Padrinhos, caixões, códigos e rituais. Uma visita ao maior templo da maçonaria

12 dez 2022, 07:00
Entrevista de Catarina Guerreiro com Fernando Cabecinha, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano. Foto: DR

No local onde os maçons fazem as reuniões há velas, martelos e até urnas. E um dos elementos está sempre sentado junto à porta a garantir a segurança da reunião

Em cima de um estrado, ao fundo da sala de paredes de cor avermelhada, está a cadeira do líder. É ali que se vai sentar o homem que comanda as reuniões dos maçons que são feitas à porta fechada. Naquele templo, batizado com o nome José Estevão, têm-se reunido ao longo dos anos alguns dos mais importantes homens da política nacional, do mundo empresarial e dos serviços secretos. “É o maior dos nossos seis templos”, conta Fernando Cabecinha, o grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, que tomou posse há precisamente um ano.

É a primeira vez que o homem que comanda a obediência mais antiga do país dá uma entrevista. Assume que está a discutir-se a abertura do GOL às mulheres, garante que há perseguição dos maçons que ocupam certos lugares, lembra as relações com a Igreja e explica a ligação ao poder.  É discreto e garante que não gosta dos holofotes. Está há 32 anos na maçonaria e conhece bem os cantos à casa.

Naquele templo, fazem-se também as reuniões do chamado parlamento maçónico – que internamente tem o nome de Dieta - onde se decidem alguns dos assuntos mais importantes, e ao qual ele, Fernando Cabecinha, 68 anos, presidiu por quatro vezes.

O templo está montado para os rituais. As cadeiras forradas a vermelho estão ao redor da sala. Nas filas de trás sentam-se os maçons mais antigos, conhecidos como mestres, à frente ficam os mais recentes, que se chamam companheiros ou aprendizes. Todos usam avental, que têm detalhes diferentes consoante o grau que ocupam. “Usamos avental por tradição”, explica Fernando Cabecinha, acrescentando que além disso, usam luvas e os “irmãos” que estão no grau mais importante ainda colocam uma faixa ao peito.

Fernando Cabecinha revela o local onde os maçons fazem as reuniões

Quando a porta se fecha, iniciam-se os “trabalhos”, explica o grão-mestre. As luzes apagam-se, ou quase, os maçons levantam-se e o venerável mestre (nome do homem que comanda a loja) dá início aos trabalhos que, diz Fernando Cabecinha, são debates sobre temas e rituais. Em alguns casos até se usam urnas. “Usamos o caixão na cerimónia de elevação a mestre”, detalha, explicando que se trata da interpretação da lenda de Hiram, em que há um assassinato. O uso do caixão serve para mostrar “o renascimento da vida”.

É no centro do templo, em cima do chão com quadrados pretos e brancos que tudo se desenrola. A cor do chão não é ao acaso. É sempre assim nos templos. Simboliza, diz, “a procura da verdade” e a necessidade de se olhar sempre para os dois lados das coisas.

Durante as reuniões, há sete maçons que têm tarefas atribuídas. Dois deles, o primeiro e o segundo vigilante, nomes que são conhecidos entre os irmãos, vão ajudando o elemento que comanda a reunião. Para isso, os três usam um martelo de madeira, conhecido como malhete, que vão usando para que, com o barulho, possam ir marcando os vários passos da reunião. Nas mesas, há ainda objetos maçónicos, como esquadros e compassos, que fazem sempre parte da decoração dos templos por representarem, dizem os maçons, a retidão e a justiça. 

Em algumas sessões, um dos maçons toca piano. Há um, na sala, ao fundo. Quando não há ninguém que saiba tocar, então coloca-se música numa aparelhagem que ali está colocada.

“Praticam-se dois tipos de rituais. O rito Francês e o Rito Escocês Antigo e Aceite, detalha o grão-mestre, que implicam processos diferentes dentro dos templos. O objetivo, garante, é a “evolução da pessoa para que depois se comporte devidamente na sociedade civil”. 

Junto à porta de entrada, há sempre uma pequena cadeira. É ocupada pelo maçom que tem a tarefa de garantir a segurança das reuniões, adianta Fernando Cabecinha, confirmando que, depois de a porta se fechar, só entra quem souber o sinal secreto.

Esquadra e compasso, objetos maçónicos/D.R

Em muitas das sessões são feitas iniciações, rituais em que se passa a ser maçon. Segundo a constituição do Grande Oriente Lusitano (GOL) “nenhum profano pode ser iniciado sem que previamente se haja procedido aos devidos inquéritos pelos quais se comprove que completou 18 anos, que tem bom comportamento e reputação, bem como a cultura necessária para compreender os fins da Ordem e energia moral”.

Para isso, contou Fernando Cabecinha, “há um recrutamento cada vez mais exigente”.  Há um irmão que fica encarregue de procurar obter o máximo de informação possível. “Há um padrinho que é o primeiro responsável pela captação do profano, de uma pessoa da sociedade civil para entrar para o Grande Oriente Lusitano. E depois, durante o processo de recrutamento, vamos verificar qual é a situação desse profano junto da família, da profissão, da sociedade, para ver se efetivamente traz algum valor acrescentado para os nossos trabalhos”, relatou Fernando Cabecinha na entrevista publicada na CNN Portugal.

Neste momento, nenhuma mulher pode se iniciada no GOL e o tema tem suscitado algumas divisões, depois de um maçon ter tentado apadrinhar um elemento do sexo feminino numa loja. O grão-mestre adiantou à CNN Portugal que lançou um debate interno sobre o assunto e nas próximas semanas o assunto pode gerar polémica interna. Os vários maçons estão a dar a sua opinião e numa comissão criada por Fernando Cabecinha vão ser avaliadas as várias e diversas opiniões para se perceber qual é a abertura dos "irmãos" à entrada de mulheres.  

Aliás, nos últimos tempos, Fernando Cabecinha tem visitado muitas lojas que existem de norte a sul do país.  Está, diz, “a arrumar a casa”. “Procuro ser o garante da união, tentando esvaziar qualquer tipo de quezília entre irmãos”. Uma das que promete dividir os elementos do GOL é a iniciação de mulheres.  “Obriga a uma reflexão muito grande e essa reflexão está a ser feita de forma tranquila”, explica, adiantando que em breve se saberá qual é opinião da maioria.

Por causa da pandemia, nos últimos tempos, os corredores do Palácio maçónico no Bairro Alto estavam muitas vezes vazios. Agora já há mais movimentação e as reuniões começam a realizar-se com mais regularidade.

No GOL, há um corredor onde na parede estão pendurados quadros com a fotografia dos ex-grão-mestres. Entre eles, encontra-se a imagem de um padre, Marcos Vaz Preto. “Hoje temos aqui no GOL um padre”, desvenda Fernando Cabecinha, admitindo que esteja sem que ninguém na Igreja saiba. Afinal, ali, muito ainda é segredo.

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