problemas acabado por se agravar. Como é que se convence de que se vai fazer quando já se teve essa oportunidade? “As pessoas sabem que ele tem esse desígnio, essa preocupação. Convence-os falando verdade. E admitindo que cometeu erros”, resume Álvaro Beleza.

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