A «canarinha», a CBF, as «offshore» e os «criminosos» de Romário

22 mai 2015, 10:08
Brasil leva melhor sob Seleção Francesa (Lusa)

Venda de direitos da seleção brasileira vai desde os jogos, à presença de jogadores em eventos do patrocinador ou até à oferta de camisolas autografadas. Federação garante normalidade do processo, críticos pedem transparência no futebol do país

O fim de semana que passou foi explosivo para o futebol brasileiro na sua mais alta representação. A seleção do Brasil foi reduzida ao papel de um veículo
ao serviço da política de marketing definida pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) favorecendo o negócio à custa dos interesses desportivos da canarinha
.

Já há quem fale em crime e criminosos, como Romário. O atual senador brasileiro foi o mais contundente nas reações, mas não foi o único a manifestar-se. Outros antigos jogadores críticos do futebol brasileiro também já questionaram a transparência de processos. A CBF contesta que tenha havido ações de gestão deste seu ativo
em prejuízo do futebol brasileiro na sua representação nacional.

A polémica rebentou com a publicação pelo jornal «Estadão» de partes da minuta do contrato e também do acordo entre a CBF e a International Sports Events (ISE), no que respeita ao pagamento e contrapartidas pelos direitos sobre os jogos particulares da seleção brasileira.

O acordo vigente desde 2006 terá sido renovado pelo então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, em 2011 por mais dez anos e com nova redação das obrigações de cada parte. De acordo com as informações reveladas agora, as opções técnicas e desportivas da canarinha
nas partidas amigáveis ficarão dependentes de cláusulas contratualmente definidas.



Os documentos revelados pelo «Estadão» referem que «a CBF se compromete a participar nas partidas com a maioria dos seus melhores jogadores» e que as lesões devem ser «comprovadas com uma certidão médica». O vínculo estabelece também que a federação brasileira «fornecerá uma lista da delegação e dos membros de cada equipa que participarão em cada partida» num prazo máximo de «15 dias antes da partida em questão».

O acordo implica que «qualquer alteração à lista será comunicada por escrito à ISE e confirmada por mútuo acordo» e prevê que «a CBF fará o possível para substituir» eventuais ausentes «com novos jogadores de nível similar» no que respeita a «valor de marketing», «habilidades técnicas» ou «reputação».

A CBF refuta as conclusões «infundadas» e, em comunicado, afirma que o contrato «em nenhum momento tem influência sobre convocações de atletas e, tampouco, traz prejuízo técnico para a seleção» garantindo que «os critérios de escolha de convocados serão, sempre, técnicos» frisando que «jogarão e jogaram, sempre, os melhores jogadores em atividade».

O organismo máximo do futebol brasileiro assume que «não vendeu
a seleção brasileira» à empresa sediada na «offshore» das Ilhas Caimão. Mas o movimento de jogadores Bom Senso FC diz que este é um «sinal» do que têm vindo a pedir: mais «transparência». Preocupado com o «futebol brasileiro, que tem clubes muito endividados», a organização de futebolistas faz uma acusação: «A CBF enriquece em cima da área comercial e pouco se preocupa com o futebol.»



A nível político é Romário quem alerta que «o que acontece nos relvados deve pautar as ações de marketing e não o contrário». «Espero, mais uma vez, que o técnico Dunga não seja conivente com este esquema nojento», afirmou nas redes sociais o agora senador concluindo que «o futebol sofre porque os atuais gestores agem por conveniência». «Eles modernizaram
apenas o que poderia maximizar os seus lucros. Mas mantiveram a tirania, a falta de transparência e a permanência eterna no poder», escreve o antigo internacional canarinho
.

«Para mim, nada disso é novidade», assume Romário defendendo a necessidade de «nvestigar esses criminosos». «Sim, criminosos», reforça o baixinho
questionando a legalidade de procedimentos: «Estas transações milionárias, com empresas de fachada em paraísos fiscais, como mostra o jornal [«Estadão»], é feita longe dos olhos da Receita Federal. Ou seja, evasão de divisas e sonegação fiscal.»

Em resposta à polémica, a CBF garantiu desde logo que «paga rigorosamente todos os tributos, inclusive, os pertinentes ao contrato em questão, a despeito de a sua formatação jurídica que lhe conferia Isenção fiscal por ser entidade sem fins lucrativos» e que «mantém as suas contas bancárias sediadas exclusivamente no Brasil».



Se, no que respeita à fiscalidade, a federação brasileira frisou na sua nota informativa que o «critério» para a localização da sede da ISE «é dela e não da CBF» tendo uma «existência legal e protegida pelas leis internacionais», as contrapartidas para a empresa das Ilhas Caimão neste acordo ainda não tiveram reação.

A ISE paga cerca de um milhão de dólares (perto de 900 mil euros) pelos direitos sobre cada jogo particular do Brasil até ao Mundial 2022. O «Estadão» voltou a revelar nesta terça-feira o que recebe a empresa em troca: «É a única parte responsável pelos bilhetes» dos jogos da seleção brasileira, desde a venda até à escolha de lugares de espectadores.

O jornal brasileiro refere também que o contrato com a CBF dá à ISE «o direito de sublicenciar, ceder ou transferir todos os direitos e obrigações adquiridas» sobre «todas as partidas» para com «quaisquer terceiros sem a autorização prévia» da federação brasileira impondo a presença da seleção canarinha
«um dia antes da partida antes do evento oficial».

É que o contrato não inclui só os jogos, mas implica também outras ações promocionais. No plano desportivo, «a ISE poderá organizar uma sessão de treino aberta com propósitos comerciais», frisando o jornal, independentemente da vontade do selecionador. O acordo contempla a presença em conferências de imprensa de «pelo menos o treinador, um membro do quadro diretivo e quatro jogadores designados pela ISE, incluindo o capitão de equipa» e «entrevistas pré e pós-jogo».

Mas os jogadores também estão vinculados à obrigação de participação em «receções de boas vindas e outros eventos do patrocinador titular» sendo que «a CBF irá assegurar que a ISE receba dez camisas oficiais da seleção autografadas por toda a equipa nacional brasileira para cada jogo».

Mais Lidas

Patrocinados