Por que razão os portugueses gostam tanto de PPR quando rendem tão pouco?

ECO - Parceiro CNN Portugal , Luís Leitão
24 dez 2023, 12:00
Turistas em Lisboa

A rendibilidade dos planos poupança reforma (PPR) tem constantemente ficado abaixo da inflação. Desde pelo menos 2014 que é assim. Porém, os portugueses continuam a investir milhões nestes produtos

Os Planos Poupança Reforma (PPR) são dos produtos financeiros preferidos dos portugueses. No final do ano passado, contavam-se mais de 2,2 milhões de subscritores de produtos PPR, quer seja sob a forma de seguros de vida, fundos de investimento ou fundos de pensões.

A procura por este tipo de produtos é também grande todos os anos, particularmente em dezembro, como resultado das fortes campanhas comerciais lançadas por bancos, seguradoras e outras entidades comercializadoras de PPR, lembrando os portugueses que ainda vão a tempo de maximizarem o reembolso de IRS do próximo ano, por conta do benefício fiscal que estes produtos oferecem à entrada e que pode ir até aos 400 euros por ano.

Entre 2018 e 2022, os portugueses investiram anualmente mais de 3 mil milhões de euros em PPR, segundo dados da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). No final do ano passado, os ativos sob gestão dos fundos e seguros sob a forma de PPR atingia quase 19 mil milhões de euros.

Porém, na carteira dos pequenos investidores, os PPR têm-se revelado num investimento pouco ou nada rentável, porque os resultados alcançados pela generalidade dos gestores de fundos e seguros de PPR ao longo dos anos estão longe de serem brilhantes.

Este ano, segundo dados recolhidos pelo ECO, os cerca de 100 fundos de investimento domiciliados em Portugal sob a forma de PPR acumulam uma valorização média de 6,6%, com cerca de 60% dos gestores a mostrarem-se capazes de bater o seu índice de referência. Mas estes números são uma exceção num historial de fracos desempenhos.

Nos últimos três anos, por exemplo, os PPR sob a forma de fundos de investimentos apresentaram uma rendibilidade média anual negativa de 0,1%, com quase dois terços dos fundos a registar perdas anuais e apenas um quinto dos gestores a revelar-se capaz de bater o seu benchmark e ficando também muito longe de uma taxa de inflação média de 5,96% neste período.

Alargando o horizonte temporal do investimento, os números não melhoram muito. Nos últimos cinco e dez anos, apenas um em cada 10 fundos PPR conseguiu bater o seu índice de referência, oferecendo aos seus subscritores uma rendibilidade média anual de apenas 0,88% e 1,3%, respetivamente, que em termos reais se traduziu em perdas na carteira dos investidores, porque esses ganhos ficaram abaixo da taxa de inflação. Mas as contas não se ficam por aqui.

Os resultados que hoje a generalidade dos PPR apresenta são também confrontados com uma taxa de gestão anual média de 1,29% e com uma taxa de encargos correntes (Total Expense Ratio, do inglês) de 1,64%. Significa que, em média, na última década, a centena de PPR sob a forma de fundos de investimento à disposição dos investidores pagou mais às sociedades gestoras do que aos subscritores dos fundos.

E estes números não têm em conta as comissões de subscrição, de reembolso e de transferência que alguns PPR ainda cobram; nem os PPR sob a forma de seguros (historicamente menos rentáveis e mais caros que os fundos de investimento), porque a ASF, ao contrário do que está definido pelos seus próprios estatutos, este ano não divulgou as rendibilidades e tabelas de comissionamento dos PPR dos seus “associados”.

As exceções que confirmam a regra

O parco desempenho da generalidade dos PPR não é de agora. Tem sido uma histórica recorrente. Entre 1990 e 2009, a primeira década de vida dos PPR, a rendibilidade média real dos 613 PPR ativos no mercado nessa altura foi de 1,54% por ano, revelam Joaquim Madrinha e David Almas no livro “Como Salvar a Minha Reforma”. Nesse mesmo período, a rendibilidade real dos Certificados de Aforro, um produto financeiro de poupança de risco virtualmente nulo por serem garantidos pelo Estado, foi de 1,82%.

Mais recentemente, considerando os últimos seis anos terminados em 2021, os PPR (tanto sob a forma de fundos como de seguros) registaram uma rendibilidade média anual bruta de 2,13%, segundo cálculos do ECO. Apesar de ficar acima da taxa de rendibilidade interna (TIR) líquida de impostos de 0,81% dos Certificados de Aforro (Série D) neste período, este desempenho traduziu-se num ganho real médio (descontando a inflação média nestes seis anos) de apenas 1,4% na carteira dos investidores.

Apesar do desempenho da generalidade dos PPR ficar muito aquém do desejado pelos investidores, há fundos que se têm destacado pela positiva ao conseguirem alcançar ganhos sustentáveis ao longo de vários anos. Um desses casos é o Alves Ribeiro PPR/OICVM (também conhecido por Invest AR PPR), gerido por Paulo Monteiro desde o início (em novembro de 2001), que atualmente conta com uma exposição de 23% a ações e 68% a obrigações.

Além de ser o PPR com o melhor desempenho na última década, oferecendo aos seus subscritores ganhos anuais médios de 5,26%, Paulo Monteiro foi capaz de bater sucessivamente o seu benchmark nos últimos três, cinco e dez anos. Mais nenhum fundo PPR conseguiu alcançar tal feito. E isso com uma taxa de encargos correntes abaixo da média do mercado.

Também o Optimize Capital Reforma PPR/ OICVM Ativo, gerido por Pedro Lino e Carlos Pinto, tem sido capaz de entregar aos seus subscritores ganhos consistentes ao longo dos últimos dez anos. Seguindo uma estratégia que não pode ir além de uma exposição de 55% do capital a ações, os dois gestores alcançaram uma rendibilidade média anual de 3,1% na última década. Este ano, o fundo da Optimize conta com uma rendibilidade de 10,6% até 8 de dezembro, que o torna no mais rentável da sua classe de risco.

Com uma maior exposição ao mercado acionista merece também destaque o PPR da Casa de Investimentos, o Save & Grow PPR (que anteriormente era denominado de Casa Global Value PPR), que pode ter uma alocação do portefólio até 100% em ações — como sucede atualmente.

Gerido por Emília Vieira, o fundo conta com apenas três anos de vida (foi lançado a 1 de outubro de 2020), mas replica a mesma estratégia de investimento em valor que a gestora e a sua equipa têm aplicado nas carteiras discricionárias dos seus clientes desde 2010 que gerou uma rendibilidade média anual de 4,5% na última década e de 7,4% no último quinquénio. Este ano, o Save & Grow PPR na classe founders acumula ganhos de 31,9% até 8 de dezembro. É o PPR mais rentável do mercado.

O trunfo fiscal dos PPR para angariar investidores

A popularidade dos PPR não é de todo gerada pelos seus desempenhos. Os bancos e outros comercializadores de PPR sabem disso. Por essa razão, procuram vender estes produtos, não pelas rendibilidades passadas, mas pelo benefício fiscal à entrada que oferecem.

Ao subscrever ou reforçar um PPR, é possível deduzir à coleta de IRS o equivalente até 20% do valor investido, até um limite de 400 euros. De acordo com a legislação em vigor, esse benefício varia consoante a idade dos subscritores dos PPR.

  • Para investidores com menos de 35 anos, o benefício fiscal máximo pode ascender até aos 400 euros através de um investimento anual de 2.000 euros.

  • Para investidores com idades entre os 35 e os 50 anos, o benefício fiscal máximo é de 350 euros, aplicando 1.750 euros.

  • Para investidores com mais de 50 anos, o máximo que podem receber do benefício fiscal são 300 euros, a que corresponde um investimento anual de 1.500 euros.

No entanto, é importante notar que o benefício fiscal conferido pelo investimento em PPR concorre com outros, como a dedução à coleta por dependentes ou a dedução por despesas de saúde. Assim, nem todos os subscritores conseguem usufruir do limite máximo. Aliás, são muito poucos aqueles que conseguem maximizar o benefício fiscal.

Segundo as últimas estatísticas das Finanças, o Estado concedeu cerca de 74 milhões de euros por ano entre 2019 e 2021 (ainda não há dados de 2022) em benefícios fiscais aos cerca de 419 mil agregados familiares com deduções de PPR neste período que aplicaram mais de 3.174 milhões de euros por ano.

Assim, de acordo com cálculos do ECO, o benefício fiscal obtido entre 2019 e 2021 pelos aforradores que aplicaram as suas poupanças em PPR foi de apenas 2,51% sobre o montante global investido ou 191 euros por agregado familiar, assumindo que a maioria declarou o investimento em PPR. Significa que, em média, um investidor com menos de 35 anos, obteve um benefício fiscal em sede de IRS no montante de 50 euros através do investimento de 2.000 euros por ano entre 2019 e 2021.

Estes números tornam claro que a escolha de um PPR para construir um complemento de reforma robusto está muito para lá da obtenção de um bónus fiscal no presente. Desde logo, porque a probabilidade de usufruir da maximização desse benefício é bastante diminuta.

Além do benefício fiscal à entrada, os PPR têm um segundo trunfo fiscal: se o resgate for realizado numa das condições previstas na lei, a tributação sobre as mais-valias limita-se a 8%. Trata-se de uma grande vantagem, porque a maioria das aplicações financeiras é alvo de uma tributação à taxa de 28%.

Mas mesmo que o resgate seja realizado fora destas condições, a tributação dos ganhos gerados continua a ser mais baixa do que os tradicionais 28% e varia consoante a duração do investimento: 21,5% (até cinco anos), 17,2% (entre cinco anos e um dia e oito anos) e 8,6% após oito anos. Porém, quem resgatar o PPR fora as condições previstas na lei e tiver usufruído do benefício fiscal à entrada, terá de devolver ao Fisco essa dedução acrescida de 10% por cada ano que tenha passado desde o investimento.

Mas será que a vantagem fiscal à saída conferida pelos PPR compensa o investimento nestes produtos? Tomando por base a última década, verifica-se que um quinto dos fundos PPR registou perdas e, em média, geraram uma rendibilidade média anual bruta de 1,3%. No mesmo período, um investimento feito em Certificados de Aforro (Série C) gerou na carteira dos aforradores ganhos médios anuais líquidos de impostos de 1,41%.

Nota: Nenhuns dos produtos assinalados no texto traduzem-se em recomendações de investimento. Este texto não dispensa a consulta da informação oficial dos produtos financeiros identificados e nunca é demais lembrar que rendibilidades passadas não são garantia de rendibilidades futuras.

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