Existe a “possibilidade de um saldo orçamental próximo do equilíbrio” em 2022

16 jan 2023, 07:00

ENTREVISTA | Rui Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, diz que é possível que o défice orçamental em 2022 seja zero. E segundo as estimativas deste grupo técnico de apoio aos deputados, na pior das hipóteses será de 1% do PIB, bem abaixo dos 1,9% previstos pelo Governo

Portugal deverá ter registado um saldo orçamental muito próximo do equilíbrio no final de 2022, melhorando novamente a meta para o défice inscrita pelo Governo na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), e podendo ultrapassar a própria meta prevista para 2023, diz, em entrevista à CNN Portugal, Rui Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).

“As perspetivas são bastante encorajadoras quanto à possibilidade de um saldo orçamental em contabilidade nacional próximo do equilíbrio”, salienta o responsável pela equipa de técnicos que presta apoio aos deputados em matéria orçamental.

Para justificar esta previsão, Rui Baleiras lembra, desde logo, os resultados económicos alcançados em 2022, com a economia a crescer 6,8%, segundo as últimas previsões do Banco de Portugal, mas também os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos às finanças públicas: no terceiro trimestre de 2022 o excedente orçamental foi de 6,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e no conjunto dos primeiros nove meses foi de 2,8% do PIB.

O saldo no terceiro trimestre “é simplesmente o melhor saldo de sempre desde que há registo em 1999”, salienta o economista.

"Poderá registar-se mesmo uma situação de equilíbrio orçamental", argumenta Rui Baleiras, em entrevista à CNN Portugal. Foto: DR

Mas Rui Baleiras aponta ainda para outro indicador para justificar a possibilidade de em 2022 se ter uma situação orçamental próxima do equilíbrio: as verbas de investimento que ficaram por executar.

“A 30 de novembro estavam por executar 3,5 mil milhões de euros em contabilidade pública nas rubricas de investimento e transferências de capital. Ou seja, a um mês do ano fechar só tínhamos executada 77% da dotação prevista pelo Governo”, recorda, sublinhando que “não é crível que no último mês se esgotem esses 3,5 mil milhões” de euros.

Foi com base nestes indícios que o coordenador da UTAO pediu à sua equipa uma previsão de défice para 2022, tendo também em conta a informação disponível dos pacotes de apoio às famílias anunciados pelo Governo no ano passado.

“Formulámos a nossa própria estimativa (…) e chegámos a um número plausível para o saldo orçamental em contas nacionais acumulado ao longo de 2022. É uma previsão rodeada de muita incerteza para poder revelar publicamente um número em concreto, até porque o Ministério das Finanças ainda pode lançar nos livros contabilísticos até 14 de fevereiro determinadas operações orçamentais que terão efeito nas contas de 2022”, explica. Ainda assim, “o saldo vai ser seguramente superior a -1% do PIB e poderá ficar próximo de 0%”, ou seja, o défice de 2022 será no máximo de 1% do PIB, mas poderá registar-se mesmo uma situação de equilíbrio orçamental. Uma estimativa que se se verificar leva a que a previsão do Governo para o défice de 2023, de 0,9% do PIB, possa ser alcançada ou ultrapassada já em 2022.

E não sabendo o que o Governo vai fazer no tempo que resta para poder influenciar o resultado do ano passado, Rui Baleiras prevê quais serão os fatores chave de decisão.

“Essas decisões políticas de última hora vão ponderar dois argumentos político-económicos que apontam para comportamentos diferentes. A favor de um saldo mais alto, mais próximo do limite superior dos 0%, milita a necessidade de autofinanciar a função orçamental de estabilização. Em Portugal nunca tivemos verdadeiramente uma função de estabilização do ciclo económico porque tivemos sempre défices. E, portanto, um país que tem todos os anos défices não consegue ter recursos para nos anos maus da economia poder gastar mais”, explica.

Já a favor de um défice mais próximo de 1%, Rui Baleiras aponta a possibilidade de o Governo querer tirar gás “ao argumento das oposições, à direita e à esquerda, de que o Estado tem os cofres cheios e que deveria ter pagado mais apoios para mitigar os malefícios da inflação”.

Crise política e inflação galopante. Como cortar o défice de 3,2% para zero

Certo é que o valor final será sempre melhor que as estimativas apresentadas pelo Governo ao longo do tempo.

Na primeira proposta de OE2022 o Governo previa que o défice fosse de 3,2% do PIB, mas esta proposta, apresentada em outubro de 2021, ainda com João Leão à frente do Ministério das Finanças, acabaria por ser reprovada no Parlamento, levando a uma crise política e a eleições legislativas. Já com o atual Governo em funções e com Fernando Medina à frente do Ministério das Finanças, a nova proposta de Orçamento para 2022 acabaria por ter como meta um défice de 1,9% do PIB.

Um objetivo que, desde cedo, parecia passível de ser melhorado uma vez que a atividade económica e o emprego davam sinais de forte dinamismo, mas acima de tudo devido à inflação galopante que permitiu ao Estado arrecadar muito mais impostos que o inicialmente previsto.

Ainda assim, Fernando Medina recusou sempre alterar a meta definida para 2022 e em outubro, quando apresentou a proposta de Orçamento para 2023, manteve a meta: um défice de 1,9% do PIB.

Perante a subida da inflação, que em 2022 atingiu uma média de 7,8%, a mais alta em 30 anos, e as críticas à esquerda e à direita para dar mais apoios às famílias e às empresas, ou para aumentar mais os salários da função pública, o Governo foi-se sempre resguardando na falta de margem orçamental. O líder parlamentar do Partido Socialista, Eurico Brilhante Dias, chegou mesmo a garantir que o conjunto de programas de apoios das famílias e das empresas esgotava a margem que o Governo tinha para cumprir o défice de 1,9% previsto. E Fernando Medina chegou a garantir no Parlamento, em outubro do ano passado, durante a discussão do OE2023, que não iria reduzir o défice para além dos 1,9%. Mas em dezembro, numa entrevista à Visão, o primeiro-ministro António Costa já dizia que o défice não iria ultrapassar 1,5%.

Independentemente do número final, Rui Baleiras não tem dúvidas de que há vantagens para o futuro em ter um saldo mais próximo de zero.

“Ajuda a ganhar capacidade, ganhar músculo financeiro para quando vier uma outra crise de emprego séria o Estado poder mitigá-la”, até porque, prossegue o economista, Portugal tem “um histórico de comportamento deficitário e altamente endividado” que precisa “de corrigir”. Por outro lado, “os tempos não estão fáceis para muitos Estados-membros da União Europeia, há muitos que estão, digamos, a enfrentar, como dizem os ingleses, ventos de frente pior do que Portugal”, observa, adiantando que “há toda a vantagem em Portugal se distanciar desses países junto dos operadores financeiros e das empresas de rating”.

Só em março se saberá qual o valor final do défice de 2022, quando o INE enviar para Bruxelas o Procedimento dos Défices Excessivos, cujo apuramento é da responsabilidade do Instituto. Mas, no mesmo documento, haverá uma previsão para 2023, essa da responsabilidade do Ministério das Finanças. Qual será o valor que Fernando Medina lá colocará?

“Poderá haver uma definição de um novo objetivo para as contas públicas, porque, naturalmente, se se previa chegar a dezembro de 2023 com -0,9% do PIB, partindo de -1,9% em 2022, tínhamos de fazer um esforço de redução de 1 ponto percentual do PIB. Mas se partirmos de 2022 já acima desse limite, não temos de fazer o esforço para atingir essa meta”, explica o economista que, no entanto, deixa um aviso: “as finanças públicas não acabam em 31 de dezembro de 2023. Temos de ter uma visão dinâmica das contas públicas e, portanto, de maneira nenhuma se deve pensar que como já partimos em janeiro de 2023 com o objetivo no papo, vamos poder gastar mais”.

Esta não será a primeira vez que o Governo liderado por António Costa acaba por melhorar a previsão de défice que apresenta na proposta de Orçamento do Estado. Esta tem sido, aliás, a estratégia usada quer por Mário Centeno, como por João Leão e, agora, por Fernando Medina. E foi assim, desde o início. Assente na política de cativações, os brilharetes orçamentais foram-se sucedendo.

2016

No primeiro Orçamento da total responsabilidade do Governo liderado por António Costa, a previsão de défice era de 2,2%. O défice acabou por ser de 1,9%.

2017

A previsão era de 1,6%, o resultado foi de 3%, mas apenas porque houve a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Sem essa operação o défice seria de 0,9%.

2018

A previsão era de um défice de 1%. O resultado foi um défice de -0,3%.

2019

Depois de uma previsão de um défice de 0,2%, Portugal registou o primeiro excedente da democracia, com um saldo positivo de 0,1%.

2020

Mesmo em ano de pandemia, o Governo foi além das suas previsões. Depois de uma estimativa inicial de um excedente de 0,2%, o Governo apresentou um orçamento suplementar com um défice de 6,3%. O resultado foi de 5,8%.

2021

A previsão inicial apontava para um défice de 4,3%. O resultado foi um défice de 2,9%.

 

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