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Economista e Professor Universitário

Uma moratória com ironia, a que está a ser preparada pelos bancos portugueses

14 nov 2023, 13:34

Até setembro, a DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) registou 20 mil pedidos de apoio. Segundo a DECO, a maioria dos pedidos veio de agregados familiares que mantiveram o emprego e não registaram quebra de rendimento. Ainda assim, estas famílias acabaram por entrar em asfixia financeira devido à subida dos preços e, sobretudo, das taxas de juro associadas aos créditos hipotecários.

Ao mesmo tempo, os cinco maiores bancos a operar em Portugal registaram cerca de 11,8 milhões de euros de lucro por dia entre janeiro e setembro de 2023. Não é um lapso. 11,8 milhões de euros de lucro por dia.

A banca em Portugal geriu de forma muito diferente as taxas de juro associadas ao consumo e ao investimento e as aplicadas à poupança. Foi esta opção, aparentemente estratégica, que conduziu os bancos em Portugal ao maior aumento da margem financeira de toda a Zona Euro. De acordo com a DBRS Morningstar, uma das maiores agências de notação de crédito do mundo, os bancos portugueses foram aqueles em que a margem financeira mais subiu no primeiro semestre do ano: 45%. Acresce que esta conduta dos bancos, ao não estimular a poupança, contribuiu, objetivamente, para atrasar o combate à inflação.

A relação causa-efeito parece ser evidente: os extraordinários lucros da banca em tempo de crise e a asfixia financeira das famílias com créditos à habitação são fenómenos interdependentes.

Agora, a banca em Portugal avança com uma moratória que prevê a fixação da prestação mensal do crédito à habitação durante 24 meses, diferindo o pagamento do capital acumulado para o período remanescente do contrato. Esta moratória é idêntica à do Governo, mas sem critérios de exclusão.

Na verdade, esta moratória é indispensável para prevenir dissabores aos bancos. De outro modo, o incumprimento e o crédito malparado começarão agora a fazer-se sentir com mais intensidade. Não foi há muito tempo que o Tribunal de Contas Europeu advertiu os bancos da Zona Euro em relação à importância da supervisão à gestão do risco associado ao crédito malparado.

As famílias estão agora exauridas e sem qualquer reserva financeira. A transferência de rendimentos e poupanças, sob a forma de juros, dos agregados familiares com créditos hipotecários para os lucros da banca tem sido dramática.

A moratória dos bancos é, no mínimo, irónica.

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