Grupo da maçonaria alvo de inquérito do MP por suspeitas de tráfico de influências

14 out 2022, 18:00

Maçons criaram um clube de negócios que promete acesso a governantes proeminentes. Pedro Nuno Santos esteve num dos encontros. Denúncia que chegou à PJ relata esquema que envolve a maçonaria, o grupo de elite privado e ainda um projeto para criação de um templo maçónico no mundo virtual

O Ministério Público (MP) abriu um inquérito-crime a uma obediência maçónica cujos dois últimos grão-mesrtes criaram um clube que garantem ser o “clube de negócios mais exclusivo de Portugal”. E prometem aos membros que pagam as quotas mais caras o acesso a “líderes governamentais e empresariais proeminentes” – o que é, aliás, assumido no site do clube.  

Num dos eventos para estes sócios das categorias mais elevadas esteve o ministro das Infraestruturas e da Habitação. Pedro Nuno Santos foi o convidado principal de um jantar, em novembro de 2021, do círculo mais restrito do clube – internamente conhecido como “inner circle” e para o qual os membros pagam, pelo menos, 1800 euros por ano. 

Pedro Nuno Santos esteve num nos encontros com os membros do círculo mais exclusivo do clube de negócios 

À CNN Portugal, o gabinete de Pedro Nuno Santos admite que “o ministro participou num jantar-conferência para o qual foi institucionalmente convidado”, adiantando que, no entanto, “não tem, nem teve, qualquer outro contacto com esta entidade”. Ao mesmo tempo, esclarece que “no caso de se verificar que o seu nome está a ser usado para fins indevidos, procederá judicialmente”.

A investigação que está agora no MP surgiu na sequência de uma denúncia que chegou à Polícia Judiciária sobre um alegado esquema que envolve a organização de maçons, este clube de elite privado e ainda um projeto para criação de um templo maçónico no mundo virtual que implica investimento com criptomoedas. A PJ considerou que os fatos denunciados eram “suscetíveis de serem enquadrados na prática dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e tráfico de influências” e enviou o caso para o Ministério Público.

À CNN Portugal, a Procuradoria-geral da República adiantou, por seu lado, que o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP) “abriu um inquérito cuja investigação está em curso”.

De acordo com a queixa feita à Polícia Judiciária, os eventos “com gente importante” servem “para fazer um escudo sobre operações financeiras e de embuste”. A denúncia, que foi analisada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção, explica que estarão “a decorrer operações” que podem violar a lei no que se refere “aos domínios de serviços, produtos e mercados financeiros”.

Maçons, políticos e empresários

Numa consulta ao site deste clube percebe-se que são dezenas os serviços anunciados aos membros: desde “financiamento fácil” a “planeamento fiscal”, passando por gestão de fortunas a apoios na imigração e investimentos. No site, os responsáveis garantem, aliás, que têm “95% de eficácia” na atribuição dos vistos de entrada no país.  

Com o nome “The Klub”, é liderado por dois maçons, João Pestana Dias e Abílio Alagoa. O primeiro é presidente e o segundo vice-presidente.

Muitos dos políticos e empresários que têm participado como oradores nestes encontros “inner circle” são ou foram da maçonaria, como o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, o presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, e o presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras. Os dois primeiros foram iniciados na Grande Loja Legal de Portugal (GLLP) e o último no Grande Oriente Lusitano (GOL).

“Fui convidado pelo João Pestana Dias para falar sobre descentralização administrativa. Mas não fazia ideia que se fazia essa promoção de acesso a governantes no site”, refere Isaltino Morais, garantindo que se “soubesse antes não teria ido ao evento”.

António Saraiva também confirma que esteve num dos eventos do “inner circle” deste club a convite de João Pestana Dias. “Fui convidado para falar sobre a situação económica”, recorda, garantido que aceitou o convite como é “habitual fazer” em tantos outros sítios. “Não me pediram favor nenhum”, frisa.

Carlos Carreiras, por seu lado, conta que foi a um evento “no Porto de Santa Maria a convite de Fernando Seara, ex-presidente da Câmara de Sintra” – que em 2021 montou este clube com os dois maçons. “Mas não me foi oferecido nem pedido qualquer ação”, diz, adiantando que não fazia ideia de qualquer ligação à maçonaria: “Apenas se referenciava que era um clube que tinha sido constituído com sede na Marina de Cascais".

Também Isaltino Morais e António Saraiva alegam que não sabiam que este clube tinha ligações a maçons. Isto apesar de Pestana Dias e Abílio Alagoa terem pertencido durante  anos à GLLP, a mesma maçonaria em que tanto o presidente da autarquia de Oeiras como o responsável da CIP foram iniciados e onde lideraram lojas e rituais maçónicos.

Pestana Dias e Abílio Alagoa pertenceram durante anos à Grande Loja Legal de Portugal, mas acabaram expulsos por não respeitarem as regras internas dos rituais.

Na denúncia que chegou à PJ levantam-se suspeitas quanto à ligação do “The Klub” à maçonaria e sublinham-se dúvidas quanto à legalidade dos serviços prestados, nomeadamente na área financeira. Além disso, relatam-se suspeitas sobre a real concretização de muitos dos privilégios que os donos da associação prometem a quem paga.   

A obediência maçónica que Pestana Dias e Abílio Alagoa lideraram nos últimos anos chama-se Grande Loja Soberana de Portugal.  Foi criada a 17 de julho de 2018 por estes dois maçons e mais um terceiro elemento da maçonaria - o cantor Fernando Pereira.

Agora, a obediência, assim como Pestana Dias e Abílio Alagoa, estão todos na mira do MP. Além de terem liderado nos últimos anos a associação de maçons, são também os dois os responsáveis e fundadores do clube de negócios. Ao mesmo tempo, são ambos consultores de um projeto que pretende criar um templo virtual que visa investimentos numa criptomoeda criada para o efeito e que já está, segundo a queixa, em pré-venda.

Iates, aviões e vida de luxo

A marca "The Klub" foi registada no início de 2021 em nome do próprio João Pestana Dias, segundo o registo que consta do Instituto Nacional de Propriedade Industrial. O telefone disponibilizado para aderir ao clube é também o seu. Funciona com base numa associação que Pestana Dias criou com Abilio Alagoa e também com o ex-presidente da Câmara Municipal de Sintra, Fernando Seara, em 30 de abril de 2021.

Este “The Klub” tem quatro níveis de membros, que implicam um pagamento distinto e acesso a eventos diferentes.  Aos que pagam mais, com base no que é explicado no site do clube, é garantido não só o acesso “a líderes empresariais e governamentais proeminentes”, mas a uma vida de alto nível.

Aos clientes que pagarem as quotas mais elevadas é garantido o acesso “a iates, a aviões e a moradias de classe mundial”. A estes benefícios, somam-se gestão imobiliária, relações públicas, captação de talentos, serviços de transação digital e cibernética e retiros espirituais.  Os donos do clube falam ainda em viagens de luxo, acesso a 'red carpet' [passadeira vermelha] nas festas mais exclusivas, participação nos eventos desportivos mais importantes, como futebol ou Fórmula 1, na primeira fila, acesso a especialistas de “renome mundial anti-aging” [anti-envelhecimento], contratação de segurança privada e a disponibilização de “uma rede de especialistas” para tutores dos filhos.

A CNN Portugal contatou o presidente do Clube, João Pestana Dias, mas este não quis fazer qualquer comentário.

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