Acordo entre Turquia e NATO sobre a Suécia "é uma derrota para Putin", mas "a Europa e o Ocidente têm de estar preparados para ações inesperadas de Erdogan"

10 jul 2023, 23:28
Recep Tayyip Erdogan. EPA

Em causa podem estar cedências tanto do lado dos Estados Unidos como da União Europeia. E isso pode sair caro a ambas as partes, adverte Isabel David, especialista em política turca

A Turquia deu finalmente 'luz verde' à ratificação do processo de adesão da Suécia à NATO, mas isso só aconteceu porque a Aliança Atlântica deu "algum tipo de concessão" que beneficie Ancara, defende Isabel David, especialista em política turca.

Na análise da investigadora e professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, este acordo pode ter sido o resultado de uma cedência quer dos Estados Unidos, quer da União Europeia (UE). A primeira hipótese é a que Isabel David considera menos provável e prende-se com a possibilidade de o presidente Joe Biden ter aceitado vender os almejados caças F-16 à Turquia em troca do apoio assumido de Ancara à adesão da Suécia à NATO. "Não creio que tenha sido um acordo nesse sentido, porque isso depende da aprovação do Congresso dos Estados Unidos e as informações que nos vinham sobre esse assunto eram de recusa", sustenta.

A segunda hipótese assenta numa eventual renegociação do acordo sobre a união aduaneira entre Ancara e a UE "que seja mais favorável à Turquia", nomeadamente ao nível da aplicação dos vistos. É que "há mais de um ano que é bastante difícil aos turcos obterem vistos para viajarem na UE", observa.

Do lado da Turquia, interessa-lhe sobretudo angariar "fundos com muita urgência", tendo em conta não só o impacto dos recentes sismos para a economia, mas também a conjuntura económica de Ancara, mergulhada numa "hiper-inflação" que se traduz na desvalorização da lira turca. "Em termos de reservas, a Turquia está muito mal, portanto alguma concessão lhe terá sido dada", insiste Isabel David.

"Nas últimas semanas, após as eleições [presidenciais], o presidente [Erdogan] e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia [Hakan Fidan] foram até aos países do Golfo buscar investimento, no entanto isso não chega. E o investimento russo também não chega", salienta.

Apesar de reconhecer que o acordo hoje anunciado constitui "uma derrota para Putin", sobretudo depois de a Turquia se manifestar disponível para uma eventual adesão da Ucrânia à NATO, a especialista assume que o mesmo não vai comprometer as relações entre a Turquia e a Rússia. 

"É verdade que as relações entre os dois países depende muito da relação entre os dois presidentes, mas também é verdade que a Turquia não vai deixar de depender da Rússia assim tão facilmente", argumenta Isabel David, apontando como exemplo a dependência de Ancara em relação ao gás russo.

Mas, neste jogo diplomático, é a Turquia quem tem 'a faca e o queijo na mão', explica a investigadora: "A Turquia está numa posição em que tem autonomia estratégica para exigir cedências a ambas as partes. Ninguém quer perder a Turquia."

Tendo em conta a proximidade das relações entre a Turquia e a Rússia, Isabel David deixa um aviso: "A Europa e o Ocidente têm de estar preparados para a possibilidade de terem ações inesperadas por parte de Erdogan às quais terão de responder."

Durante meses, a Turquia bloqueou a entrada da Suécia na NATO, com Ancara a acusar Estocolmo de dar asilo a elementos do PKK, que considera uma organização terrorista, providenciando-lhes uma base para coordenarem as operações em solo turco.

A Suécia, país que criticou no passado o desrespeito do Estado turco pelos direitos humanos, acedeu a parte dos pedidos de Ancara através do reforço das leis antiterroristas, que entraram em vigor em 1 de junho, e também concordou com a extradição de alguns dissidentes para a Turquia.

Quanto aos F-16, desde outubro de 2021 que a Turquia pretende gastar mais de 19 mil milhões de euros na aquisição dos caças de fabrico norte-americano, além da modernização de 80 aeronaves que as Forças Armadas turcas já possuem.

O processo de aquisição está parado desde então, por haver congressistas que exigem progressos do executivo de Erdogan em matéria de respeito pelos direitos humanos, mas também como forma de retaliação pelo atraso na adesão da Suécia à NATO.

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