Como "salvar a democracia" enquanto se tenta "salvar a economia": o que estas eleições na América nos dizem sobre isso

Por Stephen Collinson, CNN
7 nov 2022, 22:00
Trump, Obama, Biden (créditos: Getty Images)

As eleições intercalares desta terça-feira nos EUA são a primeira votação nacional desde a violência desencadeada pela recusa de Trump em aceitar o resultado das últimas eleições presidenciais - e já se teme que alguns candidatos republicanos possam fazer o mesmo agora. Biden tem alertado para as consequências dessa eventualidade e sublinha que é preciso "salvar a democracia" dos candidatos pró-Trump. Mas, explica a CNN Internacional, esse apelo não está "a fazer nada para aliviar os receios face ao custo dos produtos alimentares e da gasolina". Portanto: as intercalares tornaram-se também um debate sobre isso mesmo, sobre "salvar a economia" enquanto se "salva a democracia" e as adversidades de fazê-lo em simultâneo num contexto de guerra (no mundo, guerra bélica, Ucrânia vs. Rússia; mas dentro da própria América, guerra pelos factos, pró-Biden vs. pró-Trump, com o ex-presidente a trabalhar numa segunda candidatura enquanto continua a alegar ter perdido as eleições devido a fraude - sem apresentar qualquer prova disso mas já com o legado de violência no Capitólio). Uma análise aos acontecimentos em curso

Um frenético último dia de campanha com os republicanos a apontar para uma grande vitória nas intercalares

Por Stephen Collinson, CNN

 

Os republicanos estão cada vez mais otimistas em relação a uma grande vitória nas eleições intercalares desta terça-feira, num momento em que criticam os democratas por causa da inflação galopante e do crime - e enquanto o presidente Joe Biden procura um indulto tardio alertando que os republicanos que negam o resultado das eleições podem destruir a democracia.

Num sinal do muito que está em jogo, e com a crescente angústia que se vive entre os democratas, quatro presidentes - Biden, Donald Trump, Barack Obama e Bill Clinton – estiveram presentes na campanha no fim de semana.

O antigo presidente Trump, cada vez mais perto de anunciar uma candidatura à Casa Branca em 2024, vai encerrar no Ohio - com um comício para o candidato ao Senado J.D. Vance, esta segunda-feira - uma campanha que usou para mostrar o seu contínuo magnetismo entre os republicanos de base. E num discurso que terminou com chuva torrencial para o senador da Florida Marco Rubio, no domingo, Trump previu que os eleitores “elegeriam uma lista incrível de verdadeiros guerreiros MAGA [Make America Great Again] para o Congresso.”

Biden, que passou o sábado a angariar votos na crucial corrida pelo Senado na Pensilvânia, juntamente com Obama, alertou que os valores centrais da nação estão em perigo por causa dos republicanos que negaram a verdade sobre a invasão ao Capitólio dos EUA e o ataque brutal a Paul Pelosi, marido da presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi.

“A democracia está literalmente nas urnas. Este é um momento decisivo para a nação. E todos devemos falar a uma só voz, independentemente do nosso partido. Na América não há lugar para a violência política”, disse Biden.

O presidente encerrará o seu esforço para evitar a censura dos eleitores num evento dos democratas em Maryland. O facto de ir a um bastião liberal e não tentar impulsionar um legislador em perigo numa corrida importante na última noite antes da votação reflete a sua posição comprometida numas eleições que se tornaram um referendo sobre a sua credibilidade em farrapos e as baixas taxas de aprovação.

Os democratas jogam à defesa em redutos como Nova Iorque, Washington e no Oregon e estão a travar uma batalha de baixas probabilidades para manterem a Câmara dos Representantes. Os republicanos precisam apenas de um ganho líquido de cinco assentos para recuperarem o controlo. Um punhado de confrontos estaduais vai decidir o destino do Senado, atualmente dividido em 50-50, incluindo o Arizona, o Nevada, a Georgia e a Pensilvânia. Os republicanos também estão a mostrar um interesse renovado na batalha em New Hampshire entre a senadora democrata Maggie Hassan e o antigo brigadeiro do Exército Don Bolduc, um candidato a favor de Trump que os democratas classificam como um extremista que nega os resultados das eleições.

A presidente do Comité Nacional Republicano, Ronna McDaniel, previu no programa “State of the Union” da CNN que o seu partido ganharia tanto na Câmara quanto no Senado e acusou Biden de ignorar a ansiedade económica que existe entre os americanos com seus repetidos alertas sobre a democracia.

“Eis o ponto em que estão os democratas: negam a inflação, negam o crime, negam a educação”, disse McDaniel.

Rick Scott, o senador da Florida que chefia o comité de campanha para o Senado do Partido Republicano, previu que o seu partido alcançaria uma maioria esta terça-feira.

“Vamos ter mais de 52”, disse no programa “Meet the Press” da NBC, no domingo, referindo-se ao número de assentos que esperava controlar.

Mas ao lado de Obama, num discurso em Pittsburgh na noite de sábado, o Presidente Biden alertou que a preocupação republicana com a economia era um estratagema e afirmou que o Partido Republicano cortaria a Segurança Social e o Medicare se obtivesse as maiorias.

“Eles só querem fazer com que os mais ricos fiquem mais ricos. E que os mais ricos continuem ricos. A classe média fica paralisada. Os pobres ficam mais pobres com estas políticas”, disse Biden.

As eleições intercalares são a primeira votação nacional desde o caos e a violência desencadeados pela recusa de Trump em aceitar o resultado das últimas eleições presidenciais e já se teme que alguns candidatos republicanos possam seguir o exemplo dele e tentar contestar a vontade dos eleitores em caso de derrota. Alguns, como o senador do Wisconsin Ron Johnson, já mostraram estar preocupados quanto à integridade do voto.

Noutro desenvolvimento de domingo, um funcionário da sede de Kari Lake, a nomeada pró-Trump para governadora do Arizona, abriu uma carta que continha um pó branco suspeito. A adversária de Lake, a atual Secretária de Estado do Arizona, Katie Hobbs, condenou o incidente e afirmou ser “incrivelmente preocupante”.

Alegações finais

Num fim de semana frenético de campanha, Biden e Obama tentaram impulsionar a corrida do nomeado democrata John Fetterman para o Senado da Pensilvânia, que representa a melhor oportunidade de o partido conquistar um assento num senado republicano. Mas os democratas estão sob forte pressão em estados como o Arizona e o Nevada, que podem colocar a instituição nas mãos do Partido Republicano. Os republicanos precisam de apenas um assento para conquistar a maioria.

Entretanto, os primeiros grandes confrontos da corrida pelos nomeados pelo Partido Republicano nas eleições de 2024 aconteceram na Florida, com Trump e o governador da Florida, Ron DeSantis, a realizarem um duelo de comícios na noite de domingo. O antigo presidente, que deve lançar uma terceira candidatura à Casa Branca dentro de dias, cunhou no sábado um novo apelido para o homem que pode ser o seu adversário mais difícil nas primárias: “Ron DeSantimonial”.

Mas o governador da Florida optou por não se envolver no duelo, voltando a sua ira para Biden e apelidando o seu adversário democrata, Charlie Crist, de “burro”, ao mesmo tempo em que assumia os créditos por desafiar as autoridades e os especialistas de Washington durante a pandemia.

“Eu estava disposto a levantar-me a apanhar com as flechas por vocês”, disse DeSantis.

Enquanto defendia Rubio, que procura a reeleição, Trump não voltou a fazer pouco de DeSantis no domingo, mas voltou a deixar no ar a hipótese de se candidatar à presidência. Noutro sinal de que a próxima corrida presidencial está a tornar-se agitada, o senador do Arkansas, Tom Cotton, que há muito tem as vistas postas em cargos mais altos, anunciou que não participará das primárias republicanas.

O antigo presidente Bill Clinton também foi chamado à ação no sábado, em apoio à governadora democrata de Nova Iorque, Kathy Hochul, no Brooklyn. O estado do Empire State Building devia ser um território seguro para o partido de ambos, mas a corrida à reeleição de Hochul - mais renhida do que o esperado contra o deputado republicano Lee Zeldin - sublinha a dureza do ambiente nacional no que toca aos democratas.

“Sei que um comício eleitoral normal é apenas ‘trá-lá-lá, votem em mim’, mas a verdade é que estão em jogo as vossas vidas. Para os jovens entre o público, as vossas vidas estão em jogo”, disse Clinton.

Com os americanos a debaterem-se com o elevado custo de vida, os democratas não conseguiram impedir um referendo sobre a gestão económica e a presidência de Biden, com a maioria das sondagens a preverem um impulso republicano que poderia causar ao presidente no primeiro mandato uma clássica repreensão nas eleições intercalares.

Há dúvidas crescentes sobre a estratégia dos democratas e sobre se falam efetivamente sobre as questões que mais preocupam os eleitores. A mensagem final de Biden sobre salvar a democracia dos candidatos pró-Trump pode ser um reflexo preciso das novas ameaças apresentadas pelo antigo presidente e os seus seguidores. Mas não faz nada para aliviar os receios face ao custo dos produtos alimentares e da gasolina.

No entanto, Biden não conseguiu falar de maneira eficaz e pessoal com os norte-americanos que desejam um regresso à normalidade após a pandemia, nem conseguiu dizer que entende perfeitamente o sofrimento do aumento dos preços numa explosão da inflação que atingiu um máximo dos últimos 40 anos e que a sua Casa Branca outrora disse, repetidamente, ser “transitória”.

Se os republicanos reconquistarem a Câmara dos Representantes podem impor um controlo sobre o programa legislativo de Biden e criar uma série de confrontos políticos perigosos sobre as despesas e sobre o aumento do teto da dívida. Prometem uma rodada implacável de investigações e audiências sobre tudo, desde a retirada dos EUA do Afeganistão ao aumento de migrantes na fronteira sul até ao filho de Biden, Hunter.

Uma maioria do Partido Republicano conteria dezenas de candidatos à imagem extrema de Trump e estaria armada para prejudicar o presidente ao máximo, antes de um potencial reencontro com Trump nas presidenciais de 2024. E um Senado republicano frustraria as esperanças de Biden de equilibrar o poder judicial, quatro anos após Trump nomear juízes conservadores.

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