Ex-ministro apresentou oficialmente a candidatura. Fê-lo na sede do PS, onde houve euforia
DISCURSO NA ÍNTEGRA
Boa tarde. Quero começar esta intervenção por cumprimentar e agradecer a vossa presença num momento particularmente difícil para o nosso partido.
Cumprimento também todos os camaradas e simpatizantes que me dirigiram mensagens e comunicações de apoio nos últimos dias.
Os acontecimentos recentes, que são conhecidos de todos os portugueses, levaram António Costa a demitir-se das funções de Primeiro-Ministro e também de Secretário-Geral do Partido Socialista.
É neste quadro que, aberto um processo eleitoral interno para a eleição dos órgãos do Partido, eu apresento a minha candidatura a Secretário-Geral do PS.
Os portugueses, tal como os militantes do PS, conhecem-me. Conhecem as minhas qualidades e os meus defeitos. Conhecem o meu inconformismo e a minha combatividade; conhecem a minha vontade de fazer acontecer e os meus sucessos; conhecem também os meus erros e as minhas cicatrizes.
Sim, os erros que cometemos e as cicatrizes que carregamos fazem parte das nossas vidas.
Aqueles que não fazem e não decidem, os que se limitam a gerir e a manter o que existe, esses raramente cometem erros.
Mas ainda mais importante do que termos consciência dos nossos erros é saber o que fazer com eles.
Quem os comete, deve com eles aprender. E quem aprende com os erros, está preparado para os evitar e melhor decidir no futuro. Quem decide e faz não pode ter medo de os cometer.
Cada um é o resultado da educação que recebeu, do meio onde cresceu e das experiências que teve.
Sou natural de São João da Madeira, terra com a palavra “Labor” no topo do seu escudo. Terra de empresários e trabalhadores; de trabalhadores que se fizeram empresários e de empresários que voltaram a ser trabalhadores.
O meu pequeno concelho existe fruto do trabalho e do esforço criativo do seu povo.
Começámos por ser o principal pólo da indústria chapeleira do país e um dos principais focos da revolução industrial em Portugal.
Mas os usos e costumes mudam e evoluem. As pessoas, os homens em particular, deixaram de usar chapéus e a indústria chapeleira entrou em crise.
Mas os trabalhadores e os empresários de S. João da Madeira não baixaram os braços e a queda da indústria chapeleira foi substituída pela indústria de calçado.
Como o mundo não pára, o setor do calçado hoje é só mais um entre muitos. A capacidade de criar e de fazer, de cair e de reerguer faz parte da identidade de ser sanjoanense.
Também faz parte da minha.
Sou neto de sapateiro e filho de empresário.
Cresci com as dificuldades das famílias trabalhadoras e com tantas desigualdades e injustiças diante dos meus olhos. Não é por acaso que falo tantas vezes das gaspeadeiras: aquelas mulheres que trabalham horas e horas em frente a uma máquina de costura para poder criar os seus filhos e ajudá-los a ter uma vida melhor do que a delas.
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Mas também cresci com os desafios e as ansiedades permanentes dos empresários que lutam para conseguir encomendas que garantam a sobrevivência das suas empresas.
A produção na minha terra nunca se fez colocando umas pessoas contra as outras.
O diálogo, a negociação e a concertação são uma das marcas do desenvolvimento de São João da Madeira.
O setor do calçado foi sempre um dos maiores exemplos de concertação social, de acordos entre trabalhadores e empresários. Foi esta cultura de diálogo, de negociação e de concertação que me ajudou nos anos em que trabalhámos diariamente com os partidos que apoiavam o governo do Partido Socialista.
Em 2014, fui um dos primeiros presidentes de federação do PS a manifestar apoio à candidatura de António Costa a Secretário-Geral do Partido Socialista. Fi-lo em bom tempo. Tive a oportunidade de trabalhar com um dos melhores políticos portugueses que conheci.
António Costa foi o líder que derrubou os muros erguidos entre o PS e os outros partidos da esquerda parlamentar, foi ele quem teve a iniciativa de desfazer o bloqueio que colocava o PS em desvantagem face a uma direita que se conseguia entender para governar. António Costa foi o líder que perante a catástrofe que se abateu em Portugal, aquando dos incêndios de 2017, liderou uma importante reforma do território, das florestas e da proteção civil que produziu resultados importantes nos anos seguintes. António Costa foi o líder que conduziu de forma exemplar o combate à crise pandémica que nos testou enquanto comunidade em 2020 e 2021. Mas estes anos não foram apenas anos de gestão de crises. Foram anos em que Portugal cresceu acima da média europeia, em que colocámos o país numa trajetória sustentada de redução da dívida pública e onde voltamos a colocar o emprego em níveis que já não tínhamos desde o início do milénio. À pergunta que alguns analistas fazem: “Qual foi o desígnio de António Costa?”, e para a qual só teremos resposta com o devido distanciamento no tempo, permitam me dar um contributo. Usarei uma expressão do próprio para descrever o seu maior desígnio: “emprego, emprego e emprego”. Foram mais de 600 mil empregos criados desde que o PS assumiu funções no final de 2015.
É verdade que ainda há muito por fazer, e que são muitos os problemas que afligem as famílias portuguesas, mas seria errado e injusto esquecer o legado que é deixado ao país pelos governos liderados por António Costa.
Uma investigação judicial ditou o fim do governo. É um momento difícil para a nossa democracia e para o nosso partido, em particular.
Não vou ignorar o quanto os acontecimentos da passada semana abalaram as instituições da República e a sua credibilidade perante os cidadãos. E sobre essa matéria entendo o seguinte: em primeiro lugar, afirmar, sem margem para quaisquer dúvidas, que o combate à corrupção constitui uma tarefa prioritária e indeclinável do Estado; em segundo, sublinhar a necessidade imperiosa de observância das regras do Estado de direito democrático, como a presunção da inocência e a independência do poder judicial.
Estas matérias são fundamentais e a justiça é central para o funcionamento de uma democracia de qualidade. Mas o PS não vai passar os próximos quatro meses a discutir um processo judicial. O nosso dever é preparar e defender uma política para o país. Ao longo dos próximos meses apresentaremos as nossas ideias, nas diversas áreas, para dar resposta aos problemas e anseios dos portugueses. Mas neste momento permitam-me destacar três preocupações centrais:
Em primeiro lugar, os salários. Sem salários dignos os trabalhadores portugueses não se sentirão nem reconhecidos nem respeitados. Sem salários dignos não conseguiremos estancar a emigração de jovens, daqueles que não saem porque querem, mas porque não se sentem valorizados no seu país. Sem salários dignos nunca conseguiremos ter uma administração pública capaz de recrutar e reter quadros qualificados.
Portugal só conseguirá ser um país desenvolvido e próspero se valorizarmos e respeitarmos todos os que hoje trabalham, bem como os idosos que trabalharam toda uma vida, e os jovens que farão o futuro do nosso país.
Mas não teremos salários dignos no presente e pensões dignas no futuro sem empresas fortes e rentáveis. Não teremos empresas fortes e rentáveis sem uma economia sofisticada e diversificada. E não teremos uma economia sofisticada e diversificada sem um continuado investimento na ciência e na inovação, sem a persistente transferência de conhecimento para a economia, e sem o apoio sistemático ao desenvolvimento e a inovação das nossas empresas. Não conseguiremos salários dignos desprezando quem trabalha, mas também não o conseguiremos desprezando as empresas e ignorando os seus desafios. Reconhecemos que as empresas são comunidades entre empresários e trabalhadores, e que as relações entre uns e outros são feitas de direitos e de obrigações. É por isso que o PS é a plataforma política que melhor defende e promove o diálogo, a negociação e a concertação entre empresários e trabalhadores.
Em segundo lugar, a habitação. As famílias portuguesas têm sido esmagadas pela inflação e pelo aumento das taxas de juro. Se, por um lado, os salários são baixos por outro o custo de vida é alto. Na parcela dos custos pesa muito a despesa com habitação - seja com a compra, o arrendamento ou o crédito.
A habitação não é só um teto, é o espaço onde organizamos a nossa vida, onde vivemos em família, onde nos refugiamos e nos sentimos seguros. É o nosso primeiro direito - porque sem ele dificilmente conseguiremos garantir os outros. Mente aos portugueses quem disser que tem uma solução única, rápida e eficaz para o problema do acesso à habitação. O problema é de difícil resolução e não é apenas nacional. Em 2020, comigo Ministro com a pasta, lançámos o maior plano de investimento público em habitação da história da nossa democracia. É verdade que os processos são demorados - mas já temos a quase totalidade dos nossos municípios a trabalhar, duas mil e quinhentas casas entregues, dezoito mil em fase de projeto e obra. Serão mais de trinta mil casas até 2026.
Ainda estamos muito longe do parque público que precisamos, é verdade, mas o trabalho que iniciámos não tem precedentes na história recente. Já depois da minha saída, o governo adotou mais medidas para dar uma resposta imediata ao problema. Queria destacar o apoio às rendas criado este ano e que já abrange mensalmente 185 mil famílias. Bem sei que não é suficiente e que teremos de voltar ao tema porque ele é prioritário para os portugueses. O diálogo, a negociação e a concertação entre inquilinos e proprietários, e entre famílias e bancos serão decisivos para o sucesso da nossa estratégia.
Em terceiro lugar, valorizar o território. Os problemas dos que vivem nos grandes centros urbanos são reais e merecem a nossa atenção, mas os portugueses que vivem fora de uma estreita faixa do litoral sentem-se há muitas décadas cidadãos abandonados num território esquecido. Queixamo-nos de Portugal ser um país pequeno, mas damo-nos ao luxo de não aproveitarmos plenamente mais de 70% do nosso território. Desenvolver o interior e os territórios de baixa densidade não é só cuidar e respeitar o povo que nunca desistiu das suas terras, é também pensar no desenvolvimento de Portugal como um todo.
Seremos uma comunidade mais forte, mais rica e menos desigual quanto melhor soubermos aproveitar todo o nosso território. Será através do diálogo, da negociação e da concertação com o povo do interior, os seus autarcas e as empresas que conseguiremos construir as políticas que permitirão a Portugal ser um país inteiro.
Aqui, quero também lembrar as regiões autónomas e o povo açoriano e madeirense. Portugal inteiro é continental e insular. Os açorianos e madeirenses sabem que podem continuar a contar com o PS.
No próximo ano, Portugal comemorará os 50 anos do 25 de Abril. 2024 será um ano de renovação da esperança de abril, de defesa do que conseguimos construir enquanto comunidade nestas cinco décadas de democracia, do SNS à escola pública, mas também um ano de exigência e de lançamento das reformas que o país e o Estado social precisam. De reformas que aprofundem e desenvolvam as nossas conquistas - e não das reformas que a direita quer impor ao país e que visam sempre a mesma coisa: diminuir direitos.
É muito importante lembrar que a direita não cumpre as suas promessas nem faz o que apregoa. A direita fala muito em controlo das contas públicas, mas no seu último governo começou o seu mandato com a divida pública nos 114% do PIB, e acabou com 131%. A direita cortou salários e pensões quando prometeu que não o faria. Cortou na saúde e na educação quando prometeu que não faria. Aumentou impostos quando prometeu que não o faria.
É muito importante lembrar todas estas promessas que a direita prometeu e não cumpriu porque ainda agora nos promete que não fará acordos com a direita populista, racista e xenófoba, quando é precisamente isso que se prepara para fazer. É muito importante lembrar que a direita não cumpre promessas quando diz que quer baixar impostos, aumentar pensões ou recuperar o tempo de serviço dos professores. A direita simplesmente não tem credibilidade.
Quando celebrarmos no próximo ano os 50 anos do 25 de Abril, será a primeira vez que o país poderá eleger um líder que já nasceu em liberdade. Nessa data seremos muitos os milhões que, como eu, tiveram a sorte de viver quase toda a sua vida numa sociedade com as instituições essenciais de um Estado de direito democrático e social: eleições livres; liberdade de expressão e de associação; uma justiça independente; uma escola pública que garante a educação de todos, sem olhar à origem social; um serviço nacional de saúde que não pergunta se o doente tem dinheiro para pagar o tratamento; uma segurança social pública que protege todos, independentemente da idade ou dos azares da vida.
Talvez por não termos vivido num passado em que nada disto existia; talvez por não termos memória pessoal desses tempos, possamos esquecer que a democracia e o Estado Social são as maiores construções coletivas de que fomos capazes. Talvez as vejamos como conquistas irreversíveis. Mas não são.
Não chega comemorar estas conquistas, é preciso consolidá-las. É preciso garantir os meios necessários à escola pública e ao SNS, bem como todos os outros serviços públicos essenciais ao bem-estar da população. Assegurar que os portugueses têm as bases essenciais para gozar a liberdade que devia ser de todos: um salário digno, uma casa, saúde, segurança e sonhos concretizados.
Só com o Partido Socialista unido e forte poderemos proteger o legado que tanto custou a erguer, mas também construir o futuro com a certeza de que podemos viver melhor na nossa terra, viver melhor em Portugal. Só com o Partido Socialista unido e forte é que será possível melhorar as condições de vida e dar esperança no futuro à esmagadora maioria das pessoas.
Ao longo do último meio século, o Partido Socialista - o partido de Mário Soares, de Manuel Alegre, de Salgado Zenha, de António Arnault, de António Guterres, de Jorge Sampaio, entre outros - foi o lugar de encontro e de debate entre sociais-democratas, humanistas e progressistas.
O PS foi, é e continuará a ser o espaço comum de quem acredita na liberdade e na igualdade, e de quem as entende como valores fundacionais de uma comunidade decente - uma comunidade em que o respeito pela dignidade humana, a tolerância e a solidariedade.
Camaradas,
Muito se tem falado de uma suposta divisão no PS entre uma ala “centrista e moderada” e uma ala de “esquerda e radical”. Mas esta discussão tem pouco sentido. Alimenta conflitos artificiais e apenas serve a quem combate o PS. Na pluralidade que sempre existiu neste partido, o que está em causa não é uma disputa entre a moderação e o radicalismo.
O que está em causa é, antes, quem, num dado momento, está em melhores condições de unir o partido, é mais capaz de adequar os valores do PS a um dado contexto histórico, e é o melhor intérprete e executante do projeto de transformação do país de que o PS tem de ser o portador.
É por tudo isto que sou candidato a Secretário-geral do Partido Socialista. Sou candidato porque sou herdeiro dos seus fundadores, dos seus valores e suas ambições. Sou candidato porque acredito no meu país e tenho a esperança de convosco sermos capazes de vencer os desafios do futuro de Portugal.
Força camaradas, temos umas eleições para vencer!
Viva o PS! Viva Portugal!