Madeira: Mais de 500 horas detidos e, no final, "nada": nova derrota do Ministério Público "abala totalmente a confiança que existe na Justiça"

14 fev, 21:19
Lucília Gago, procuradora-geral da República (Lusa/ José Sena Goulão)

Advogados dizem que o Ministério Público vai ser obrigado a "tirar lições" após o juiz de instrução considerar não existir "qualquer indício da prática de qualquer crime" no processo que investiga Albuquerque e Pedro Calado na Madeira.  “Isto não pode continuar, a Procuradora-Geral da República tem de tirar consequências disto e perceber porque não tem mão nesta estrutura", afirma Magalhães e Silva

Depois da operação Influencer, o caso da Madeira marca a segunda vez seguida que, em casos mediáticos que envolvem titulares de altos cargos políticos, o Ministério Público sai derrotado pelo juiz de instrução na definição das medidas de coação. Desta vez, o ex-autarca do Funchal, detido durante cerca de três semanas, saiu em liberdade sem o juiz entender sequer existir indícios de qualquer crime. “Para a credibilidade da justiça isto é péssimo”, avisa João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. “O Ministério Público vai de certeza tirar lições deste caso”, considera, por sua vez, o advogado António Raposo Subtil.

Passaram 21 dias desde que Pedro Calado, ex-presidente da Câmara Municipal do Funchal foi detido, juntamente com outros dois arguidos, numa operação que levou também Miguel Albuquerque à demissão e que investigava vários crimes, entre eles corrupção e branqueamento de capitais. 

Na última semana, o MP pediu que os detidos permanecessem em prisão preventiva, mas esta quarta-feira, segundo o despacho sobre as medidas de coação a que a CNN Portugal teve acesso, o juiz de instrução ditou que todos fossem colocados em liberdade, sujeitos apenas a Termo de Identidade e Residência.

Uma decisão que “abalou totalmente a confiança que existe na Justiça”, afirma João Massano, destacando que “ninguém consegue perceber como é que uma operação com o estardalhaço todo que foi observado na Madeira, com o autarca do Funchal detido durante três semanas e com centenas de buscas, leva, no fim de contas, à medida de coação mais leve de todas”.

“Criou-se um cenário de grande gravidade por todas estas circunstâncias e depois vai-se a ver e as medidas de coação não são nada”, concretiza João Massano.

Já o advogado António Raposo Subtil vê nesta decisão do juiz de instrução uma “clara evidência da logística completamente anormal do Ministério Público”. “A decisão de fazer centenas de buscas para a recolha de provas documentais e digitais e a decisão de deter uma pessoa sob esses supostos indícios parte somente de um procurador”. 

Raposo Subtil afirma que o sistema “dá ao Ministério Público um poder fora do normal no início de um processo” e, estando este caso em investigação há dois anos, sublinha que “não é normal que um procurador sozinho avance para a destruição da estrutura de um governo regional com os indícios recolhidos”. 

Este mecanismo, diz, “tem de ser invertido”. Para isso, propõe o advogado, é necessário que “atos como este, consertados no julgamento de apenas uma pessoa devem ser tomados num coletivo de três magistrados”. 

Paulo Sá Cunha, advogado de Pedro Calado, acompanhado por André de Noronha, advogado de Custódio Correia, à chegada ao Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Campus de Justiça (LUSA) 

Três semanas detidos e, no final, “nada”

Pedro Calado esteve mais de 500 horas a ser ouvido nos calabouços da Polícia Judiciária para, no final, o juiz de instrução sublinhar que, tanto ele como os outros dois detidos, considerar “não existirem indícios, muito menos fortes indícios” de os arguidos “terem incorrido na prática de um qualquer crime”. 

Para João Massano, este desfecho é “inadmissível”. “A mancha que se cria e que cai em cima das pessoas, não sai, independentemente de virem ou não a ser julgadas, essa mancha já não se limpa”. “Os direitos das pessoas não podem ser violentados desta forma, é algo que nos deve repugnar a todos”, sublinha.

Os arguidos mantiveram-se detidos mesmo havendo a possibilidade de que pudessem prestar declarações estando, por exemplo, em prisão domiciliária. “Da próxima vez, o Ministério Público não pode agir desta forma, este caso vai ter de servir de lição”, aponta Raposo Subtil.

Também o advogado Manuel Magalhães e Silva afirma que, “neste caso, com a informação que temos, podemos concluir que efetivamente se prendeu para investigar e isso é absolutamente intolorável”.  “Isto não pode continuar, a Procuradora-Geral da República tem de tirar consequências disto e perceber porque não tem mão nesta estrutura”, continua o advogado, garantindo mesmo que “não vai ser possível que a PGR não dê a cara para dar uma explicação ao país sobre o que aconteceu”. 

A decisão sobre as medidas de coação surge após o Ministério Público ter em novembro do ano passado pedido prisão preventiva para Vítor Escária e Lacerda Machado, na sequência da operação Influencer, sendo que também neste caso todos os arguidos ficaram em liberdade. 

“Este tipo de mega operações é uma ínfima parte da totalidade dos processos judiciais, mas a sua reputação acaba por enquinar o todo”, refere João Massano.

Mesmo por isso, esta nova derrota no caso da Madeira, alerta o presidente do conselho regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, “não podia ter vindo numa pior altura”. “Objetivamente a credibilidade é afetada e isto contribui para destruir a perceção da justiça num momento em que o Ministério Público já tinha sido afetado pela decisão sobre as medidas de coação da operação influencer”.
 

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