“É muito cedo para ver a luz ao fundo do túnel e para se começar a falar em aliviar a política monetária”

16 jan 2023, 07:02

ENTREVISTA | O economista Rui Baleiras diz que os sinais de desaceleração da inflação são positivos, mas que ainda é muito cedo para confiar que são permanentes. O coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental defende um adiamento na execução dos PRR na Europa para ajudar a controlar os preços

Rui Baleiras aponta para a situação na Turquia, com taxas de inflação de dois dígitos, para exemplificar porque é que é urgente controlar a inflação. Não se cuidou “de travar a subida da taxa de inflação e, portanto, a qualidade de vida daquela gente é uma desgraça”, sublinha.

Os sinais de desaceleração da taxa de inflação devem deixar-nos mais tranquilos em relação ao futuro?

A variação anual em novembro e em dezembro mostrou uma desaceleração na subida dos preços pela primeira vez. É um aspeto positivo. Subiram mais devagar, mas continuaram a subir. Isto é verdade tanto no conjunto da área do euro como no caso de Portugal.

Quando falamos de inflação é sempre importante termos em conta a situação portuguesa, mas também a situação na área do euro, porque a política monetária, que é a principal política económica para responder a este desafio, é calibrada em função do conjunto da área do euro.

Mas há um aspeto negativo. É que só os bens energéticos viram os seus preços a desacelerar em novembro e dezembro. E desaceleraram, mas continuaram a subir imenso, porque no conjunto da área do euro tudo o que é combustível, gás natural, produtos refinados subiu 34,9% em novembro e 25,7% em dezembro. É preciso ter isto em conta. Em todas as demais classes de bens os preços continuaram a acelerar. Se excluirmos a energia, vemos que o índice de preços em outubro tinha sido de 6,9%, passou para 7% em novembro, chegou a 7,2% na estimativa rápida de dezembro.

É urgente controlar a inflação, sublinha Rui Baleiras, em entrevista à CNN Portugal. Foto: DR

Não são sinais seguros de desaceleração…

O que temos é uma evidência clara de que a inflação contaminou toda a economia e continua a contaminar. Temos de nos continuar a preocupar e a fazer tudo para a reduzir o mais depressa possível. Ainda bem que a energia começou a descer há dois meses, mas não temos garantia nenhuma de que não volte a subir.

Porque é que a energia desceu junto dos consumidores europeus? Basicamente por razões que têm a ver com o mercado internacional e com a política fiscal. No mercado internacional aconteceram coisas positivas. O inverno tem sido menos rigoroso no hemisfério norte, logo, há menos consumo de gás e eletricidade para aquecer as casas e os escritórios. A China teve o seu aparelho industrial com muitas paragens por causa da política de covid zero e agora vai abrir. Provavelmente vamos ter a economia chinesa a bombar a toda a força e os preços do petróleo e do gás poderão subir.

Depois, há muitos países que têm subsidiado os preços dos combustíveis, os preços da eletricidade, os preços do gás natural, ou têm reduzido impostos indiretos sobre esses bens. Isto é uma forma artificial e temporária de suster a subida de preços.

É prematuro falar em abrandar a subida de taxas de juro?

É muito cedo para ver a luz ao fundo do túnel e para se começar a falar em aliviar a política monetária. Um dos instrumentos mais poderosos para controlar a inflação é saber gerir sabiamente as expectativas de inflação. É muito importante voltarmos a conseguir ancorar as expectativas das pessoas, das famílias, das empresas para que quando estabelecem contratos entre si acreditem que a inflação daqui a um ano, daqui a dois anos, esteja de volta aos 2%. E neste momento ninguém acredita nisso. Ninguém faz contratos neste momento a acreditar que daqui a um ano temos inflação nos 2%.

O Banco Central Europeu (BCE) devia ter começado a subir taxas de juro mais cedo?

Poderia ter começado mais cedo. Mas o papel dos bancos centrais é muito difícil e é sempre fácil fazer prognósticos depois do jogo, não é? Houve muitos analistas, eu incluído, que há vários meses, desde o início de 2022, achamos que se deveria ter começado mais cedo a subir taxas diretoras.

E não havia o risco de dessa forma provocar uma recessão e desemprego?

O grande receio de uma política monetária agressiva é que ela destrua empregos. Agora, a verdade é que olhamos para os dados macroeconómicos dos Estados Unidos e da União Europeia e estamos com taxas de desemprego historicamente baixas e volumes de criação de empregos espantosamente elevados e, apesar de tudo, falta mão de obra.

Deveria ter-se aproveitado esta conjuntura única, muito rara, para ser mais agressivo. A Europa foi demasiado seguidista [em relação aos Estados Unidos] e sempre com uma décalage de dois trimestres. Temos uma diferença de cerca de dois pontos percentuais entre o nível das taxas de juro diretoras nos dois lados do Atlântico o que provocou, durante grande parte do ano anterior, uma depreciação do euro face ao dólar, que foi mais um canal, mais um choque inflacionista. Porque um euro mais fraco torna as nossas importações mais caras.

Do ponto de vista das famílias, será sempre melhor ter agora este impacto da subida das taxas de juro para ter uma inflação controlada num futuro próximo?

Sim. As pessoas não têm noção. Olhem para a Turquia. A Turquia está com taxas de inflação de 90%, 80 e tal por cento. Qualquer dia o jantar custa o dobro do almoço. Porquê? Porque não cuidou de travar a subida da taxa de inflação e, portanto, a qualidade de vida daquela gente é uma desgraça.

A partir do momento em que as empresas e as famílias, quando fazem contratos entre si, acreditam que a inflação no próximo ano vai ser mais alta do que a deste ano ajustam o seu comportamento em conformidade. Compram menos, vendem menos, contratam menos e, portanto, a economia contrai-se mais e de forma permanente. Depois é muito difícil credibilizar novamente a política monetária. 

A política monetária sempre foi isso, existe para defender a estabilidade de preços. E na primeira crise séria de inflação que temos na Europa desde que o euro foi criado, se se portam mal, depois é muito difícil recuperar essa confiança. Vai exigir uma resposta política ainda mais gravosa no futuro. Portanto, o melhor, enquanto a economia está forte, a economia real está forte, é subir bastante as taxas de juro. Porque quanto mais depressa as subirmos, mais cedo as poderemos reduzir.

E o que pode a política orçamental fazer?

Ironicamente, os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) na Europa e o pacote anti-inflação norte-americano fazem com que estes países, no fundo, estejam a procurar todos ao mesmo tempo os mesmos recursos no planeta. E isso pressiona os preços. E é por isso que os preços de materiais de construção estão pela hora da morte. É por isso que faltam chips, faltam engenheiros informáticos, etc, etc.

Os políticos também existem para refletir e tomar decisões difíceis, mas deveria haver, pelo menos ao nível da União Europeia, um diálogo no sentido de reprogramar o calendário de execução dos PRR. Porque eles foram desenhados em 2020, 2021, numa altura em que todos estávamos cheios de medo dos estragos que a pandemia poderia fazer às nossas economias. Mas a verdade é que a recuperação económica que se seguiu foi extraordinária e surpreendeu tudo e todos. Se os políticos soubessem há dois anos o que sabem hoje, provavelmente não tinham desenhado os PRR ou não os teriam dimensionado com o tamanho que hoje têm. Faz sentido, ajudaria a baixar a inflação e porventura as taxas de juro não teriam de subir tanto, se os Estados Unidos e a União Europeia e outros países do OCDE, que têm estímulos orçamentais semelhantes em larga escala, os reduzissem em 2023 e 2024 e eventualmente aumentassem a execução a mais um ano ou dois. Atirar isto para o futuro, quando a inflação estiver mais estabilizada.

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