Do lado de cá: destaques e momentos de «oitavos» equilibradíssimos

3 jul 2014, 10:07
Tim Howard

Os dois melhores jogos deste Mundial encantado foram dois de três dos duelos teoricamente menos interessantes da primeira fase de «mata-mata» (o outro seria o Costa Rica-Grécia, que ainda assim valeu a pena seguir). O «fracasso europeu» é desmentido pela realidade e Tim Howard perdeu mas entra mesmo para a história com aquela exibição com a Bélgica

O dia 21 do Mundial-2014 em cinco pontos:

1. Por esta ordem, os cinco melhores jogos do Mundial até agora:
Alemanha-Argélia, Bélgica-EUA, Itália-Inglaterra, Uruguai-Inglaterra, Alemanha-Gana. Os dois primeiros foram surpresa total, pela resposta de argelinos e norte-americanos e pelo nível de jogo exibido pelas quatro seleções; o Itália-Inglaterra e o Uruguai-Inglaterra foram «finais antecipadas», intensas e de qualidade top; o Alemanha-Gana teve segunda parte de excelência. Logo a seguir, o Espanha-Holanda, com aquela boa primeira parte espanhola, pura ilusão, desfeita no voo de Van Persie para aquele que terá sido o maior de tantos momentos especiais deste Mundial encantado. Se quisermos completar o «Top Ten» deste fantástico torneio, que em 56 jogos até ao início dos quartos nos proporcionou bem mais de 40 partidas de bom nível (e mais de dez de grande qualidade), colocaria ainda o Brasil-México (Ochoa monumental a travar o escrete), o Holanda-México (opostos que quase se igualavam, reviravolta laranja bem no final), o França-Suíça (poder ofensivo dos gauleses) e o Argentina-Nigéria (3-2 e viva o futebol de ataque, com erros defensivos de parte a parte). 

2.
Impressionante o equilíbrio dos oitavos de final. Cinco prolongamentos em oito partidas. Só Holanda, França e Colômbia conseguiram passar sem tempo extra. E os holandeses até estavam a perder com o México aos 87, pelo que o 2-1 nos 90 é outro exemplo de enorme equilíbrio. A França ganhou por dois à Nigéria, mas só conseguiu pôr-se em vantagem aos 79 minutos, depois de um duelo bem difícil perante uma seleção africana resistente e arrumada. A Colômbia terá sido a única apurada que venceu claramente o opositor (2-0 sobre o Uruguai, superioridade do princípio ao fim). Pode isto ser influente para os quartos? No França-Alemanha, talvez. Os alemães jogaram depois dos franceses, tiveram prolongamento e os gauleses não. E o jogo é já na sexta à tarde. Profeticamente, no Maracanã. É provável que um dos finalistas saia desta super partida entre históricos europeus. 

3
. A exibição de Tim Howard no Bélgica-EUA não me sai da cabeça. Pode um jogador que perde uma partida entrar para a história pelas melhores razões? É raro, mas pode. Neste caso, por razões objetivas (há quase 50 anos que um guarda-redes não fazia 16 defesas numa partida do Campeonato do Mundo) e subjetivas (aquela atitude de Tim diz muito sobre o sentimento americano e sobre a força interior de um povo destinado a desafiar e a batalhar). Os EUA têm, como seleção, muito menos talento do que a Bélgica. Quem viu os 120 minutos percebe isso facilmente. A passagem belga foi justa, sim. Mas a atitude norte-americana merece reflexão cuidada. Um dia depois da notável apresentação da Argélia sobre a Alemanha, os EUA deram outra demonstração ilustre de como, num jogo, uma equipa poder ser mais do que vale. Organização tática, pois claro, com muito mérito de Klinsmann. Experiência destes palcos. Mas algo mais que é difícil de caraterizar por palavras. E que se vislumbra na expressão e na crença de Tim Howard ao longo de toda a partida com os belgas. Percebe-se, pois, que nos EUA até haja quem proponha o guarda-redes para… secretário da Defesa norte-americano. Chuck Hagel que se cuide.

4. Por vezes, com frequência até, a realidade desmente-nos ideias que se repetem quase à exaustão. Desde 12 de junho, temos vindo a ouvir e a ler, com grande regularidade, como este está a ser «o Mundial das equipas sul-americanas». Que este tem sido «o Mundial do falhanço europeu». Que «a vantagem territorial tem beneficiado as seleções do continente americano». Pois bem, chegados aos quartos temos quatro seleções europeias (Alemanha, Holanda, Bélgica, França) e quatro equipas americanas: três da América do Sul (Brasil, Argentina, Colômbia) e outra da América Central (Costa Rica). Donde, a suposta «Copa América em versão alargada» cai por terra. E
mesmo o suposto «fracasso europeu», inicialmente baseado nas quedas precoces de Portugal, Espanha, Inglaterra, Itália e Rússia, tem que ser analisado caso a caso e, na verdade, é contrariado pelos bons desempenhos de Suíça e Grécia, por exemplo (ambos nos oitavos e ambos relativamente perto de terem chegado aos quartos). Nem sempre o que se repete à exaustão se torna verdade.

5. A Argentina é um dos casos que merecem atenção mais especial neste Mundial. Quatro jogos, quatro vitórias à tangente (2-1 à Bósnia; 1-0 ao Irão; 3-2 à Nigéria; 1-0 à Suíça), sempre com dificuldade, sempre à queima, sempre sem dominar, sempre sem encantar. É certo que da Argentina esperamos sempre demais. E também é verdade que, mesmo quando a alviceleste não funcionou como equipa, os argentinos surgiram fortes graças ao enorme talento individual. Foi assim com Maradona em 1986 e, sobretudo, em 1990 (seleção relativamente fraca, mas que chega à final empurrada por El Pibe). Está a ser assim em 2014. Messi, quatro MVP nos quatro primeiros jogos. A «Pulga» está a resolver, mesmo quando a Argentina não faz muito por merecer. Com a Suíça, foi Messi a «inventar» aos 118 um lance que parecia não implicar grande perigo. Arrancada brutal, assistência primorosa. Di Maria fez o resto, na concretização. Um génio e um anjo a deslindarem um apuramento que os argentinos talvez não merecessem assim tanto. Com a Bélgica, vão ter que jogar muito mais para poderem estar nas meias-finais com o vencedor do França-Alemanha.

«Do lado de cá»
é um espaço de opinião da autoria de Germano Almeida, jornalista do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Germano Almeida é também responsável pelas crónicas «Nem de propósito» e pela rubrica «Mundo Brasil», publicadas na revista MF Total . Pode segui-lo no Twitter ou no Facebook.

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