"É um match intergeracional": esta plataforma quer juntar jovens que procuram quarto e idosos solitários para viverem juntos

7 jan, 22:00
(Pexels)

Foi lançada há um mês e conta já com centenas de candidaturas, quer do lado dos jovens, quer dos seniores. O objetivo é fazer "match" entre jovens universitários deslocados que procuram quarto e idosos que estão sozinhos para combater dois "grandes desafios" que a sociedade portuguesa hoje enfrenta: a solidão e a crise na habitação

“É bom estar em casa à espera de alguém. Quando se vive sozinho, sobretudo quando se é mais velho, esperar alguém é sempre muito bom”. As palavras são de Zulmira, uma médica psiquiátrica reformada que vivia sozinha e que, no início deste ano letivo, abriu as portas da sua casa a Lucas, um jovem universitário de 18 anos que foi estudar para Coimbra e que até então lhe era desconhecido.

São um exemplo de duas gerações que fizeram ‘match’ para partilhar casa no âmbito do Abraço de Gerações, um dos programas que integra a iniciativa Partilha Casa, promovida pelo MEO e lançada no início de dezembro. A iniciativa visa “mitigar a dificuldade de acesso a alojamento a um custo acessível por parte de jovens universitários deslocados do seu contexto familiar e a solidão da população sénior”, explica à CNN Portugal Luiza Galindo, diretora de Marca e Comunicação MEO.

“É um match intergeracional em que o estudante não paga a renda do quarto e em troca dá a sua companhia a alguém que vive sozinho”, descreve Teresa Sousa, assistente social que trabalha no Abraço de Gerações - programa que já existia antes desta parceria para a plataforma Partilha Casa e que já juntou quatro “pares ideais” de jovens universitários e seniores em Coimbra.

Mas também aqui a procura é maior do que a oferta: desde o lançamento da Partilha Casa, no início do mês, o programa Abraço de Gerações recebeu mais de 50 candidaturas de jovens universitários que procuram um quarto numa casa partilhada com um sénior, e apenas oito de pessoas idosas disponíveis para receber um estudante em casa.

Esta tendência verifica-se de forma mais acentuada no programa Une.Idades, que atua em Lisboa e que também integra a iniciativa Partilha Casa. Até agora, o programa, lançado no início do mês, já recebeu 500 candidaturas de jovens universitários e apenas 100 de seniores. “Já sabíamos que ia haver um desfasamento” entre a procura e a oferta, admite à CNN Portugal Inês Schmidt, fundadora do programa. “Ainda assim, [o desfasamento] está a ser muito menos discrepante do que antecipámos”, completa, com otimismo.

Inês Schmidt e Teresa Sousa atribuem esta tendência aos receios e preconceitos de parte a parte com este género de programas, que já existem noutros países da Europa e Estados Unidos, sobretudo nas grandes cidades. Enquanto as pessoas idosas “têm muita relutância em abrir as portas de sua casa a uma pessoa estranha”, ainda para mais um estudante universitário, que costumam associar a uma “vida mais boémia”, os jovens têm “muitas vezes uma ideia errada do que é uma pessoa mais velha” e das suas mais valias no seu quotidiano, explicam as representantes dos programas.

“A nossa função é afastar todos esses medos e reduzir os riscos ao máximo”, sublinha Inês Schmidt, sublinhando que a equipa do Une.Idades, tal como do Abraço de Gerações, acompanha todo o processo de modo a garantir uma boa convivência entre as duas partes.

Além dos receios associados ao desconhecimento de parte a parte, também as dificuldades de acesso à internet e a iliteracia digital podem explicar o maior número de candidaturas dos mais jovens em comparação com os mais idosos, indicam as representantes.

"Tenho um quarto", "Procuro quarto": uma candidatura à distância de um clique

É para colmatar estas dificuldades que surge a parceria com o MEO, que promove o projeto com campanhas publicitárias e agrega numa só página da internet os programas de alojamento entre jovens e seniores a nível nacional. Para já, a iniciativa Partilha Casa só está disponível em Coimbra e em Lisboa, através dos programas Abraço de Gerações e Une.Idades, respetivamente, mas "o objetivo é alargar esta iniciativa" a todo o país, indica Luiza Galindo, adiantando que "em breve" o projeto também estará disponível no distrito do Porto. "O nosso objetivo é que a plataforma cresça o número de entidades parceiras, seja via câmaras municipais ou instituições privadas. Todas as regiões são bem-vindas, incluindo os Açores e a Madeira naturalmente", convida Luiza Galindo.

A candidatura é online e está aberta a todos aqueles que correspondam aos requisitos dos programas, desde logo aos jovens universitários, entre os 18 e os 30 anos, matriculados numa universidade deslocada da sua área residência, bem como os seniores com idades a partir dos 60 anos (no caso do Une.Idades) ou 65 (no caso do Abraço de Gerações) e que tenham um quarto disponível em sua casa e em boas condições.

Além destes requisitos, importa ainda ter em conta outras questões que pesam na avaliação do perfil dos candidatos para fazer um "match" intergeracional. No caso dos seniores, devem ser independentes e abertos a ter uma nova presença em casa. Aos jovens, é-lhes pedido que estejam dispostos a fazer companhia e a “prestar alguma assistência” aos seniores em algumas tarefas do dia-a-dia, como ir ao supermercado, ajudar na toma da medicação, entre outras. “A ideia é que seja um jovem com uma sensibilidade especial e que saiba ter este tipo de relacionamento com pessoas mais velhas, que tenha paciência, carinho e atenção”, descreve a fundadora do projeto Une.Idades.

Para submeter uma candidatura, basta escolher a localidade pretendida e o respetivo programa - o Abraço de Gerações para Coimbra ou o Une.Idades para Lisboa - e selecionar as opções adequadas (‘Tenho um quarto’ no caso dos seniores, ou ‘Procuro quarto’ no caso dos jovens).

Depois de preencher um formulário com alguns dados pessoais, resta aguardar o contacto do programa que selecionou para uma avaliação psicológica e socioeconómica através do preenchimento de questionários e entrevistas presenciais. No caso dos seniores, é feita ainda uma visita ao domicílio para avaliar as condições da casa e do respetivo quarto.

Todo este processo de triagem “pode demorar ainda dois meses”, indica Inês Schmidt, sublinhando que é nesta fase que os programas procuram traçar os perfis de cada pessoa, nomeadamente interesses em comum, gostos e hábitos, de modo a encontrar um verdadeiro “match”.

Do “match” à assinatura de um contrato

Uma vez encontrado o par ideal, as duas partes podem finalmente conhecer-se e confirmar se pretendem avançar para a fase final - a assinatura de um contrato com o respetivo programa, que tanto pode ter um prazo curto ou de longa duração (no caso da Abraço de Gerações, o programa pretende promover contratos mais longos, que possam manter-se durante todo o curso do ensino superior, enquanto o Une.Idades estabelece contratos de três meses renováveis automaticamente).

Além da duração dos contratos, também os custos da partilha de casa variam consoante o programa selecionado. No caso do Abraço de Gerações, apesar de o alojamento ser gratuito, o estudante deve comparticipar no pagamento das despesas domésticas, nomeadamente água, luz e gás. No caso da Une.Idades, existem três tipologias de contratos, sendo que o valor a pagar mensalmente varia consoante a tipologia escolhida. “Tentamos que seja sempre o dono da casa a estabelecer o que está disposto a receber”, indica Inês Schmidt, não se comprometendo a divulgar “valores certos” dos contratos, até porque o programa ainda está numa fase embrionária, de seleção de candidatos, e “há pormenores que ainda estão a ser tratados” nesse sentido. 

Depois da assinatura do contrato, é a altura de preparar a mudança. Durante o período da partilha de casa, as equipas dos dois programas comprometem-se a fazer visitas regulares para “garantir a segurança, proteção e acompanhamento ao longo de toda a experiência” e a “promover o relacionamento intergeracional e o envelhecimento ativo”. 

“A ideia é mesmo que se gere uma convivência entre as duas partes como familiares que habitam juntos e que fazem programas juntos”, explica Inês Schmidt, acrescentando que o Une.Idades pretende lançar iniciativas à margem da partilha de alojamento para promover a intergeracionalidade, nomeadamente com a oferta de bilhetes para ir ao teatro em conjunto, entre outros.

Lucas e Zulmira, o exemplo de um “match” intergeracional

Lucas e Zulmira conheceram-se por intermediação do programa Abraço de Gerações no início deste ano letivo, quando Lucas estava à procura de um quarto para viver enquanto frequenta os estudos na Universidade de Coimbra. Num testemunho partilhado pela iniciativa Partilha Casa, o jovem conta que conheceu o programa por acaso, depois de pesquisar na internet por anúncios para arrendamento de quartos que “não tinha possibilidades de pagar”.

Zulmira, por sua vez, procurava algumas “atividades para ocupar os tempos livres” agora que está reformada. Ao folhear um jornal, deparou-se com um artigo sobre a associação Abraço de Gerações que lhe despertou interesse. Afinal, tinha um quarto disponível em casa e agradou-lhe a ideia de ter companhia no dia a dia. Depois de contactar a associação, recebeu em casa uma responsável da mesma que lhe fez uma entrevista e uma avaliação das condições da casa e do quarto.

Zulmira, que tinha indicado na entrevista que gostaria de receber na sua casa uma jovem universitária, ficou surpreendida quando a contactaram da associação para a informar que tinham um jovem que queriam que conhecesse. “Fiquei preocupada. Já estava preparada para receber uma jovem, mas achei que a necessidade [do Lucas] e as suas características não traziam problema. E foi assim que o Lucas entrou aqui na minha casa e na minha vida”, conta.

Lucas confessa que aderiu ao programa como uma “expectativa muito estereotipada” por ter de partilhar a casa com uma pessoa idosa. “Também tinha algumas inseguranças, naturalmente, porque ia para a casa de um desconhecido”, acrescenta. 

Apesar das dúvidas iniciais, este revelou-se um exemplo de um verdadeiro “match”. “Adaptámo-nos bem aos horários [um do outro]. Eu adaptei um pouco a minha vida ao Lucas porque agrada-me a companhia dele e, sempre que possível, tento que tomemos o pequeno-almoço juntos, embora ele tenha horários diferentes dos meus”, conta Zulmira, que confessa que, antes da chegada de Lucas a sua casa, “tinha um horário um bocado irresponsável porque não trabalhava”.

A experiência também está a superar as expectativas de Lucas, que admite que conviver com Zulmira tornou “mais fácil” a sua adaptação à cidade e ao início deste seu novo capítulo académico, uma vez que Zulmira o ajuda a “ter métodos de estudo”. Lucas, por sua vez, diz que está “sempre pronto” para ajudar a companheira de casa nas tarefas do dia-a-dia, seja a levar os sacos das compras do supermercado para o andar do prédio onde vivem ou simplesmente colocar a louça na máquina de lavar.

O 'match' entre Lucas e Zulmira é um exemplo daquilo que é esperado pelos programas Une.Idades e Abraço de Gerações no âmbito da iniciativa Partilha Casa. Cerca de um mês depois do lançamento desta iniciativa, os dois programas já estão a avaliar algumas candidaturas e fazem um balanço positivo da mesma. 

“Superou imenso as nossas expectativas, não estávamos à espera de uma adesão tão elevada”, admite Inês Schmidt, que antecipa um ano recheado de duplas: “A nossa primeira ambição era que em setembro de 2024 chegássemos às 100 parelhas, mas com esta adesão tão forte acreditamos que vamos chegar a números superiores."

Do lado do MEO, o balanço também é "bastante positivo". "Temos tido bom feedback dos candidatos e de muitas outras instituições de todo o país que nos têm contactado e que pretendem juntar-se ao projeto. Estamos muito satisfeitos com este retorno, uma vez que investimos 80% do nosso orçamento de comunicação no Natal direcionado para esta iniciativa", indica Luiza Galindo.

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