Avisem Pacheco!

8 fev 2001, 18:48

Bilhete Incauto, o treinador mantém as portas abertas e expõe todos os seus segredos.

Chovia, ameaçava chover ou deixara de chover justamente naquele instante. Não me lembro bem. Lenta e cuidadosamente, desci as escadas molhadas e escorregadias, antes de pasmar perante o cenário invulgar e verdadeiramente ofensivo para um par de olhos habituado à monotonia da cal de longas e arredondadas paredes brancas ou ao vai-e-vem de caras famosas, quase sempre sisudas. 

Talvez sonhasse, ainda não tivesse acordado. Uma gota de água, que me fizera pontaria à testa, lembrava-me que duas horas haviam passado sobre o doloroso despertar. Meu Deus! Estava tudo ali, diante do meu nariz. Incauto, jovem, apesar da calvície, o treinador revelava tudo, ingenuamente, sem se aperceber dos reflexos da exposição. Permitia que uma dezena de jornalistas, que salivavam enquanto rabiscavam sofregamente sobre blocos de apontamentos, captassem todos os seus segredos, que ensaiassem sobre exercícios físicos que carregavam consigo as razões de um notável vigor e dissertassem sobre estratégias, lances e habilidades que avisariam, para todo o sempre, os adversários. 

O treinador, infeliz, não fechara a porta. Imperdoável. O avançado marcava, o médio, que perdera a bola, num roubo improvável de um tufo de relva levantado, recuava e mordia-se antes de conseguir de novo os favores do couro. O extremo brilhava, numa troca de pés violenta acompanhada por uma troca de olhos do adversário de circunstância, que o veria passar com pressa, acelerado, e o central, experiente, amadurecido por tantos truques e fintas, «matava» no peito toda a aflição. Os repórteres anotavam. Na memória ou no papel. 

Inconsciente, leviano, o treinador sorria, em vez de cruzar os braços, em sinal de tédio, e compor, o melhor que soubesse, um ar carrancudo, de poucos amigos. Pior do que isso, corria ele também atrás da bola. Ora mostrando os dentes, no esforço, ora sorrindo, no êxito. Deixando perceber, a meio de um erro de palmatória, como gosta daquilo que faz. Vergonhoso. Detinha-se por segundos, na irritação passageira provocada por um erro de execução, rectificado ali mesmo, na frente dos jornalistas e na repetição meticulosa do gesto. Os repórteres contariam tudo no dia seguinte ou uma hora depois, na «net». E ele, indiferente, desprezando a preciosa estratégia de sigilo, estava-se nas tintas... 

Senti-me tentado a avisá-lo, a adverti-lo, pouco depois de terminado o treino. Parecia-me parvo oferecer tanta informação inestimável aos adversários na vez de a esconder religiosamente entre os muros do estádio e as quatro paredes do balneário. Mas a vontade gelou-se-me ao detectar um jogador irrompendo na sala de imprensa, disposto a falar e, vá lá saber-se porquê, retribuindo com sorrisos a todas as questões. Teriam todos ensandecido? Os jornalistas recorriam novamente ao papel e à caneta, sorvendo todas as palavras com um apetite voraz, num género de festim de palavras em que já não me lembrava de participar.  

Modas, mais ou menos recentes, e estratagemas, mais ou menos delicados, recomendariam o silenciar, de que se faz uso a meia dúzia de quilómetros a Oeste dali ou a pouco mais de meia centena de quilómetros a Norte, num método comum de evitar e devolver a pressão. Infalível, ou quase infalível, consta. Estava a ponto de concluir sobre a ingenuidade do Bessa, quando me lembraram os resultados da verborreia e os reflexos do «black-out». Vencido, mas de barriga cheia, belisquei-me e fui embora.

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