Mundial 2022: País de Gales-Irão, 0-2 (crónica)

25 nov 2022, 12:26

Não viram a cara à luta

Têm sido meses duros para os iranianos. Para os que manifestam contra o regime nas ruas do país, para aqueles que assistem de fora ao que se passa na terra natal ou para todos os que são obrigados a ficar calados. A seleção do Irão tem marcado posições bem vincadas acerca deste tema e já mostraram de que lado estão: o do bem. E se o futebol, por vezes, é injusto, hoje mostrou por que este desporto tanto nos apaixona.

O Irão venceu o País de Gales, por 2-0, com dois golos já no tempo de descontos, somou os primeiros pontos no Mundial 2022 e está claramente na luta pela passagem aos oitavos de final. 

Uma seleção de cara lavada

Carlos Queiroz - que acabou levantado ao ar pelos jogadores - sabia que uma derrota deixava o Irão pelo caminho já esta sexta-feira e, por isso mesmo, quis ver uma equipa de cara lavada em Al Rayyan, depois da péssima exibição perante a Inglaterra.

O técnico português não fez por menos, rodou praticamente meia equipa e as alterações revelaram-se apostas ganhas. Houve apenas uma forçada, a do guarda-redes Alireza Beiranvand, que ainda não recuperou totalmente do choque na ronda inaugural, mas já treina com a equipa. Na frente, Mehdi Taremi começou mais descaído sobre o corredor esquerdo, um pouco à semelhança do que já está habituado a fazer no FC Porto, com o apoio de Sardar Azmoun, outra das figuras dos persas que mereceu a titularidade.

Este aparentava ser mais um daqueles jogos de abertura de cada dia neste Mundial, que têm sido algo enfadonhos, talvez influenciados pelo elevado calor que se faz sentir no Qatar. Foi isso que se viu na primeira parte, que foi oscilando de ritmo e onde existiram escassas oportunidades de golo.

Mas esta seleção persa não vira a cara a luta. Se até começaram a cantar o hino do Irão, causando surpresa depois do silêncio no jogo de estreia no Mundial, os iranianos voltaram a dar mais uma prova de vivacidade.

À entrada para a segunda parte, Queiroz deslocou Taremi para a zona das costas de Azmoun e o Irão entrou com uma vontade desmedida. Na mesma jogada, logo na etapa inicial Azmoun enviou a bola ao ferro e, de seguida, foi Gholizadeh com um remate pleno de intenção, mas que também teve como destino o poste.

A alma iraniana era por demais evidente e Azmoun era o rosto disso mesmo. Já tinha chegado ao Qatar com problemas físicos e, apesar das melhorias à partida para este jogo, andou durante largos minutos a lutar contra o próprio corpo em prol do coletivo.

Com outra equipa, na reta final do jogo, o medo de ficar pelo caminho poderia apoderar-se dos jogadores e inconscientemente fazê-los abdicar do ataque para segurar o «pontinho». Mas a personalidade deste plantel iraniano é difícil de igualar. E com Mehdi Taremi na frente, as coisas ficam substancialmente mais fáceis, diga-se.

Mais uma vez, o avançado do FC Porto foi decisivo. A três minutos dos noventa, arrancou prego a fundo em direção à baliza galesa, mas foi abalroado por Wayne Hennessey. Se, em primeira instância, o guarda-redes viu cartão amarelo, as imagens do monitor do VAR foram completamente esclarecedoras para reverterem a decisão e conduzirem ao vermelho, que deixou Gales reduzido a 10 jogadores.

Seguiu-se, então, uma carga emocional elevadíssima. O Irão continuava sem abandonar o foco da baliza adversária, mas não havia racionalidade no momento do remate ou do último passe. Foi então que, após um alívio de Joe Allen, Rouzbeh Cheshmi encheu-se de fé e colocou num remate toda a raiva que aquele grupo tinha dentro de si, para fazer o 1-0, já dentro dos descontos.

Veio a loucura total e a festa de um povo que há tanto merecia uma alegria.

Com o País de Gales desequilibrado e a correr atrás do prejuízo, foi Taremi a conduzir às contas finais. O avançado persa pegou na bola junto ao meio-campo, galgou vários metros e serviu com mestria o lateral Rezaeian, que finalizou com classe, não conseguindo esconder as lágrimas no final.

Lágrimas essas que representam a felicidade de um povo. Isto é futebol. É para isto que se fazem Campeonatos do Mundo. Hoje, pelo menos por breves minutos, toda a repressão foi esquecida.

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