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Colunista e comentador

A Maria, o Woody Allen e a “flacidez que está no cérebro das pessoas”

5 abr 2023, 21:51

A Maria (Botelho Moniz) sabe muito bem que não está sozinha neste julgamento de imagem. E sabe-o em duas sedes: sabe-o pela reação das pessoas, sobretudo a partir do momento em que Cristina Ferreira partilhou o texto da “robusta, mas...”; e sabe também que não está sozinha pelo facto de outras pessoas - e não apenas a Maria e, neste caso, a Cristina - serem visadas constantemente por questões relacionadas com a imagem, trabalhem elas em televisão ou não.

Não há nada de mais repugnante senão julgar as pessoas pela imagem.

Infelizmente, Maria, foste apanhada num turbilhão que é o espelho da sociedade em que vivemos e sei que tu sabes que estes julgamentos já se faziam muito antes de nasceres, nos tempos de antanho; o que mudou, em comparação com esses tempos, foi a implantação da internet e, depois, das redes sociais, com a consequente velocidade da partilha, sobretudo entre as gerações mais jovens.

Dantes, escrevia-se uma carta da capital para Bragança, com o primo a perguntar à prima: “olha lá, aquela gorda que vive em Mirandela já te resolveu o problema que tinhas na unha do dedo grande do pé?” E uma semana depois chegava a resposta: ‘sim, primo, obrigada pelo teu cuidado, a gorda (de Mirandela) já me cortou o calo. O dedo está óptimo, a gorda tem jeito...”

Agora, tu espirras em Coimbra e recebes eco de Adelaide, Wellington ou Suva em segundos: “santinho” (!) e inicias uma conversação na qual nem sequer tens de pagar (por ora) o correspondente a um selo.

Isto para te dizer, Maria, que a única (meia) surpresa disto tudo é que o preconceito estampado no artigo em causa não resultou de uma má interpretação, como muitas vezes acontece, ou de uma frase retirada de contexto, como muitas vezes acontece também.

Não. A imagem não é tudo. A imagem não pode ser tudo. A sociedade colocou num ringue de boxe magros contra gordos, altos contra baixos, bonitos contra feios. Os árbitros nomeados por uma espécie de Conselho de Arbitragem da Estética (escolhidos entre os mais fiéis seguidores da doutrina) acabam as pelejas invariavelmente com a mesma sentença: perdem sempre os gordos, os baixos e os feios.

Afinal, o que é a estética?

Nunca me esqueço de uma passagem de um filme do Woody Allen em que ele, naquele seu jeito desajeitado e sempre muito bem autocriticado, vai no passeio e, distraído, choca com um calmeirão. O calmeirão não gosta, tira-lhe os óculos da cara e pisa-os, sem contemplações. No dia seguinte, o Woody Allen fazia o mesmo trajeto, voltou a chocar com o grandalhão e não foi preciso o grandalhão lhe tirar os óculos, porque foi o próprio Woody Allen que os tirou da cara e os pisou... É este tipo de violência que a sociedade promove e não reprime com a veemência que este e outro tipo de violências mereceria.

Podia-te dar-te, Maria, talvez centenas de casos ocorridos comigo, na (super) complexa área do futebol: ainda há pouco entreguei uma queixa-crime na PJ, cujo processo está a fazer o seu caminho, num caso muito sério de ofensas e ameaças, que talvez tenha ousado denunciar publicamente, e sabes o que aconteceu?

A esmagadora maioria das reações que recebi de gente conhecida na praça, algumas das quais figuras relevantes da sociedade portuguesa, dirigiram-se-me de forma privada, mas salvo raras excepções em público. É por causa das ‘máfias’ do futebol? É para não se colarem a mim, que me manifesto contra elas e têm medo das represálias?

Sabes, Maria, as pessoas têm dentro delas, do tempo do Adão e Eva, um mecanismo que faz acionar a maldade. Há, ao lado, o botão da bondade, mas as pessoas tendem para o botão da maldade. Da inveja e do despeito. Ninguém é perfeito, somos todos imperfeitos, mas tem de haver limites para tudo.

Não. Nem tudo é imagem.

Estou longe de ser como o grandalhão do filme do Woody Allen, mas também acho que - com os meus enormíssimos 1700 milímetros, que fazem de mim um SuperMinion - não passaria no casting para o filme da Branca de Neve e os 7 Anões.

Sabes, Maria, quantos vezes quem discorda de mim me chama ‘anão’ e outras coisas do género?
Sabes, Maria, que aceitei um convite da ‘Fremantle’ para fazer de “Gelado” no programa ‘A Máscara’, da SIC, e sabes o que faz quase semanalmente um canal de televisão controlado por um clube de futebol? Aposta em descredibilizar as minhas opiniões, exibindo a foto multicolorida, tentando achar ridículo numa coisa tão normal e que até revela, creio eu, outra dimensão humana.

Sabes, Maria, quantas pessoas do nosso meio que revelam ou revelaram preocupação com o tema das ameaças e das suas implicações, a provocar enormes danos colaterais, que eu tento mitigar sempre que vou à antena?...

Alguns ainda devem achar que é tudo invenção de quem quer (mais) fama.

Por isso te digo, Maria: a gordura e a flacidez estão no cérebro das pessoas. Não tens outro remédio senão seguir o teu caminho, como vou seguir o meu, se me permites.

Só a competência interessa (ou devia interessar), mas cabe-nos a todos virar o jogo, quando outros valores se levantam, até formas encapotadas de machismo.

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