"Oh, Meu Deus" (o que está entre aspas não é uma expressão de espanto mas sim o nome de um fenómeno que deixa os cientistas perplexos)

CNN , Katie Hunt
10 dez 2023, 15:00
Raios cósmicos

Raios cósmicos de energia ultra-alta: é disso que vamos falar. "O que raio se está a passar?"

Misteriosos raios cósmicos observados no Utah vieram de fora da nossa galáxia, dizem os cientistas

Cientistas espaciais que procuram compreender as origens enigmáticas dos poderosos raios cósmicos detetaram uma partícula extremamente rara e de energia ultra-alta que, segundo eles, viajou para a Terra vinda do exterior da galáxia Via Láctea.

A energia desta partícula subatómica, invisível a olho nu, é equivalente a deixar cair um tijolo no dedo do pé a partir da altura da cintura, segundo os autores de uma nova investigação publicada na revista Science. Esta partícula rivaliza com o raio cósmico mais energético alguma vez observado, a partícula "Oh, Meu Deus", que foi detetada em 1991, segundo o estudo.

Os raios cósmicos são partículas carregadas que viajam pelo espaço e chovem constantemente sobre a Terra. Os raios cósmicos de baixa energia podem emanar do Sol, mas os de energia extremamente elevada são excecionais. Pensa-se que chegam à Terra vindos de outras galáxias e de fontes extragaláticas.

"Se estendermos a mão, um raio cósmico atravessa a palma da nossa mão em cada segundo, mas são coisas de muito baixa energia", diz o coautor do estudo John Matthews, professor investigador da Universidade do Utah, EUA.

"Quando se chega a estes raios cósmicos de alta energia, é mais um por quilómetro quadrado por século. Nunca passa pela nossa mão."
 

Um dos detetores de raios cósmicos que constituem o Telescope Array, sediado no Utah

Apesar de anos de investigação, a origem exata destas partículas de alta energia ainda não é clara. Pensa-se que estão relacionadas com os fenómenos mais energéticos do universo, como os que envolvem buracos negros, explosões de raios gama e núcleos galáticos ativos, mas as maiores descobertas até agora parecem ter origem em vazios ou no espaço vazio - onde não ocorreram acontecimentos celestes violentos.

Rastreio de raios cósmicos de alta energia

A partícula recentemente descoberta, apelidada "partícula Amaterasu" em homenagem à deusa do sol na mitologia japonesa, foi detetada por um observatório de raios cósmicos no deserto ocidental do Utah, conhecido como Telescope Array.

O Telescope Array, que começou a funcionar em 2008, é composto por 507 detetores de superfície do tamanho de uma mesa de pingue-pongue, cobrindo uma área de 700 quilómetros quadrados. Observou mais de 30 raios cósmicos de energia ultra-alta, mas nenhum maior do que a partícula Amaterasu, que atingiu a atmosfera acima de Utah a 27 de maio de 2021, chovendo partículas secundárias no solo onde foram captadas pelos detetores, de acordo com o estudo.

"Podemos ver quantas partículas atingiram cada detetor e isso diz-nos qual foi a energia do raio cósmico primário", diz Matthews.

O evento fez disparar 23 dos detetores de superfície, com uma energia calculada de cerca de 244 exa-electrões-volt. A "partícula Oh, Meu Deus", detetada há mais de 30 anos, tinha uma energia de 320 exa-electrões-volt.

Para referência, 1 exa-eletrão-volt equivale a 1 bilião de gigaelectrão-volts e 1 gigaelectrão-volt equivale a 1 bilião de eletrão-volts. Isso faria com que a partícula Amaterasu tivesse 244.000.000.000.000.000.000.000 de electrões-volt. Em comparação, a energia típica de um eletrão na aurora polar é de 40.000 electrões-volt, segundo a NASA.

Uma estação de telescópio em Utah, com estrelas a rodopiar por cima

Um raio cósmico de ultra-alta energia transporta dezenas de milhões de vezes mais energia do que qualquer acelerador de partículas construído pelo homem, como o Large Hadron Collider, o mais potente acelerador alguma vez construído, explicA Glennys Farrar, professor de física na Universidade de Nova Iorque.

"O que é necessário é uma região de campos magnéticos muito elevados - como um LHC de grandes dimensões, mas natural. E as condições necessárias são realmente excecionais, pelo que as fontes são muito, muito raras e as partículas são dissipadas no vasto universo, pelo que as hipóteses de uma delas atingir a Terra são mínimas", diz Farrar, que não esteve envolvido no estudo, numa resposta enviada por email.

A atmosfera protege largamente os seres humanos de quaisquer efeitos nocivos das partículas, embora os raios cósmicos causem por vezes falhas nos computadores. As partículas, e a radiação espacial em geral, representam um risco maior para os astronautas, com o potencial de causar danos estruturais no ADN e alterar muitos processos celulares, de acordo com a NASA.

Fonte misteriosa

A origem destas partículas de energia ultra-alta deixa os cientistas perplexos.

Matthews, um coporta-voz da Telescope Array Collaboration, afirma que os dois maiores raios cósmicos registados pareciam "uma espécie de aleatoriedade" - quando as suas trajetórias são rastreadas, parece não haver nada com energia suficientemente elevada para produzir tais partículas. A partícula Amaterasu, especificamente, parecia ter origem no chamado Vazio Local, uma área vazia do espaço que faz fronteira com a galáxia Via Láctea.

Se considerarmos os dois eventos de energia mais elevada - o que acabámos de encontrar e a partícula "Oh, Meu Deus" - estes nem sequer parecem apontar para nada. Deveria ser algo relativamente próximo. Os astrónomos com telescópios visíveis não conseguem ver nada muito grande e muito violento", diz Matthews.

"Vem de uma região que parece um espaço vazio local. É um vazio. Então, o que raio se está a passar?"

Uma expansão do Telescope Array pode dar algumas respostas. Uma vez concluídos, 500 novos detetores vão permitir ao Telescope Array captar chuvas de partículas induzidas por raios cósmicos em 2.900 quilómetros quadrados - uma área quase do tamanho de Rhode Island, de acordo com o comunicado da Universidade de Utah.

Ciência

Mais Ciência

Patrocinados