Ir ao mar depois de comer pára a digestão? A digestão nunca pára

10 ago 2023, 22:00
Charly Triballeau (Getty Images)

É mito de verão? || Durante o mês de agosto, todas as quintas-feiras, damos resposta a uma das muitas ideias feitas relacionadas com o verão

“Ir ao mar pára a digestão”. A máxima assombra os dias praia de muitas pessoas desde crianças e, para isso, contribuiu um conjunto de ideias erradas que foram passando de geração em geração. “É um mito clássico que é necessário esperar três horas antes de ir ao mar quando se acaba de comer” começa por explicar Jorge Canena, coordenador do serviço universitário de gastroenterologia do Hospital CUF Tejo, referindo que a esta se juntam outras crenças sem qualquer verdade científica. “Esse mito de ter de se esperar três horas resulta de um misto de duas coisas: da sabedoria popular que a digestão dura três horas e que há casos de pessoas que foram à água do mar após uma refeição e morreram”.

Essa crença, concorda Ricardo Veloso, diretor de serviço de Gastrologia do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, não tem qualquer sentido e vários estudos o comprovam desde 1950. “A digestão nunca pára. É um jargão, isso nunca acontece”, garante, explicando que está em causa um sistema autónomo do organismo que não permite que ações provocadas pelo ser humano interfiram no seu funcionamento.  

O que pode suceder, explicam os especialistas, é uma indisposição, mas nunca uma paragem. “Aquilo que acontece é que após uma refeição existe um desvio de sangue para o tubo digestivo de forma a permitir a absorção e digestão. Ao entrar numa água muito fria e muito diferente da temperatura exterior, parte do sangue do tubo digestivo pode sofrer uma redistribuição devido ao processo de termorregulação”, o que pode causar uma indisposição com náusea e vómitos, adianta José Canena. O médico esclarece que “no limite, o excessivo desvio de sangue para a periferia poderia levar à diminuição de sangue no coração e cérebro e provocar paragem cardíaca. “Mas é muito raro”, afirma.

Assim, depois de comer pode mergulhar se a temperatura da água estiver semelhante à do ambiente. Caso contrário, se a temperatura do mar estiver díspar da externa e da sua temperatura corporal, tenha cuidado. Entrar nessa água pode causar uma mudança brusca na pressão arterial - dá-se a tal redistribuição repentina do sangue que estava no aparelho digestivo para a pele – o que pode perturbar o normal funcionamento da digestão, podendo causar algum mal-estar e “até desmaio”, acrescenta o médico, dizendo que a situação pode piorar se depois de uma refeição pesada “for adicionado um esforço físico como, por exemplo, nadar”.

Os alimentos ideais

Por isso, José Canena recomenda que se ingira “alimentos ligeiros” e se “evite entrar em água muito fria subitamente”. Outra regra importante é a de não se fazer esforços, como nadar, antes do organismo “se adaptar à nova temperatura”

“Podem ir à água após uma refeição ligeira, mas tendo por base alguns conselhos”, como evitar três situações: refeições pesadas, grande choque térmico e grandes esforços em água com temperaturas adversas.

Em geral, dizem os especialistas, as pessoas devem evitar alimentos muito ricos em calorias e privilegiar alimentos frescos, frutas e uma alimentação diversificada

Para que a digestão – processo que se inicia com a ingestão dos alimentos até estes serem digeridos - seja feita de forma mais eficaz e rápida, há ainda mais estratégias: “Deve-se fazer várias refeições ao longo do dia. O consumo de legumes e de vegetais frescos é muito importante”, diz Ricardo Veloso, lembrando que quem segue uma dieta mediterrânica tem por isso “uma menor probabilidade de ter cancro digestivo”

De acordo com Ricardo Veloso, este mito de que tomar banho depois de comer pára a digestão pode ter até a função de alertar os adultos para não deixarem as crianças ir ao mar sem supervisão. “Se alguém entrar no mar pode ter algum grau de indisposição, enquanto um adulto consegue sair, uma criança pode não ter esses mecanismos de defesa, e pode não conseguir voltar para a praia”, dando lugar a uma situação de perigo.

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