Há prazos a cumprir para marcar legislativas antecipadas, que começam a contar a partir da publicação do decreto de dissolução da Assembleia da República
António Costa pediu a demissão a Marcelo Rebelo de Sousa mas, enquanto não existir um decreto que a oficialize, mantém-se o normal funcionamento das instituições. Só a partir do momento em que seja publicado esse decreto o Executivo passa automaticamente a governo de gestão, com competências diminuídas, limitando-se à prática dos atos estritamente necessários para gestão dos negócios públicos - caducando também, naturalmente, a proposta do Orçamento do Estado para 2024. "A demissão do Governo não tem consequências no funcionamento da Assembleia da República", explica a constitucionalista Raquel Brízida Castro à CNN Portugal. "Tem consequência ao determinar a caducidade da proposta de lei do Orçamento, uma vez que se há alguma vicissitude com o autor, isso transmite-se à proposta de lei", explica a especialista.
Perante a resignação de Costa, Marcelo tem três hipóteses: dissolver a Assembleia da República, pedir ao Partido Socialista que indique um novo primeiro-ministro ou avançar com um governo de iniciativa presidencial. Das três possibilidades, um governo de iniciativa presidencial parece a mais remota: a revisão constitucional de 1982 procurou garantir que a responsabilidade do Presidente perante o Governo seria institucional e não política, para que as convicções pessoais do chefe de Estado não se tornassem relevantes na escolha do primeiro-ministro; mas, em "em teoria, o único limite constitucional a esse governo de iniciativa presidencial é que não tenha contra ele uma maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções", explica Raquel Brízida Castro". "É uma possibilidade excecional, em caso de grande bloqueio político", refere ainda.
Já a indicação de alguém dentro do Partido Socialista, que Marcelo indigitaria como primeiro-ministro, para formar governo, seria sempre uma "decisão política do Presidente", explica a constitucionalista, bem como a opção pela dissolução da Assembleia da República - que, à data de hoje, parece a hipótese mais provável.
Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência do pedido de demissão do primeiro-ministro - que o Presidente já aceitou - decidiu convocar os partidos e o Conselho de Estado, "ao abrigo do artigo 145.º, alínea a) e da alínea e), segunda parte". O que quer isto dizer? Que Marcelo quer ouvir os conselheiros porque é obrigado a fazê-lo caso queira demitir o Governo e dissolver a AR, mas também apenas porque queira aconselhar-se no exercício das suas funções. "Ao invocar estas alíneas, vai deixando tudo em aberto", explica a constitucionalista.
Caso decida dissolver a Assembleia da República, o Presidente da República terá de o formalizar com um decreto - e não tem de cumprir qualquer obrigatoriedade quanto à data em que o irá publicar. Neste decreto, estará necessariamente a data das próximas eleições, perante a dissolução da AR, e neste caso já será necessário cumprir prazos: "No decreto de dissolução, Marcelo tem de marcar eleições legislativas, que se têm de se realizar num prazo de 60 dias. São prazos que condicionam", refere Raquel Brízida Castro. A Lei Eleitoral fixa ainda que as eleições deverão realizar-se, no mínimo, 55 dias após a dissolução do parlamento, dando tempo para os preparativos necessários. "Acaba por não haver aqui grande margem", admite a constitucionalista.
Vamos a contas: imaginando que o Presidente da República promulga quinta-feira, dia 9 de novembro, o decreto de dissolução da AR, as eleições, prevendo a antecedência mínima de 55 dias, não poderiam realizar-se antes de 3 de janeiro, ficando provavelmente marcadas para o domingo seguinte, dia 7 de janeiro de 2024. Se esticarmos até aos 60 dias, que se completavam a 8 de janeiro, as eleições deveriam ocorrer, provavelmente, no mesmo domingo 7, para não ultrapassar o prazo.
Mas o tempo é um trunfo que o Presidente tem agora, consoante atrasar a publicação do decreto de dissolução da AR - atrasando igualmente os prazos nos quais terá necessariamente de marcar eleições.
Depois das audições aos partidos, e de acordo com o presidente do Chega, o mais provável é que a dissolução do parlamento nunca aconteça antes de 29 de novembro, data em que os deputados votam a proposta de Orçamento de Estado para 2024, e que o Presidente da República parece querer ver aprovado.
Nesse caso, e como disse André Ventura, as eleições são empurradas para "meados de fevereiro ou início do março".
A indigitação por decreto de um primeiro-ministro indicado pela maioria socialista seria, provavelmente, uma solução a mais breve prazo. António Costa já indicou que não será recandidato, pelo PS, às funções de primeiro-ministro, mas o presidente do partido já garantiu que "o PS está preparado para qualquer cenário, seja eleições ou mudança de liderança do Governo".