Costa, Lacerda Machado e vários ministros. Quem foi apanhado e o que se ouve nas escutas da Operação Influencer

10 nov 2023, 17:03

Costa está envolvido em mais de 20 escutas telefónicas, mas não é o único. De Galamba, a Lacerda Machado, passando por Pedro Nuno Santos e até João Pedro Matos Fernandes, são vários os deputados e governantes apanhados nos áudios que estão na posse do Ministério Público

As escutas são parte principal do processo que investiga negócios de lítio e hidrogénio e o ‘data center’ de Sines. Nos áudios a que a CNN Portugal e a TVI tiveram acesso, vários dos arguidos têm declarações em que se comprometem ou envolvem nomes como o do primeiro-ministro ou o do ministro da Economia de forma a conseguirem desbloquear situações.

Para além disso, há ainda revelações claras, como o caso do ministro do Ambiente, que prejudicou o combate à seca para ajudar o PS nas eleições.

Quanto a António Costa, está envolvido em mais de 20 escutas telefónicas que o ligam ao caso do lítio e que, segundo o jornal Observador, constituem um dos principais meios de prova que fazem parte da certidão enviada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) para o Ministério Público. As escutas foram validadas por dois presidentes do Supremo Tribunal de Justiça.

Ministro do Ambiente prejudica combate à seca

O ex-ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes é um dos políticos apanhados nas escutas. Segundo o despacho do Ministério Público, a que a CNN Portugal teve acesso, com base em escutas obtidas na investigação, o ex-ministro só convocou a comissão permanente da seca com vista à interdição da produção de hidroeletricidade em cinco barragens, e à interdição de água para rega, dois dias a seguir às legislativas de 2022, e não antes, como seria sua obrigação, o que terá acontecido para não prejudicar o resultado do PS nas eleições que acabaram por dar maioria absoluta ao partido.

Há assim suspeitas de prejuízo dos interesses do país, no combate à seca, para benefícios político-partidários.

"Se for Finanças, eu falo logo com o Medina. Se for Economia, arranjo maneira de chegar ao próprio Costa"

Diogo Lacerda Machado também foi apanhado nas escutas que, para o Ministério Público são claras: quando o administrador da Start Campus precisava de desbloquear alguma situação contava com o melhor amigo do primeiro-ministro.

A 31 agosto de 2022, Afonso Salema precisava de uma influência junto da União Europeia para alteração dos códigos de atividade económica para os data centers. Diogo Lacerda Machado prontifica-se a falar com membros do Governo, incluindo o primeiro-ministro.

"Tá bem. Eu vou decifrar essa, se é Economia ou Finanças. Vou começar por aí e depois logo lembro como tomamos a iniciativa de suscitar e sugerir. Se for Finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa." 

Afonso Salema também estava com dificuldade em conseguir vistos de residência para funcionários estrangeiros. Mais uma vez junto de Lacerda Machado, Afonso Salema perguntou o que podiam fazer. Diogo Lacerda Machado pediu-lhe uma lista do que era necessário e explicou com quem pensava falar para solucionar a questão. 

"É uma lástima este secretário de Estado da internacionalização. Não serve para nada. Não serve para nada, não tem nenhuma capacidade política, nenhuma, nem nada. Uma coisa horrível. Portanto eu vou chatear o vizinho, que é o secretário de Estado da Cooperação. Às tantas eu ainda falo com o Escária." Trata-se de Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa, que tinha 75.800 euros em dinheiro vivo na residência oficial do primeiro-ministro.

Estes são apenas dois exemplos das muitas escutas que para o Ministério Público são prova de qual era a real função de Diogo Lacerda Machado na Start Campus e de como este conseguiu chegar a membros do Governo na defesa dos interesses da empresa. 

"O melhor amigo do primeiro-ministro já sabe?"

Já em setembro de 2021, o famoso Data Center da Start Campus, em Sines, tinha sido anunciado, mas surge um problema: mais de metade dos terrenos onde teria de ser implementado pertenciam a uma zona especial de conservação. A construção não era permitida e o Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) não ia dar luz verde ao projeto. Mais uma vez entram em cena Diogo Lacerda Machado, consultor da Start Campus, e Afonso Salema, o administrador, que colocam a AICEP Global Parques e o secretário de Estado João Galamba em campo para viabilizar a construção do Data Center no local previsto. A AICEP Global Parques propõe ao Governo reformular os limites da zona especial de conservação e João Galamba liga ao então ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos.

14 setembro de 2021

João Galamba - "A AICEP pede ao ICNF retifique o mapa da zona (…) e desvie 50 metros ou 70 metros, percebes? E o ICNF não faz isso?... Pá é irredutível, diz que, pá nem pensar, o João Paulo … diz que não temos condições políticas para o fazer, eu disse Ó João Paulo, desculpa lá, eu acho que é ao contrário".

Fala-se de João Paulo Catarino, secretário de Estado da Conservação da Natureza, Florestas e Ordenamento do Território.

Pedro Nuno Santos - "O ministro vai ter de falar com o primeiro-ministro, ainda não sabe disto?"

João Galamba - "Não! Mas vai-lhe chegar aos ouvidos, porque repara, foi o que…"

Pedro Nuno Santos - "O melhor amigo do primeiro-ministro já sabe?"

João Galamba - "O melhor amigo do primeiro-ministro é consultor do projeto" (...) "tem de ser entre ministros, com a intervenção do primeiro-ministro, isso não vale a pena estar aqui o secretário de Estado"…

No dia seguinte, Galamba liga a Vítor Escária. A intenção é levar o chefe de Gabinete a convencer o primeiro-ministro a intervir na situação, nomeadamente na alteração da zona especial de conservação, de forma a permitir a construção de todo o Data Center.

15 de setembro de 2021

João Galamba - "Temos aí uma situação muito delicada em Sines, o Eurico (Brilhante Dias) acho que vai falar com o Augusto e o Augusto vai falar com o primeiro-ministro. Pá, há ali um problema entre AICEP e ICNF que só pode ser resolvido com a intervenção do núcleo duro de coordenação do Governo".

João Galamba - "Acho que isto não pode surgir do Ministério do Ambiente, acho que isto tem de surgir do primeiro-ministro ou da coordenação do núcleo duro do Governo. O ICNF tem de retificar a zona, como o fez no Freeport e como o fez noutras zonas. (…)".

Dois dias depois, Galamba liga a Eurico Brilhante Dias, secretário de Estado da Internacionalização.

17 de setembro de 2021 

João Galamba - "Eh pá, isto já chegou ao primeiro-ministro. O Siza falou comigo e acho que o primeiro-ministro pediu ao Siza para ver isso com o Matos Fernandes para resolver este problema".

O tema teria portanto sido passado aos ministros da economia e do ambiente. 

Eurico Brilhante Dias - "(…) Na minha opinião, não há fundamento para alterar aquilo e que o que eles têm de fazer é uma retificação. Eu lamento, mas o que eles estão a fazer é chantagem política com o governo".

João Galamba - "Pois. Oh pá, aquilo é assim: aquilo tem de se resolver. Aquilo tem de ser retificado".

Entretanto, à margem destes contactos, a AICEP Global Parques tinha já proposto à autarquia de Sines a criação de um lote com quase 9 hectares, abrangendo apenas área não integrada na zona especial de conservação. Em novembro de 2021, a câmara de Sines aprova a criação do lote. A Agência Portuguesa do Ambiente dispensa esta parte do projeto de Avaliação de Impacte Ambiental e avança a construção da primeira fase do data center.

Afonso Salema e Rui Oliveira Neves iniciam depois contactos com Galamba e Nuno Lacasta para garantir que a avaliação de impacte ambiental do resto do projeto seria favorável à Start Campus. A criação de um parque solar de quase 1.500 hectares é separado do restante projeto e dispensado de estudo de impacte ambiental, o que garante a aprovação por parte da Direção-Geral de Energia e Geologia.

Falta o resto do projeto, que continua a coincidir com a zona especial de conservação. É em junho de 2022 que o tema volta a surgir, numa conversa entre Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, onde o primeiro diz ao segundo que "O ministro da Economia, o das Infraestruturas e o primeiro-ministro aprovaram a desclassificação daquilo".

O processo conta também com escutas entre Nuno Banza, do ICNF e Nuno Lacasta, da Agência Portuguesa para o Ambiente. 

26 de maio de 2022

Nuno Banza - "Eu vou ter de lhes dar parecer desfavorável"

João Galamba - "Mas espera! Os gajos têm de construir o Data Center junto à central térmica, isso é garantido".

Após várias conversas, Nuno Banza cede e acaba por concordar em dar parecer favorável. Em agosto deste ano, a Start Campus consegue finalmente uma declaração de impacto ambiental favorável, sem qualquer oposição do ICNF, para construir as restantes fases do processo.

O plano "muito malandro"

Desta vez, nas escutas, surge um novo esquema que era necessário "simplificar" e que envolvia alterações a um decreto-lei que estava a ser preparado, que previa a "Reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria".

Mas por trás, nos bastidores, este Decreto-Lei terá sido preparado consoante os interesses da Start Campus. "Preparado no interior do Governo e pelo menos em parte, pelo gabinete do ministro das Infraestruturas, João Galamba".

É nesta altura que a teia de influências caça um outro nome. João Tiago Silveira, que foi secretário de Estado da Justiça e sócio da sociedade de advogados Morais Leitão, tal como Rui Oliveira Neves. Uma semana antes da aprovação do diploma, e segundo o Ministério Público, João Galamba contactou o melhor amigo de António Costa, Lacerda Machado.

Escutas a que a TVI/CNN Portugal teve acesso

Rui Neves - "O Galamba ontem ligou à noite porque queria pôr os data center nesse regime (...) Pede ajuda para João Tiago Silveira trabalhar com a equipa da Start para ainda hoje ter o que é necessário pôr lá para os Data Centers estarem incluídos".

João Silveira - "Sim, mas para hoje é difícil".

Rui Neves - "O Galamba está a pedir para hoje".

João Silveira - "O Galamba em Conselho de Ministros falou em aplicar o regime das dispensas de loteamentos/dispensa de procedimento administrativo mediante parecer não vinculativo da câmara que, na prática, dispensa tudo (...)  À partida é uma coisa muito fácil de meter lá, já não é fácil aceitar, mas o espírito neste momento é aceitar"

É nesta altura que João Tiago Silveira diz que não tem feito outra coisa senão tratar disto há meses: "Teve com o Costa quatro horas a ver isto na quarta-feira e o gajo está completamente entusiasmado com isto (...) Espírito é acabar com a maluqueira que as câmaras inventam, o espírito é positivo".

Um "esquema malandro"

O problema era como? A solução? "Um esquema malandro". Como admitem os próprios arguidos.

João Tiago Silveira - "É uma dispensa normalmente para coisas de entidade públicas, têm que arranjar aqui uma maneira qualquer de ligar isto aos projectos (...) A melhor forma de passar é a relação dos projectos com a Global Parques".

Rui Neves - "Quem faz o licenciamento é a Global Parques, dizer que é para as entidades públicas e naturalmente se essas entidades tiverem entidades privadas a usar os terrenos/infraestruturas".

Rui Neves - "O que tem sido mais complicado é o PUZILS (Plano de Urbanização da Zona Industrial e Logística de Sines), é o tema de precisar de estudos de impacto ambiental para fazer o projecto e depois fazer o loteamento (...) No fundo, era tentar inventar o que eles fazem lá, é isentar de licenciamento tudo o que seja feito por entidades públicas e aqui era tentar pôr os Data Centers no pacote (...) A lógica é dizer assim: se for por entidades públicas ainda que por projectos privados fica simplificado".

Rui Neves - "Simplifica-se para os Data Centers, mas só na medida em que seja através de entidades públicas. Nós não pedimos o loteamento, quem pede é o dono do terreno e o dono do terreno aqui é uma entidade pública. Isto é muito malandro mas é por aqui que a gente tem de ir".

Segundo o Ministério Público, as alterações da Start Campus ao decreto-lei não chegaram a tempo. O diploma foi aprovado em Conselho de Ministros no dia 19 de outubro.

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