Afinal que impacto terá o teto imposto ao preço do petróleo russo?

8 dez 2022, 18:00
Exploração de Petróleo (Foto: M.Lupan/Unsplash)

O teto aos preços do petróleo russo abrange o "ouro negro" transportado em navios, sendo que a Comissão Europeia prevê que esta medida reduza as receitas russas provenientes da sua venda

Entrou esta terça-feira em vigor o teto ao preço do petróleo russo, por parte do G7, o grupo das maiores economias do mundo sendo que esta medida abrange o "ouro negro" transportado em navios. A medida provocou um “engarrafamento” de navios petroleiros nas águas turcas, após as autoridades de Ancara exigirem às seguradoras a total cobertura das embarcações que navegam nos estreitos.

O "engarrafamento" fez com que 19 navios ancorassem perto dos dois estreitos que fazem a ligação entre os portos russos no Mar Negro e os mercados internacionais.

Em que consiste a medida?

O teto aos preços do petróleo russo tem muito que se lhe diga: não recai sobre qualquer petróleo, mas sim sobre aquele que é transportado em navios. Isto significa que as empresas de transporte marítimo estarão proibidas de fazer circular o petróleo russo a não ser que ele seja vendido abaixo do teto estabelecido, os 60 dólares. E também ficam proibidos os financiamentos e seguros àqueles que desrespeitem o limite de preço. Ao mesmo tempo, já começou o embargo à importação de petróleo russo no Velho Continente. Então, para que serve o teto? A Europa e os aliados estão a incentivar que países terceiros, fora do chapéu do Velho Continente, contem com esta limitação de preço.

Qual o objetivo?

O limite de 60 dólares “irá reduzir as receitas que a Rússia recebe com a venda de petróleo” e deverá “estabilizar os preços da energia a nível global”, prevê a Comissão Europeia, numa nota com perguntas e respostas sobre o teto.

No entender da Comissão, com este teto, mantêm-se “incentivos claros” para que se mantenham os fluxos de petróleo russo no mercado global. Os maiores beneficiários deste limite nos preços, continua o legislador europeu, serão assim os países em desenvolvimento, em África, na Ásia e na América Latina, “o que serve a estabilidade do mercado global”.

Alguns países, como por exemplo a Polónia, queriam que o preço máximo fosse ainda mais baixo – tão baixo quanto 20 a 30 por barril, mas os Estados Unidos não chegaram a acordo, para não criar uma lacuna demasiado grande no mercado petrolífero, indica o analista Henrique Tomé, da XTB.

Quais os prazos de entrada em vigor?

A medida entrou em vigor já esta segunda-feira, 5 de dezembro, no que diz respeito ao petróleo, e estender-se-á a 5 de fevereiro a outros produtos petrolíferos, sendo que neste segundo caso ainda não está definido o valor que servirá de teto.

O acordo sobre o preço máximo deverá ser revisto a cada dois meses para assegurar que este preço se mantenha a um nível pelo menos 5% inferior ao preço médio de mercado do crude russo, explica a XTB.

Que países se comprometeram a aplicar o teto?

Além da Comissão Europeia, aderiram à medida as sete economias mais ricas do mundo (G7) – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – e a Austrália, criando a autointitulada “Coligação do Teto de Preço”.

Quais as consequências para quem não aderir ao limite de preço?

Todos os países que não adiram à medida, e que comprem petróleo russo acima do teto, não poderão contar com os operadores europeus para transportar petróleo para os seus países, nem poderão usufruir de serviços relacionados – seguros e financiamento – com origem no Velho Continente.

Há exceções? Quais?

Existem, contudo, exceções. Os carregamentos de petróleo que tenham sido feitos antes de 5 de dezembro a um preço que exceda os 60 dólares por barril, poderão circular, desde que sejam entregues no destino final até 19 de janeiro. E há Estados membros que estão autorizados a continuar a importar crude, “devido à sua situação específica” ou se o fornecimento de petróleo russo por pipeline for interrompido por razões fora do seu controlo”. Uma última exceção passa pela importação de petróleo e derivados para projetos essenciais à segurança energética de países terceiros.

Até quando se mantém o teto?

O teto não é, sequer, imutável. Agora, é de 60 dólares, mas pode ser alterado, consoante “a eficácia da medida, a sua implementação, a adesão internacional, impactos nos membros da coligação e desenvolvimentos de mercado”, lê-se na nota. Em caso de alterações, é concedido um período de adaptação de 90 dias aos serviços associados.

Quais as consequências em caso de incumprimento?

Fora as exceções, estão definidas represálias. “Se um navio de um país terceiro for identificado a carregar petróleo acima do teto, os operadores europeus vão ser proibidos de fazer seguros, financiar ou prestar serviços a este navio para o transporte de petróleo russo ou produtos petrolíferos russos nos 90 dias após a descarga da carga”. No caso de não ser europeu, o navio estará “sujeito a consequências de acordo com a legislação nacional de cada Estado-membro”.

O preço do teto é adequado?

Segundo a estrategista de petróleo da Bloomberg, Julian Lee, na newsletter Element desta segunda-feira, “quase de certeza” que vai haver crude a ser negociado abaixo do teto imposto pela coligação, uma vez que o limite foi colocado num nível acima do preço a que o petróleo russo está a ser vendido nos seus terminais.

O CEO da Galp, Andy Brown, afirmou numa entrevista à Bloomberg, também nesta manhã de segunda-feira, que considera que o limite ao preço foi imposto “na medida certa – não baixo o suficiente para tirar fluxos do mercado, não alto o suficiente para se financiar a guerra”.

O analista da ActivTrades encara a medida como “uma forma inteligente de reduzir as receitas de Moscovo sem privar o mercado global do crude russo, que poderá continuar a ser comprado por países como a Índia, China, e outros, embora a preços mais baixos”.

A XTB indica, contudo, que as exportações de petróleo russo para a Europa e Reino Unido já caíram mais de 35%, pelo que não espera que as exportações continuem a diminuir muito mais, uma vez que esta medida poderia provocar um desequilíbrio nos preços do petróleo. O mesmo analista aponta que poderá haver o risco da Rússia terminar com o fornecimento de petróleo à Europa, contudo, “essa medida seria devastadora em termos económicos para a Rússia”, pelo que vê o como pouco provável.

Que efeito terá nos preços do petróleo?

“A Rússia aprovou um aumento da produção de petróleo. Supondo que a maior parte da oferta da Rússia permaneça no mercado, o efeito sobre os preços será pequeno”, afirma Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. Já se os preços globais do barril de petróleo aumentarem, este limite forçará a Rússia a aceitar um desconto ainda maior, podendo Moscovo responder com uma diminuição das respetivas vendas, prevê.

“Nos mercados internacionais, esta medida acabou por não ter impacto” e “até agora, estas medidas não têm estado a ter nenhum impacto em relação à estabilização dos preços”, relata Henrique Tomé, apontando que esta segunda-feira, durante a manhã, os preços do Brent estiveram a subir mais de 2%, mas que ao longo da sessão todos os ganhos acabaram por ser devolvidos.

Ricardo Evangelista, da ActivTrades, afirma que há que “esperar para ver quais serão os efeitos”, mas realça que há outros fatores relevantes em jogo, como o comportamento da OPEP quanto às suas quotas de produção, os confinamentos na China e uma eventual decisão norte-americana de reabastecer stocks.

Outros analistas não estão tão otimistas. Amrita Sen, da Energy Aspects, citada pelo Financial Times, afirma que o mercado de petróleo pode encolher “significativamente” na primavera. Martjin Rats, estrategista na Morgan Stanley, aponta que muito petróleo poderá ter de adotar novas rotas, o que pode pressionar em alta os preços desta matéria-prima. Cerca de 2,4 milhões de barris por dia, de petróleo russo, terão de encontrar um destino fora da Europa e dos países do G7, o que pode exigir cerca de 100 navios adicionais, dispostos a navegar sem seguros do Ocidente, de forma a que o petróleo russo possa continuar a fluir para destinos como a China, Índia ou Turquia. Um número que a Brenstein considera difícil de assegurar, pelo que a oferta deverá cair e os preços poderão subir, como consequência, até cerca dos 120 dólares no próximo ano, mesmo tendo em conta o efeito de recessão. A Vitol, que negoceia petróleo, estima que as exportações russas por navio possam cair em 20%.

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