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Professora

Provas em formato digital no 2.º ano servem para?

7 mai 2023, 19:00

Queremos uma escola inclusiva, trabalhamos para uma escola inclusiva, e no mês de junho vamos sujeitar todos os alunos do 2.º ano a provas de aferição digitais de português/estudo do meio e matemática/estudo do meio …  

A idade dos alunos do segundo 2.º ano situa-se, em média, entre os 7 e os 8 anos, iniciaram o processo de aprendizagem de leitura e escrita no primeiro ano pelo que ainda o estão a desenvolver.

Penso que a melhor forma de expressar o que sinto é espelhar a realidade da grande maioria das turmas do 2.º ano do nosso país.

Começamos por ligar 24 ou 25 computadores e passado pouco tempo alguns começam a ficar sem bateria, lá temos de passar extensões por entre os lugares dos alunos… Entretanto alguns computadores avariam, uns por má utilização outros por problemas técnicos… A internet de meia dúzia vai abaixo, outros não trouxeram o cabo da internet e têm de se ligar à rede da escola (dado que não têm bateria), entretanto a rede da escola vai abaixo por estarem vários a utilizar…. Tentamos entrar com os alunos na página do IAVE para que possam treinar um exemplo de prova eletrónica, a página do IAVE vai abaixo e em 25 alunos quatro ou cinco conseguem ligação, desses quatro ou cinco um ainda não consegue ler… A prova de matemática/estudo do meio disponibilizada pelo IAVE pede para construir um gráfico, para isso têm de clicar duas vezes no gráfico para preencher um retângulo, as questões que são para arrastar as respostas necessitam que se coloque o cursor num determinado lugar da resposta para conseguir arrastar…. Aparece um problema que os alunos através de um desenho ou de uma tabela resolvem facilmente, mas neste caso não o conseguem fazer pois a prova é no computador… Entretanto começamos a ouvir 25 crianças a pedir ajuda… Também é engraçado o Ministério não ter emprestado um rato, logo os alunos têm de utilizar o rato que está no teclado e que lhes exige uma destreza manual muito maior…

Questiono-me o que estou a fazer na sala de aula. Sim, porque o João (nomes fictícios) ainda não sabe ler, a Filipa ainda está a rever as letras pois apresenta dificuldade, o Manuel e a Sara ainda estão a trabalhar os casos de leitura e eu estou a treinar para provas de aferição no computador…

O dia a dia de um professor (neste caso de 2.º ano) é trabalhar com os seus alunos de forma diferenciada porque as crianças têm ritmos de aprendizagem diferentes, têm meios socioeconómicos diferentes, têm vidas familiares diferentes e são todos diferentes … Na sala de aula do 2.º ano chegamos à hora de Português, à hora de Matemática e à hora de Estudo do Meio e temos vários trabalhos preparados, tendo em conta as necessidades dos nossos alunos. Temos meninos que são muito bons na Matemática mas que têm muita dificuldade no Português, esses não vão conseguir ler a prova e não vão conseguir dar as respostas apesar de as saberem… Isto é uma medida inclusiva??? Temos alunos muito bons na disciplina de Estudo do Meio, a nível oral conseguem responder a tudo, mas como têm muita dificuldade na leitura e escrita, na prova não o vão conseguir fazer. Isto é uma medida inclusiva??? Temos meninos que sabem ler e escrever mas demoram muito tempo (o seu tempo) a procurar as letras no teclado do computador. A prova tem limite de tempo, pelo que poderão não terminar, apesar de saberem responder. Isto é uma medida inclusiva???

É correto colocar um professor diante dos seus alunos para lhes dar uma prova sabendo que alguns deles não vão conseguir fazer nada? É correto um professor trabalhar diariamente de forma diferenciada com os seus alunos, trabalhar de acordo com a legislação, estar constantemente a reforçar os progressos de cada um e em dois dias durante 90 minutos ignorar as diferenças dos alunos da sua turma???

Uma prova de aferição, mesmo que em papel, traz constrangimentos a turmas de segundo ano. Em formato digital, então, é digno…

Mas afinal o que queremos dos nossos alunos? O que queremos do sistema educativo português?

O Ministério da Educação considera que os resultados das provas permitem uma análise do desempenho do sistema educativo, questiono se são esses resultados que irão alterar as Aprendizagens Essenciais, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, a colocação de professores de apoio, a colocação de professores de educação especial, a disponibilização de terapeutas…???

Pretendem analisar o desempenho nas disciplinas de Matemática, Português e Estudo do Meio ou querem avaliar TIC? Não nos podemos esquecer que TIC é uma área de integração curricular transversal que os alunos devem desenvolver de forma progressiva ao longo dos quatro anos do 1.º Ciclo.

As nossas crianças estão ainda a desenvolver a motricidade fina, será que vamos começar a dizer que a caligrafia não é importante? Não interessa saber agarrar num lápis? As aulas do 1.º Ciclo não são elásticas, temos de definir prioridades, nunca nos esquecendo da faixa etária dos nossos meninos. Tudo a seu tempo… e não é no segundo ano que se devem aplicar provas de aferição, muito menos na insensatez de um formato digital…

Que cada um de nós se saiba colocar no lugar de cada uma das crianças que vão ser sujeitas a estas provas…

Afinal que escola inclusiva é esta?

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