Situação aconteceu numa escola do Norte do país. Responsáveis escolares frisam que esta situação decorre de uma falta "dramática" de professores que "já não afeta só algumas regiões do país e alguns grupos disciplinares"
O filho de Pedro Gomes está no 5º ano, na Escola Maria Manuela de Sá em Matosinhos. Não tem professor de Português desde novembro. A professora meteu baixa por doença e a substituição não tem sido fácil. Os sucessivos concursos não tiveram candidatos e nem nas contratações de escola tem sido possível arranjar um professor para lecionar as 14 horas semanais de Português às três turmas do 5º ano.
“Continua sem professor e acho que este ano não deve haver mais professor”, lamenta Pedro Gomes.
A situação preocupa o encarregado de educação, até porque se trata de uma “disciplina crucial”, necessária para o sucesso de outras disciplinas. “E não nos esqueçamos que são miúdos da Covid, que já vêm coxos da primária e ainda levam com estas situações no quinto ano”, sublinha Pedro Gomes, em declarações telefónicas à CNN Portugal.
A 25 de janeiro, houve uma reunião com os pais e encarregados de educação de duas das turmas que estão sem professor de Português e o email da diretora com os pontos chave dessa reunião deixaram Pedro Gomes ainda mais preocupado. A diretora justificava a ausência de docente a Português e informava que “a escola não dispõe de crédito horário que permita colmatar a ausência de aulas recorrendo a professores da casa”. Na sequência desta explicação, vem a sugestão aos pais para que trabalhem os conteúdos com os filhos.
“Sugiro as seguintes estratégias para os pais/EE trabalharem com os alunos: com base na planificação da disciplina desde o princípio do ano letivo até agora, trabalhar os conteúdos gramaticais com recurso ao caderno de atividades e ao manual e leitura integral das obras trabalhadas em aula até ao momento. Para este acompanhamento, envio em anexo o material necessário (planificação e PDF das obras. Se alguns alunos não possuírem caderno de atividades, os que tiverem poderão partilhar por email)”, pode ler-se no email a que a CNN Portugal teve acesso.
“Eu até sei as coisas. Mas não sei como explicar ao meu filho! Para mim é fácil. Para ele não é. Não tenho formação de como lhe fazer chegar a informação da melhor forma”, lamenta o encarregado de educação, frisando que não culpa “a escola ou os professores”. “A culpa é da burocracia que é tão grande que a máquina não mexe.”
O filho de Pedro frequenta um centro de estudos, que vai procurando colmatar as falhas. Mas o encarregado de educação pensa em “quem não pode frequentar” explicações e centros de estudo sublinha que a avaliação dos alunos fica comprometida.
“Formação condicionada”
Também Cristina Mota, porta-voz do movimento cívico Missão Escola Pública, teme pela equidade de acesso dos alunos ao ensino que soluções deste género podem colocar em causa. “Não estamos a dizer que os pais nem todos tenham competências para ensinar os seus filhos. Mas a verdade é que nem todos terão… e até podem estar a ensinar algo que não esteja correto e isso depois reflete-se”, argumenta a professora de Matemática.
“Esta situação vem reforçar que há muitos alunos que estão sem direito à Educação. É um serviço que é publico e que está assegurado na nossa Constituição. Não pode ser atribuída essa responsabilidade aos encarregados de educação”, sublinha.
Pedro Gomes diz que, dias depois deste primeiro email, veio uma nova comunicação a esclarecer que a sugestão não partiu da direção da escola, mas sim dos encarregados de educação, na tal reunião de 25 de janeiro.
Para a porta-voz da Missão Escola Pública, pouco importa se a sugestão partiu dos pais ou da direção da escola. “Se partiu da direção é grave. Porque é a escola a desresponsabilizar-se de uma missão que é sua. Se partiu dos encarregados de educação, a escola devia ter alertado que nem todos estariam em condições de responder a esse reforço e isso só vai contribuir para a desigualdade entre os alunos”, defende.
Cristina Mota alerta que estes alunos “estão numa faixa etária em que a absorção dos conteúdos é maior” e “um conteúdo que não for adquirido nesta altura vai ser muito difícil rever ter a situação”. “E é uma disciplina crucial. Todas as outras disciplinas dependem da língua e da interpretação”, acrescenta.
A CNN Portugal tentou, por vários meios e em várias alturas, contactar a diretora da Escola Maria Manuela de Sá, mas esta mostrou-se sempre indisponível.
Situação “dramática”
Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) não tem dúvidas que a situação decorre do “drama” que se tornou a “escassez de professores” em Portugal. “Todos reconhecem que neste momento o grande problema da Educação é a escassez de professores, que paulatinamente se vai transformando numa pandemia que vai tomando conta do país. Já não está concentrado em Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve e em alguns grupos disciplinares, mas afetam o país inteiro e todas as disciplinas”, diz.
O dirigente escolar lamenta que se está a tornar cada vez mais difícil substituir os professores que adoecem ou que se reformam. “Em média há 300 professores a reformarem-se por mês e, do outro lado, não há jovens em número suficiente para colmatar este número tão elevado de docentes a aposentarem-se”, explica.
“A falta de professores está a tornar-se dramática”, resume.
Filinto Lima alerta que o ano letivo está a quatro meses de terminar e, “não tarda, estão aí os exames”. “Há alunos que não tiveram professor grande parte do ano e vão fazer exames”, reforça.
Para o dirigente escolar, há falta de vontade política para resolver a falta de professores e lamenta que os políticos estejam a “desperdiçar” a oportunidade do tempo de antena proporcionado pela campanha eleitoral para debater, encontrar e expressar soluções para os problemas da Educação.
“A solução passa por atrair jovens para a carreira docente. É preciso apontar soluções e dar esperança para a Educação e para a carreira docente, que vai muito além dos 6 anos 6 meses e 23 dias, que já percebemos que vão ser atribuídos. Estes 6 anos 6 meses e 23 dias são para os professores que estão no sistema. É preciso atrair os jovens que ainda não estão no sistema. (…) É preciso apoios nas deslocações e no alojamento, aumentos salariais, diminuir a burocracia nas escolas…”, argumenta.
“Acho que há antidoto para esta pandemia, mas os políticos não parecem querem aplicá-lo. Parece que a educação só interessa a quem está nas escolas. Aos políticos não interessa!”, acusa.
Cristina Mota corrobora que a gestão da falta de docentes se está a tornar trágica nas escolas. Há professores “exaustos”, com excesso de horas extra atribuídas para colmatar e “há professores ao abrigo do artigo 79 [com direito a redução de horário por causa da idade] a quem supostamente não podem ser atribuídas horas extra e a quem estas horas estão a ser dadas”.
Carreira mais atrativa
O Conselho Nacional da Educação (CNE) divulgou, esta terça-feira, um relatório sobre o estado da Educação no ano letivo de 2021/2022 e alerta que a falta de professores em Portugal é particularmente preocupante devido ao envelhecimento da classe e considera essencial tornar a carreira mais atrativa para minimizar o problema no futuro.
O relatório faz um retrato do ensino em Portugal e, à semelhança dos anos anteriores, sublinha o envelhecimento da classe docente como um dos aspetos mais preocupantes.
“Não sendo esta uma situação exclusiva de Portugal, (…) o aumento da taxa de envelhecimento dos professores portugueses e a diminuição da taxa de entrada de novos professores colocam o país, face à média dos países europeus, num contexto ainda mais preocupante”, refere o relatório.
De acordo com os dados referentes a 2021/2022, as escolas públicas tinham, nesse ano letivo, 131.133 professores, resultado de uma tendência consecutivamente crescente desde 2014/2015, após uma quebra significativa no anterior, quando havia menos 10 mil docentes.
Para isso, contribuiu a transferência de professores do setor privado para o público e um ligeiro aumento do número de diplomados na área da educação, dois fatores que são, no entanto, insuficientes para compensar o envelhecimento.