Pinto Luz: "a primeira crise política" e "pedra no sapato" do Governo que pode obrigar Montenegro a criar regras

10 abr, 20:00
Miguel Pinto Luz. Foto: Lusa

Ministro das Infraestruturas e da Habitação já é um problema para o Governo, que tem apenas uma semana. Agora há um dilema sobre a demissão e a necessidade de criar uma regra

O Governo preparava-se para dar o primeiro passo esta quinta-feira com a discussão do programa, quando um dia antes “um problema” pelo qual Luís Montenegro “não esperava” veio colocá-lo perante a sua “primeira crise política governativa”. O caso de Miguel Pinto Luz é “já uma crise”, segundo especialistas ouvidos pela CNN Portugal, e, com mais ou menos informação sobre o mesmo, o novo ministro das Infraestruturas e da Habitação torna-se "uma pedra no sapato" de Montenegro.

Deve ou não o primeiro-ministro sacudir o sapato? Em primeiro lugar: “cautela”. Em segundo: “bom-senso e responsabilidade de reagir”. Para o politólogo João Pacheco, caso se confirmem as suspeitas que envolvem Miguel Pinto Luz, “quanto mais cedo se demitir, melhor”. “Enquanto continuar nestas condições, Miguel Pinto Luz é um problema para o Governo. A partir do momento em que se demite, é um problema para o próprio Miguel Pinto Luz”, explica. Mas, até lá, se não existem entraves à sua consciência, “pode de consciência tranquila continuar”, diz.

O atual ministro das Infraestruturas e da Habitação - antigo vice-presidente da autarquia de Cascais - é um dos visados nas suspeitas que motivaram buscas à Câmara Municipal de Cascais esta quarta-feira. Em causa está um caso relacionado com uma fábrica de máscaras cirúrgicas que a autarquia criou durante a pandemia de covid-19. O presidente da Câmara Municipal de Cascais já reagiu ao caso e negou o envolvimento de Miguel Pinto Luz:  "O único responsável sobre esta matéria sou eu", garantiu Carlos Carreiras.

Demite-se, não se demite… Este é, segundo João Pacheco, “o dilema” que impera. E, no meio de tudo isto, “mete-se outra questão”: “a coerência”. “O PSD tomou decisões imediatas relativamente ao Governo de Costa, cavalgou muito nesta onda do descrédito do Governo anterior”, lembra.

Já para Paula do Espírito Santo é “prematuro” falar de demissão quando tão pouco se conhece dos “contornos das circunstâncias”. Mas nem a socióloga política nem o politólogo João Pacheco negam o seguinte: o ministro das Infraestruturas e da Habitação pode vir a ser uma "pedra no sapato" de Luís Montenegro daqui para a frente.

“Não é a circunstância ideal para haver já figuras do Governo visadas num polémico e eventual processo que pode comprometer a idoneidade política, principalmente com a importância e a pasta que o ministro tem”, afirma Paula do Espírito Santo. E João Pacheco exemplifica: “Miguel Pinto Luz pode ser um elemento de chantagem da oposição. Por exemplo, o Chega pode ser agora o arauto da transparência política e pode dizer que não apoia o Governo a qualquer preço”.

A um dia da apresentação do programa de Governo, o Executivo de Montenegro depara-se já com uma crise política. “É a primeira crise política governativa de Montenegro”, garante o politólogo. E mais: “Temo que possa ser a segunda edição dos casos e casinhos de um Governo em Portugal”, admite, numa referência ao anterior Governo, que viu uma série de casos a envolver secretários de Estado e ministros, acabando com a demissão do Governo depois de o próprio primeiro-ministro ter sido referido na Operação Influencer.

Numa anterior análise, João Pacheco já tinha confessado à CNN Portugal que antecipava que, com “tantos secretários de Estado”, o percurso do novo primeiro-ministro se viesse a cruzar com “dissabores”. “E agora é um dos nomes mais conhecidos do Governo”, constata, afirmando que Montenegro “não estaria à espera” deste “problema”.

“É já uma crise política e retira a força deste Governo que já não era assim tanta”, diz João Pacheco. O que deve então fazer o primeiro-ministro? Para os dois especialistas, Luís Montenegro deve estabelecer publicamente uma regra para estes casos, à semelhança do que fez António Costa no início do seu último mandato, onde se deram uma série de demissões.

“Montenegro deve fazê-lo mas até já vai um bocadinho tarde. Já temos um passado histórico e político com o Governo da legislatura anterior, que obrigou Costa a demarcar regras e também o caso na Madeira. Na política há sempre alguma contaminação do ponto de vista da lisura da transparência dos atos”, garante Paula do Espírito Santo.

Já para João Pacheco, que confirma que o primeiro-ministro deve “criar regras e linhas vermelhas” para “estar livre”, Montenegro deve fazer “mais”: “Devemos agir e não reagir”. O politólogo relembra que o líder do PSD “teve muito tempo para formar o Governo” e que “sabia que ia atuar num contexto de fragilidade, minoritário, de populismo e de instigação de casos”.

Desta forma, e apesar de reconhecer a “dificuldade” em recrutar para os cargos e de acreditar que “boa parte dos governantes não foram as primeiras escolhas”, João Pacheco considera que este tipo de problemas podiam “ter sido resolvidos” e que “Montenegro cometeu um erro de casting se se comprovar o facto”.

“Pode reforçar-se os padrões do ponto de vista da seleção de quem assume as rédeas do Governo. Há alguma falta de investigação às vezes sobre os contactos que se fazem e as pessoas escolhidas”, confirma Paula Espírito Santo. E questiona: “Como é que quem lá está não sabe destas coisas tendo mais canais de comunicação do que os próprios meios de comunicação social?”.

A socióloga política sugere assim um processo de “escrutínio interpartidário” dos elementos que constituem o Governo, em que se coloquem “critérios de transparência, isenção e ética política” como prioridade e só depois “a cumplicidade partidária”. “Todos ganharíamos no plano democrático. Sempre que a seleção é feita, todos perdemos e ganha o oportunismo político e as forças políticas disruptivas”, admite.

Também João Pacheco fala da criação de critérios que “explorem ao máximo”, rejeitando o código de conduta criado por António Costa, que diz corresponder ao momento em que “o pior aconteceu”.

Seja qual for o desfecho que este caso conheça, a esperança do politólogo João Pacheco é uma: “Pode ser que esteja criado um pressuposto para se avançar para a reforma da justiça, porque isto deve fazer também refletir sobre os timings da justiça”. “O PSD quase que beneficiou da atuação mais ou menos duvidosa da justiça politicamente contra atores do PS, agora o PSD está a ser prejudicado pelos timings da justiça neste caso que vem de 2020”, acrescenta.

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