Três professores traçam retrato da profissão: “Precisamos de ter menos turmas por professor, menos alunos por turma, menos falta de professores, menos indisciplina e mais respeito”

29 out 2023, 16:00
Escola

Os professores Ricardo Silva, Lurdes Micael e Ana Mercedes Pescada falam das dificuldades no setor da Educação e das razões que têm levado à luta os professores no último ano

Desde dezembro do ano passado que os professores estão em luta, com greves sucessivas e protestos povoados nas ruas. Escolas fechadas têm transtornado a vida familiar e profissional de muitos portugueses. Pedimos a três professores que descrevessem o seu dia-a-dia, o que fazem e as dificuldades que sentem a cada toque de campainha nas escolas onde dão aulas.

Ricardo, Lurdes e Ana Mercedes deram à CNN Portugal os seus testemunhos, de como são os seus dias, das suas alegrias e das suas tristezas, da dedicação à profissão, do investimento pessoal que fazem em material para dar aulas, da angústia de não poderem fazer mais pelos alunos que acompanham e de como se têm sentido desrespeitados ao longo dos últimos anos.

Os seus textos foram publicados ao longo desta semana e agora reunidos num só.

Ricardo Silva tem 58 anos e é professor de História no Agrupamento de Escolas D. Carlos I, em Sintra. No último ano, tornou-se um dos rostos da luta dos docentes. Ao longo dos últimos meses, tem denunciado situações de falta de condições físicas nas escolas públicas, de professores com a casa às costas e a terem de suportar os custos da compra de materiais para dar aulas. “O professor retira da sua mochila o computador pessoal, o rato, a pequena coluna de som, o adaptador para ligar o cabo VGA do videoprojetor e o hotspot que garantirá uma internet razoável sempre que a rede WiFi da escola falhar, pois todos sabem que isso acontece amiúde e quando está disponível move-se apenas em duas velocidades - devagar e devagarinho”, descreve, num texto onde faz o relato de uma aula na escola onde leciona.

“Também precisamos de recuperar o tempo de serviço congelado, precisamos de ter menos turmas por professor, menos alunos por turma, menos falta de professores (com a devida qualificação científica e pedagógica) menos indisciplina e mais respeito, menos falta de técnicos especializados, psicólogos, terapeutas, mediadores sociais, professores de apoio e educação inclusiva, menos instabilidade e mais justiça nos concursos de colocação de professores, menos hipocrisia política e mais verdade, com efetivas ajudas de custo à deslocação e alojamento, menos professores qualificados a abandonar o sistema e uma carreira mais atrativa que cative os melhores, menos medo e mais direitos e poder deliberativo dentro da escola, menos absolutismo e mais inteligência emocional na gestão escolar, menos competição e menos injustiças no processo avaliativo, menos burocracia, menos papéis, menos redundâncias, tabelas e grelhas, mais tempo para pensar, ler, estudar e organizar, menos pressão para um sucesso estatístico e mais confiança no trabalho dos professores”, acrescenta.

Lurdes Micael é professora de Educação Especial. Enfrenta diariamente as mesmas dificuldades descritas por Ricardo Silva. Mas o maior desafio que enfrenta é conseguir implementar uma verdadeira inclusão e extrair dos seus alunos o que de melhor cada um tem para dar, num mundo em que nem todos conseguirão “subir às árvores”, mas para o qual todos podem dar o seu contributo. “Como professora de Educação Especial, devo aproveitar e enaltecer as potencialidades e respeitar o perfil de funcionalidade e as necessidades de cada um dos meus alunos. O mestre não pode exigir que todos façam o mesmo exame e, por conseguinte, “subam à árvore”. Cabe ao docente analisar cada caso e respeitar as características de cada um, sem rotular todos da mesma maneira”, escreve.

Ana Mercedes Pescada é professora de Português e faz parte do movimento cívico de docentes Missão Escola Pública. No texto divulgado este sábado no site da CNN Portugal, fala das “feridas abertas”, com vários anos de enfermidade. Professora há mais de 30 anos, diz que é o amor à profissão que a mantém no ativo: “Sou Professora por opção. Não vim parar a esta profissão, como muitos julgam dos professores, por não ter outra saída profissional. Acredito no papel transformador do Professor e vibro a cada conquista dos meus alunos, a cada centelha que acendo nas vidas em potência que por mim têm passado ao longo destes anos.”

Num texto escrito em dia de greve, Ana Mercedes Pescada sublinha as razões que a levaram ao protesto: “Hoje fiz greve. Por mim, pelos meus alunos, pela Escola Pública. E, de todas as vezes que um sindicato da Educação (seja ele qual for) defender a Escola pública e os seus profissionais, de forma limpa e justa, farei greve. E continuarei nas ruas, nos jornais, nas internets desta vida, a minha luta.”

“Na nossa Luta, talvez falte explicar aos pais quem são estes professores que andam nas ruas desde dezembro passado. Ou talvez falte apenas eles entenderem o que andamos a dizer há meses a um Governo que se finge surdo, como se não ouvindo, apagasse os factos”, escreve.

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