Polícia do dinheiro dos partidos tem quase mil processos pendentes. Multas de 2017 ainda estão por passar

23 mai 2023, 08:06

Diagnóstico é feito pela própria entidade que funciona junto do Tribunal Constitucional. Deputados deram-lhe muitas competências, mas a lei esqueceu-se dos meios

A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), responsável pela fiscalização do dinheiro que passa pelos partidos e pelas campanhas eleitorais, avisa que precisa de mais meios e acima de tudo de uma nova lei para cumprir as funções que lhe foram atribuídas pela legislação.

"Apesar da amplitude e relevância das competências que o legislador atribuiu à Entidade, o quadro legal não sofreu qualquer atualização nos recursos humanos e administrativos", refere a resposta enviada ao Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal), que acrescenta que "a lei é completamente omissa na estrutura orgânica necessária para o desempenho das competências atribuídas", algo que devia ter sido garantido pelo legislador.

Em causa está a lei orgânica da ECFP aprovada pelos deputados em 2018 e que cinco anos depois continua muito longe de ser perfeita.

Quatro anos de coimas prescritas

Não é por acaso que os dados avançados à TVI confirmam que desde 2019 já prescreveram as coimas aplicadas pelas falhas encontradas nas contas dos partidos de 2010, 2011, 2013 e 2014, bem como as centenas de contraordenações verificadas nas campanhas das eleições autárquicas de 2013. Neste momento continuam pendentes as avaliações das contas anuais dos partidos desde 2019, bem como por concluir as coimas relativas às contas anuais partidárias de 2017 e às eleições autárquicas do mesmo ano.

"Do que serve aos portugueses identificar que numa campanha há seis anos alguém violou a lei?!", questiona João Paulo Batalha, consultor em políticas anticorrupção, num problema reforçado pelo presidente da Transparência Internacional Portugal, Nuno Cunha Rolo, que sublinha que não há meios para fiscalizar todas as contas e todo o dinheiro que passa pelos partidos e pelas campanhas, contrariando aquilo que é exigido pela lei.

Partidos bem protegidos pela legislação feita no Parlamento

Os problemas da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) são diagnosticados, aliás, pela nova presidente que tomou posse no final de 2021.

A magistrada Fátima Mata-Mouros passou o primeiro ano do mandato a avaliar as condições de funcionamento da Entidade.

O diagnóstico está feito nas respostas escritas enviadas à TVI, mas também numa resposta enviada em fevereiro à Comissão Europeia para o último relatório sobre o estado da justiça nos países europeus.

O documento revela que todo o processo de fiscalização do dinheiro na política tem de ser, por lei, extremamente moroso, com três fases. "Em todas essas fases há direito ao contraditório: na avaliação das contas, nas sanções e nos recursos, o que obriga a notificações (por carta e e-mail) por imposição legal", diz a ECFP.

921 processos pendentes

Recuperar o serviço pendente que envolve nesta altura 921 processos é um desafio "extremamente difícil", como refere o documento da ECFP enviado à Comissão Europeia que indica que "o recrutamento de técnicos enfrenta enormes dificuldades tendo em conta a especialização do assunto, especialmente no contexto de baixos salários oferecidos".

"Urge atribuir à  Entidade das Contas e Financiamentos Políticos uma estrutura orgânica que inclua uma divisão de auditoria, composta por técnicos especializados e conselheiros com uma remuneração adequada que garanta estabilidade", conclui a entidade liderada por Fátima Mata-Mouros.

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça

Patrocinados