"Ou continuamos a usar comunicados e frases bonitas para resolver o problema ou": 907€, salário de um polícia que começa a carreira (e os polícias escolheram o segundo "ou")

11 jan, 21:26

Os profissionais da PSP e da GNR arranjaram uma maneira de o país ouvir as suas reivindicações - salariais e além disso. E fazem uma ameaça: “Resolva o problema, senão isto vai ficar pior”. A mensagem é para o ministro da Administração Interna

Viaturas inoperacionais, agentes “indispostos” que não respondem a ocorrências e trocas dos contactos das esquadras para o número da Polícia Judiciária (PJ): estas têm sido algumas das estratégias que os profissionais da Polícia de Segurança Pública (PSP) arranjaram para contornar a lei que estabelece que os polícias não podem fazer greve e se unirem num protesto silencioso.

O protesto começou no domingo passado, quando Pedro Costa, agente de 32 anos que trabalha na divisão aeroportuária, decidiu fazer uma vigília silenciosa em frente ao Parlamento, manifestando assim o seu descontentamento contra as condições de trabalho e os “salários low-cost” da classe. Antes de começar a vigília, convidou os restantes colegas a fazerem o mesmo numa mensagem em vídeo: “A meu ver existem duas opções: ou continuamos com as mesmas estratégias, ou seja, comunicados e frases bonitas para tentar resolver este problema e vamos colher os mesmos frutos - que são nenhuns - ou temos de mostrar o nosso descontentamento, fazer ver que os nossos vencimentos auferidos são indignos e injustos e que queremos este problema resolvido.”

Há muito que os polícias se mostram descontentes com as condições em que trabalham, nomeadamente a falta de condições da frota da PSP, bem como com os salários que auferem no final do mês. Mas o gatilho para este protesto inédito foi o facto de o Governo ter aprovado em novembro passado o pagamento de um suplemento de missão para as carreiras da PJ que, nalguns casos, pode representar um aumento de quase 700 euros por mês.

Os agentes da PSP lamentam ter sido “esquecidos” pelo Governo e exigem o mesmo tratamento dado à PJ. “A desigualdade ficou mais evidente a partir do momento em que o Governo valorizou, e bem, os profissionais da Polícia Judiciária com um suplemento de missão, além do salário. E para os profissionais da PSP e da GNR, o Governo não teve o mesmo entendimento. Esqueceu-se de nós - aliás, esquece-se sempre de nós”, lamentou Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional da Polícia. Foi isto que “causou um descontentamento generalizado”, explica o dirigente, dando de seguida um exemplo prático que ilustra a “desigualdade” entre as forças de segurança: “Um polícia da PSP em início de carreira recebe só 907 euros de salário base, ou seja, recebe menos de salário base do que um profissional da PJ recebe de suplemento de missão. (...) O risco é igual, seja-se polícia na PJ, seja-se polícia na PSP.”

Apesar do descontentamento, os polícias ressalvam que não estão contra a atribuição deste suplemento à PJ - pelo contrário, salienta o diretor nacional da PSP, que se diz “muito satisfeito com aquilo que a PJ conseguiu”. “O que nós gostaríamos que acontecesse é que houvesse um reconhecimento do mesmo tipo para  PSP”, concretiza José Augusto de Barros Correia​, que garante estar “do lado dos polícias” nesta luta.

O que os polícias exigem

Neste contexto, no convite dirigido aos colegas para se juntarem a esta luta, Pedro Costa divulgou também um documento no qual apresenta as suas propostas para, como o próprio diz, ter “o problema resolvido”. Uma das propostas refere-se precisamente ao suplemento de missão atribuído aos agentes da PJ, sugerindo-se a “substituição do suplemento de Serviço e Forças de Segurança e do Subsídio de Risco vigentes pelo suplemento de missão”, com um “valor fixo, independentemente da categoria, posto ou posição na tabela remuneratória”. Pedro Costa diz mesmo que este valor deve ser “exatamente o mesmo” do atribuído à categoria de inspetor da PJ. Da mesma forma, exige-se uma “atualização do suplemento de piquete para o mesmo valor pago à PJ”.

Além disso, o agente propõe ainda o aumento do ordenado base, concretizando que “todos os índices remuneratórios referentes ao ordenado base sejam aumentados em sete pontos”.

Veja também: Afinal, quanto ganha um polícia? Menos de 1.000 euros limpos, a não ser que haja patrulhas

Apesar de ter começado este protesto sozinho, Pedro Costa rapidamente recebeu o apoio dos colegas e o movimento alastrou a todo o país. Logo na segunda-feira, os agentes da PSP começaram a dar os veículos das frotas como inoperacionais, alegando problemas mecânicos e de segurança. O protesto afetou divisões como Amadora, Sintra, Loures, Cascais, Lisboa, Porto e Setúbal, entre outras, que ficaram assim impossibilitadas de responder às ocorrências. Entre segunda e terça-feira, várias divisões policiais não conseguiram colocar em circulação um único carro-patrulha. Além destes veículos, também as carrinhas das equipas de intervenção rápida (EIR) e vários carros das equipas de investigação criminal foram encostados, ficando fora de serviço.

Na terça-feira, antes do início do jogo Sporting-Tondela, a contar para a Taça de Portugal, foram acionadas equipas do INEM para o Estádio de Alvalade, depois de dois agentes da PSP se terem sentido “indispostos”. Em resposta à CNN Portugal, a PSP indicou, contudo, que esta situação não estava ligada aos recentes protestos dos agentes.

Esta quinta-feira, o Ministério Público abriu um inquérito para averiguar a troca de contactos de esquadras da PSP para números da PJ no site da Polícia de Segurança Pública, depois de a PJ ter apresentado uma queixa à Procuradoria-Geral da República (PGR). 

“Resolva o problema, senão isto vai ficar pior”

Agentes da PSP concentram-se em vigília em frente ao Parlamento (LUSA)

Desde domingo à noite que vários agentes da PSP se juntaram a Pedro Costa na vigília em frente ao parlamento. Entre eles Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional da Polícia, que explicou à CNN Portugal que “o que está a acontecer é o grito da revolta” dos polícias.

“O Governo tem de perceber que não é por estar em gestão que tem desculpa para não fazer as coisas. Resolva o problema dos polícias, senão isto vai ficar pior”, advertiu Armando Ferreira.

Na terça-feira, perante o crescimento do protesto, que se alastrou a todo o país, o ministro da Administração Interna afirmou que o Governo tem “estado sempre ao lado dos polícias” nas suas lutas e disse que nos últimos oito anos o executivo socialista reforçou o investimento nos recursos humanos da PSP e da GNR em 426 milhões de euros. Além disso, acrescentou, há “um suplemento por serviço nas forças de segurança que varia entre os 292 euros e os 1.143 euros”. 

José Luís Carneiro acrescentou ainda que se encontra em curso um investimento de 607 milhões de euros na valorização das infraestruturas e dos equipamentos, indicando que está a decorrer um concurso público num valor superior a 30 milhões de euros para a aquisição de mais de 700 novas viaturas.

Esta quinta-feira, depois de se reunir com o diretor nacional da PSP e sindicatos, José Luís Carneiro assumiu a possibilidade de “aumentar entre 50 a 100 euros” o suplemento de patrulha, que está agora “na casa dos 60 euros” - “o valor mais baixo de todos” os suplementos, destaca.

Questionados pela CNN Portugal, os sindicatos dos polícias da PSP consideram que este aumento anunciado pelo ministro da Administração Interna é "uma esmola" e garantem que "não vão parar a contestação com uma esmola". Além disso, lembram que o que está em causa não é o suplemento de patrulha, mas sim o suplemento de missão. "Os polícias estão a falar da realidade e o ministro está a falar de uma novela", ironiza Paulo Santos, presidente da Associação Sindical de Profissionais da Polícia.

Cinco dias depois, Pedro Costa continua em frente ao parlamento, onde dorme numa carrinha que foi cedida por amigos. O agente promete ali continuar até que o Governo apresente soluções para as reivindicações dos polícias, que prometem continuar este protesto que começou numa só voz.

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