Quão preocupante é o aumento das doenças respiratórias na China? Um médico explica

CNN , Deblina Chakraborty
2 dez 2023, 11:00
Crianças doentes, acompanhadas pelos pais, recebem tratamento no Hospital Popular de Fuyang, na China, a 28 de novembro de 2023. Costfoto/NurPhoto/Getty Images

Pequim ainda não divulgou dados junto da Organização Mundial da Saúde sobre o que está a causar a corrida aos hospitais, apesar de garantir que não se trata de um novo agente patogénico, como aconteceu com a covid-19

Os hospitais do norte da China e de Pequim registaram um aumento do número de crianças com doenças respiratórias, incluindo pneumonia. Na semana passada, a Organização Mundial de Saúde (OMS) pediu ao governo de Xi Jinping que fornecesse mais informações sobre os casos.

Com base no que se sabe até agora, até que ponto estes casos são preocupantes? Porque é que se está a verificar um aumento das doenças respiratórias? As pessoas que viajam para a China devem repensar os seus planos? Que precauções adicionais devem tomar os governos, os sistemas de saúde e os indivíduos?

Para nos ajudar a compreender a situação, falámos com Leana Wen, médica de urgência e professora de política e gestão de saúde na Faculdade de Medicina da Universidade George Washington, nos Estados Unidos. Anteriormente, foi comissária de saúde de Baltimore.

Quão preocupante é o aumento das doenças respiratórias registadas na China?

Até agora, com base no que sabemos da OMS, não creio que o aumento das doenças respiratórias deva causar preocupação a nível mundial. O que seria mais preocupante para a comunidade médica internacional seria o aparecimento de um novo agente patogénico, como aconteceu com a covid-19 no inverno de 2019. Não parece ser esse o caso atualmente.

Depois de a OMS ter solicitado informações adicionais às autoridades de saúde chinesas, recebeu dados que indicam que o aumento das consultas externas e das visitas hospitalares pode ser atribuído a um aumento dos agentes patogénicos conhecidos e existentes. Especificamente, registou-se um aumento da pneumonia causada pela bactéria Mycoplasma pneumoniae desde maio, e um aumento da gripe, do adenovírus e do vírus sincicial respiratório (VSR) desde outubro. De acordo com a OMS, estes picos "não são inesperados, tendo em conta o levantamento das restrições impostas pela covid-19, tal como aconteceu noutros países".

É importante notar que não foi detetado nenhum novo agente patogénico. Também não se registou nenhuma apresentação clínica invulgar, com as crianças a parecerem muito mais doentes do que o normal.

Porque é que a China está agora a registar um aumento tão grande?

É certamente crucial que a OMS e outros membros da comunidade médica internacional verifiquem de forma independente esses dados, especialmente devido ao atraso das autoridades chinesas em alertar a comunidade global sobre a covid-19. No entanto, a situação na China reflete, de facto, o que aconteceu nos Estados Unidos e em muitos outros países no ano passado.

No inverno de 2022, os hospitais pediátricos dos EUA foram inundados por crianças doentes com covid-19, gripe, VSR e outros vírus comuns. Grande parte desta doença foi atribuída ao fim das medidas de mitigação da covid-19.

Durante o pico da pandemia, as doenças respiratórias diminuíram drasticamente. Em particular, as crianças que de outra forma estariam expostas a várias infecções por ano não adoeceram. Quando as medidas de mitigação foram levantadas, as doenças contagiosas invadiram as escolas e os infantários, levando a um aumento das infecções entre as crianças e, consequentemente, também a um aumento das que necessitavam de hospitalização.

A China levantou as suas medidas de mitigação mais tarde do que os EUA e a maioria dos outros países. Faz sentido que, no primeiro inverno completo desde o fim da "Covid zero", se registe um aumento de doenças respiratórias como o que se verificou em grande parte do mundo.

As autoridades sanitárias chinesas estão a atribuir o aumento dos casos de pneumonia pediátrica ao Mycoplasma pneumoniae - o que é isso?

A pneumonia é uma infecção pulmonar que pode ser causada por bactérias, vírus e fungos. O Mycoplasma pneumoniae é um tipo comum de pneumonia bacteriana. Há quem estime que cerca de 1% da população dos EUA é infetada com Mycoplasma todos os anos. Apenas 5% a 10% das pessoas infetadas com Mycoplasma desenvolverão pneumonia.

A pneumonia causada por Mycoplasma é designada por pneumonia "atípica". O início da doença é frequentemente gradual, com os doentes a apresentarem sintomas inespecíficos como febre baixa, cansaço e dores de cabeça. Algumas pessoas referem uma tosse persistente ou dor no peito ao tossir. Também são possíveis dores de garganta, corrimento nasal e dores de ouvidos e, em casos raros, os indivíduos podem desenvolver uma erupção cutânea, dores nas articulações e sintomas gastrointestinais.

De acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, as infecções por Mycoplasma pneumoniae são mais comuns em adultos jovens e crianças em idade escolar. As pessoas que vivem e trabalham em ambientes com muita gente (como escolas) correm um risco acrescido.

A maioria dos doentes com este tipo de pneumonia não precisa de ser hospitalizada e melhora com tratamento antibiótico em ambulatório. As pessoas mais vulneráveis à doença grave são os muito jovens, os idosos, os indivíduos imunocomprometidos e as pessoas com doenças subjacentes graves.

Os casos de pneumonia também podem ser causados por outros organismos?

Sim. A bactéria Streptococcus é outra causa comum de pneumonia. O VSR e o SARS-CoV-2 também estão entre os tipos de vírus que podem causar pneumonia. Muitas unidades de saúde tentarão diagnosticar a origem da pneumonia e determinar se é bacteriana ou viral. No entanto, as capacidades de diagnóstico em algumas áreas podem ser mais limitadas. Além disso, uma mesma pessoa pode ter várias infecções ao mesmo tempo, e nem sempre é fácil atribuir a manifestação da pneumonia a um único organismo.

As pessoas devem evitar viajar para a China nesta altura?

A OMS disse explicitamente que desaconselha "a aplicação de quaisquer restrições às viagens ou ao comércio com base na informação atual disponível sobre este evento". Também não recomenda quaisquer medidas preventivas específicas para os viajantes para a China, embora aconselhe as pessoas na China a tomarem medidas para reduzir a propagação de doenças respiratórias. Isso inclui ficar em casa quando estiver doente, garantir uma boa ventilação, lavar as mãos regularmente e "usar máscaras conforme apropriado".

Penso que todas estas medidas são razoáveis e gostaria de acrescentar que as pessoas vulneráveis a doenças respiratórias graves devem tomar precauções adicionais, incluindo a utilização de uma máscara N95 ou equivalente quando se encontram em locais fechados e com muita gente.

Que precauções adicionais devem tomar os governos e os sistemas de saúde, especialmente nos países vizinhos?

Concordo com a OMS que limitar as viagens ou as trocas comerciais não seria razoável nesta altura, embora, obviamente, a OMS deva continuar a pressionar a China para que divulgue dados atualizados e rigorosos.

Entretanto, os governos e os hospitais podem reforçar as suas próprias infraestruturas. Devem estar atentos a um aumento dos casos de doenças semelhantes à gripe e de pneumonia e efetuar testes imediatamente.

Devem também assegurar-se de que têm capacidade para tratar os doentes que necessitam de cuidados hospitalares. É muito possível que outras áreas, especialmente aquelas com medidas de mitigação do vírus anteriormente rigorosas, registem um aumento das doenças respiratórias neste inverno. Os sistemas de saúde têm de se preparar para um potencial afluxo de doentes, tal como fizeram durante o pico da covid-19.

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