João Paulo II "sabia" da existência de abusos sexuais na Polónia e ajudou a encobri-los, alega novo livro

CNN Portugal , MJC
9 mar 2023, 12:12
Papa João Paulo II (Arquivo/ GettyImages)

A acusação é feita pelo jornalista holandês Ekke Overbeek que, após mais de uma década de investigação, publicou o livro "Máxima Culpa"

João Paulo II "sabia" dos casos de abuso de menores por padres católicos na Polónia e ajudou a encobri-los antes de se tornar Papa, em 1978, afirma um novo livro, intitulado "Máxima Culpa", assinado pelo jornalista holandês Ekke Overbeek.

"Encontrei provas de que ele não apenas sabia dos casos de abuso sexual entre os padres na arquidiocese de Cracóvia, como também ajudou a encobrir esses casos", disse Overbeek à AFP, antes do lançamento do livro, na quarta-feira.

O jornalista, que mora na Polónia há mais de 20 anos, passou mais de uma década a investigar arquivos e a entrevistar vítimas e testemunhas, e já tinha publicado um relato bombástico sobre vítimas de padres pedófilos em 2013.

Alguns dos documentos citados no novo livro vêm dos arquivos da polícia secreta da era comunista. No entanto, nem tudo foi fácil nesta investigação. Overbeek disse à AFP que "os arquivos da Igreja Católica Romana estão fechados para os jornalistas", um obstáculo também encontrado por outros que investigam as acusações contra João Paulo II. De resto, a igreja polaca recusou fornecer documentos à polícia e a uma comissão pública de inquérito que investiga casos de abuso de menores pela igreja.

Overbeek garante que verificou todos as descobertas com outras fontes, incluindo recolhendo relatos de vítimas e de testemunhas. "Fui a primeira pessoa com quem eles conversaram sobre o que passaram quando eram crianças", explicou Overbeek, dizendo que os sobreviventes tinham medo de falar publicamente sobre o assunto. "Neste país, as vítimas de abuso sexual clerical têm medo... deveria ser o contrário", insistiu.

Entre os casos citados pelo jornalista está o de um padre acusado de obrigar meninas de 10 anos a praticar sexo oral. Overbeek diz que o padre confessou ao arcebispo Karol Wojtyla - o futuro Papa João Paulo II - em 1970. "Ele confessou tudo o que fez a Wojtyla. E isso é descrito em dois documentos, até mesmo em três", disse Overbeek. "E isso significa que temos 100% de certeza de que em 1970 Karol Wojtyla já sabia dos abusos sexuais."

O padre foi preso mais tarde, mas assim que foi libertado, Wojtyla permitiu que ele continuasse o ministério, disse Overbeek. "Isso é confirmado por uma carta escrita pelo próprio arcebispo Wojtyla."

"Uma das histórias mais difíceis de aceitar", acrescentou Overbeek, é a do padre Boleslaw Sadus, um colaborador próximo do futuro Papa. "Quando Sadus teve problemas depois de ser acusado de abusar de rapazes, ele ajudou-o pessoalmente a sair da Polónia e a começar uma nova carreira na Áustria", explicou o autor. 

Para Overbeek, "o facto mais problemático é que (o Papa) foi muito indulgente com os padres que fizeram esse tipo de coisas, mas não prestou atenção às vítimas e às suas famílias". Quando as pessoas pensam no Papa, lembram-se dele como "uma pessoa empática, calorosa e simpática", "mas aqui vemos uma face completamente diferente da mesma pessoa... o apparatchik da instituição da igreja."

A igreja polaca reagiu vigorosamente às novas acusações. Também o primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, defendeu Wojtyla, chamando-lhe o "nosso querido Papa" e culpando os jornalistas por "irem além do debate civilizado". O partido do governo anunciou que iria apresentar no parlamento uma resolução "a defender o bom nome de São João Paulo II".

Existe na Polónia um culto à personalidade de João Paulo II - que foi santificado em 2014 - , mas que, segundo o autor, tem vindo a perder a sua força nos últimos anos, especialmente entre os mais jovens.

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